Publicado em 17 de dezembro de 2025 às 16:44
No dia seguinte à eleição de 2020 que garantiu ao presidente de Belarus seu sexto mandato consecutivo, a escritora bielorrussa Svetlana Alexievich lembra ter visto "centenas de milhares de pessoas" marchando diante de seu apartamento, em Minsk (Belarus).>
"Eu achava que elas nunca se levantariam, mas elas se levantaram. Foi talvez uma das sensações mais fortes que já experimentei na vida", disse a escritora vencedora do Prêmio Nobel de 2015.>
Parte desse sentimento, afirma, era "uma esperança ingênua — mas, ainda assim, esperança".>
Alexievich aderiu aos protestos contra uma eleição amplamente considerada fraudada e passou a integrar um Conselho de Coordenação criado para preparar novas eleições e uma transição pacífica de poder.>
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Mas, pouco a pouco, com o passar das semanas, a sensação de esperança se apagou.>
"Agora está claro o quanto fomos românticos", disse.>
Os protestos foram reprimidos com brutalidade, enquanto membros do Conselho de Coordenação eram presos um a um, até que Alexievich, então com 72 anos, foi a única que restou em liberdade.>
Quando homens mascarados tentaram invadir seu apartamento, embaixadas estrangeiras vieram em seu auxílio. Durante duas semanas, diplomatas europeus e seus cônjuges se revezaram para vigiar sua casa, mas, por fim, ficou claro que ela teria de deixar o país.>
Alexievich disse que só conseguiu embarcar em um voo para Berlim (Alemanha) porque foi acompanhada até o aeroporto pela vice-embaixadora da Alemanha, Anna Luther.>
Ela não levou quase nada consigo, na esperança de retornar em breve, mas já está na capital alemã há cinco anos, com pouca perspectiva de voltar para casa.>
Agora com 77 anos, Svetlana Alexievich passou mais de 40 anos documentando a vida das pessoas na União Soviética e nos Estados independentes que surgiram após seu colapso. Ela registrou suas experiências na Segunda Guerra Mundial, na guerra soviético-afegã e no desastre nuclear de Chernobyl. Os livros são conhecidos coletivamente como Vozes da Utopia, em uma referência irônica ao experimento comunista de 70 anos.>
"Eu queria descrever essa tentativa de utopia, mostrar como ela vivia nos corações e nos lares das pessoas", disse.>
Mas a realidade que ela descreve está longe de ser utópica. Como resultado, seus livros foram retirados do currículo escolar na Rússia e em Belarus. Ela foi censurada, processada e agora está efetivamente exilada.>
Internacionalmente, a história é diferente. Os livros de Alexievich foram traduzidos para 52 idiomas e publicados em 55 países. Ela venceu o Prêmio Nobel de Literatura em 2015.>
Em seu apartamento em Berlim, uma grande mesa de madeira está coberta de anotações para seu próximo livro, que começou a escrever após os acontecimentos de 2020.>
Para esse trabalho, ela conversa com jovens que foram às ruas, perguntando o que desejavam na época e com o que se sentem decepcionados hoje.>
"Talvez tenhamos amado demais as revoluções", afirmou. "Elas nem sempre justificam nossas esperanças... Bem, eu agora não apoio revoluções, eu não apoio derramamento de sangue.">
Quando a União Soviética entrou em colapso, nos anos 1990, "parecia que todos nós havíamos nos libertado do cativeiro", disse Alexievich, ao recordar outro momento de esperança.>
Mas, segundo ela, o "homem vermelho" — a personificação do regime soviético — não desapareceu com o império.>
"Ele está atirando na Ucrânia, está sentado no Kremlin", afirmou. "Não, ele ainda não morreu.">
Para cada um de seus livros, Alexievich entrevista centenas de pessoas, combinando seus depoimentos de forma cuidadosa no que ela chama de "um romance de vozes".>
"É uma tentativa de transformar a vida cotidiana em literatura. Você simplesmente escolhe peças de arte da vida real", disse, comparando o método ao do escultor francês Auguste Rodin (1840-1917), que afirmava começar com um bloco de mármore e retirar tudo o que não fosse necessário.>
"Eu amo como os humanos falam", disse ela em sua conferência do Prêmio Nobel, em 2015. "Eu amo a voz humana solitária. É o meu maior amor e paixão.">
A reação à sua vitória no Nobel, em Belarus, foi "maravilhosa", segundo ela. Minsk teria ficado sem champanhe, e pessoas a abraçavam nas ruas.>
Até Alexander Lukashenko, um ex-diretor de fazenda coletiva estatal da União Soviética, que está há 31 anos na Presidência de Belarus, disse que leria seus livros, embora ela duvide que isso tenha ocorrido.>
"Ele tem uma visão de mundo diferente", afirmou.>
Alexievich lembra de ter crescido em vilarejos habitados principalmente por mulheres, após a devastação da Segunda Guerra Mundial.>
Milhões de bielorrussos morreram na guerra, e milhões dos que lutaram na Europa foram enviados para gulag (sistema de campos de trabalhos forçados da União Soviética) quando retornaram.>
"Só durante os casamentos as pessoas ficavam alegres, mas eles eram muito raros, porque a maioria dos jovens havia morrido.">
É por isso, segundo ela, que as mulheres são as "principais heroínas amadas" de seus livros. O primeiro deles, A Guerra não Tem Rosto de Mulher (1985), trata de veteranas de guerra.>
Cerca de 1 milhão de mulheres soviéticas se voluntariaram como soldados e médicas, mas sua contribuição foi amplamente ignorada até que Alexievich escrevesse sobre elas.>
Os relatos são horríveis e aterrorizantes, mas não isentos de humor — uma das mulheres contou à autora que uma das piores coisas de servir no Exército era ter de usar roupas íntimas masculinas.>
"Se elas não tivessem contado suas histórias, e se eu não as tivesse registrado, tudo isso teria desaparecido, e nós não saberíamos nada a respeito", disse.>
Após as reformas da Perestroika (reestruturação econômica) na década de 1980, o livro de Alexievich tornou-se um best-seller, com 2 milhões de cópias publicadas em russo.>
Mas seu livro seguinte, Meninos de Zinco, de 1991, gerou controvérsia. O título faz referência aos caixões revestidos de zinco nos quais os corpos de soldados soviéticos mortos no Afeganistão eram enviados de volta para casa.>
Alexievich havia estado em Cabul (Afeganistão) como jornalista e diz ter encontrado algo de belo nos homens de uniforme e em suas armas brilhantes. Mas a guerra também a repugnava, particularmente a visão de vilarejos inteiros arrasados por lançadores de foguetes múltiplos.>
Segundo ela, era importante, como escritora, testemunhar do que as pessoas são capazes.>
"Em geral, a arte é imoral. Você espia a dor dos outros. É a dor alheia que lhe dá a oportunidade de crescer.">
Após o lançamento do livro, Alexievich foi processada por veteranos de guerra e mães de soldados mortos, que a acusaram de difamação e de profanar a honra dos militares.>
"O livro falava sobre a coisa terrível na qual seus filhos haviam sido envolvidos, sobre como se tornaram assassinos", disse. "E então eles ficaram frente a frente com as verdades que temiam.">
Mas o livro que ela mais gostaria que todos lessem é Vozes de Tchernóbil, de 1997, que traz o subtítulo "crônica do futuro".>
"Tenho medo de que hoje toda pessoa moderna precise saber algo sobre o átomo e seus perigos", disse.>
Ela teme que os ataques da Rússia a usinas de energia na Ucrânia, inclusive às que fornecem eletricidade de reserva para manter reatores nucleares em segurança, possam provocar um novo desastre.>
A catástrofe de Chernobyl, em 1986, enviou nuvens radioativas para o norte, sobre sua cidade natal, Minsk (Belarus).>
Ela então passou um tempo na zona de exclusão ao redor da usina nuclear atingida, entrevistando pessoas que continuavam morando lá e compartilhando sua comida — apesar do risco de contaminação.>
"Eu não podia, como fizeram jornalistas ocidentais, ouvir todas essas histórias terríveis sobre uma filha que morreu, que nasceu sem braços, sem pernas, e depois, quando éramos convidados à mesa, comer um sanduíche separado", disse.>
O livro de Alexievich inspirou vários personagens da minissérie de TV Chernobyl (2019), de grande repercussão — entre eles a esposa de um dos primeiros bombeiros a morrer por envenenamento por radiação, Lyudmila Ignatenko. Quando a série foi exibida, ela se disse abalada com o enorme interesse da mídia por sua vida.>
"Mas não há como contar uma história sem invadir a vida de alguém", disse Alexievich.>
E muitas pessoas querem que suas histórias sejam conhecidas.>
A esposa de outro bombeiro entrevistado por Alexievich subornou funcionários para conseguir entrar no hospital onde o marido estava agonizando, a fim de ficar com ele nos últimos dias de vida.>
A dor dele só era aliviada, contou ela à escritora, quando faziam amor — "então, ele ficava em silêncio por um tempo".>
Para protegê-la da condenação pública, Alexievich deu à mulher um nome falso. Mas, após o lançamento da primeira edição do livro, ela telefonou para perguntar o motivo.>
"Eu não queria que você se machucasse", disse Alexievich a ela.>
Ela respondeu: "Não. Eu sofri tanto, ele sofreu tanto. Diga a verdade, mesmo que me custe o coração".>
Apesar dos temas sombrios, o amor é um elemento constante nos livros de Alexievich.>
"Sempre acreditei que escrevo sobre o amor. Eu não coleciono horrores, coleciono manifestações do espírito humano", disse ela em 2015.>
Os jurados do Prêmio Nobel descreveram sua obra como "um monumento ao sofrimento e à coragem em nosso tempo".>
Este conteúdo foi criado em coprodução entre o Nobel Prize Outreach e a BBC.>
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