Publicado em 10 de setembro de 2025 às 21:32
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (10/9) pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro no julgamento em que ele e outros réus são acusados de tentativa de golpe de Estado e outros crimes.>
Com o voto de Fux, o placar do julgamento agora está 2 a 1 pela condenação do ex-presidente, considerando os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Flavio Dino, revelados na terça-feira (9/9).>
Ainda faltam votar a ministra Carmen Lúcia e o ministro Cristiano Zanin, o que deve ocorrer na quinta (11/9). >
Para justificar o seu voto pela absolvição, Fux argumentou não há prova sobre a formação de uma organização criminosa liderada por Bolsonaro que tentou abolir o Estado democrático de direito com um golpe de Estado.>
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Fux entendeu que Bolsonaro é inocente em relação a todos os crimes, incluindo liderar organização criminosa armada, dano qualificado contra o patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado, golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.>
Em longa argumentação, ele afirmou que não há provas da participação de Bolsonaro em três pontos centrais da acusação: o uso da chamada Abin paralela, os ataques ao sistema eleitoral e a tentativa de golpe. >
Também não ficou provado, segundo Fux, que Bolsonaro tinha conhecimento do plano Punhal Verde e Amarelo, cujo objetivo seria assassinar o presidente Lula e outras autoridades. >
O ministro apontou ainda o que enxerga como falhas no processo, como a incompetência do STF em julgar um ex-presidente e um "tsunami de dados" que não teria permitido às defesas acessar todos os documentos em tempo hábil. >
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que o voto de Fux pode abrir caminho para a defesa de Bolsonaro tentar anular o processo, mas apenas se mais algum ministro acompanhar a posição de Fux. Ou seja, Cármen Lúcia ou Cristiano Zanin precisariam concordar com ele.>
Além de Bolsonaro, Fux também pediu a absolvição do almirante da Marinha Almir Garnier, mas votou pela condenação do ex-ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid, pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado de direito. >
Veja em 7 pontos os argumentos de Fux que levaram ao voto pela absolvição de Bolsonaro>
Durante seu voto, antes de se ater aos casos individuais, Fux falou sobre um dos pontos de maior divergência entre a defesa e a acusação: atos preparatórios, aqueles realizados antes da execução e consumação do crime.>
A tese da PGR e acatada por Moraes e Dino é de que os atos preparatórios do suposto golpe de Estado orquestrado pela organização que teria sido liderada por Jair Bolsonaro já configurariam crimes e, por isso, deveriam ser punidos.>
Mas, para Fux, "os atos preparatórios escapam, em regra, a punição da lei penal. Salvo quando, em si mesmo, [eles] constituem figuras delituosas", disse o ministro. "Ninguém pode ser punido pela cogitação".>
Ao discorrer sobre a participação de Bolsonaro, Fux falou sobre a chamada "minuta de golpe".>
Segundo Fux, ficou claro que se tratava apenas de um "ato preparatório", e não de um "ato executório" voltado à tentativa de derrubar, pela força, o Estado democrático de direito. >
Para ele, só seria possível falar em "execução" de um plano golpista caso o então presidente tivesse de fato assinado um decreto de Estado de Sítio, determinando que as Forças Armadas atuassem para provocar a ruptura institucional.>
"Se, então, o presidente da República aventou e discutiu a decretação do Estado de Sítio ou operação de Garantia da Lei e da Ordem [GLO], nada disso saiu da mera cogitação.">
De acordo com Fux, a intenção deliberada para praticar um delito, causando dano, é fundamental para a caracterização do crime.>
"Condutas despidas de um mínimo grau de organização e coordenação sem a capacidade de eficazmente colocar em risco a continuidade do governo legitimamente constituído" não poderiam configurar o golpe, segundo Fux.>
No caso de específico de Bolsonaro, o ministro também argumentou que ele não poderia ser acusado de tentativa abolir o Estado democrático de direito porque isso pressupõe remover um presidente em exercício do cargo — e Bolsonaro era o mandatário quando os crimes começaram, segundo a acusação.>
"Seria perigoso [imputar] a responsabilidade de agentes políticos com base em acusações genéricas", disse.>
Para Fux, a lei não permite punir um "autogolpe".>
"Consoante ao exposto previamente, condutas praticadas pelo réu durante seu mandato como presidente da República não podem configurar o crime" de abolição violenta do Estado democrático de direito, segundo Fux.>
Para Fux, também não configuram crimes "acampamentos, manifestações, faixas e aglomerações que consistem manifestações políticas com propósitos sociais".>
Ainda na sua argumentação, o ministro disse que o crime de golpe de Estado pressupõe coordenação coletiva e meios concretos de execução, além de exigir deposição de governo.>
Ao se referir aos atos de 8 de janeiro, o ministro defendeu que a história brasileira é permeada por diversas manifestações de cunho politico em que ocorreu a depredação de patrimônio publico e privado, mas que estas não foram enquadradas como tentativa de golpe.>
Ele usou como exemplo as chamadas "jornadas de junho" de 2013, uma série de grandes manifestações em cidades brasileiras. >
Os protestos começaram contra o aumento das tarifas de transporte público em São Paulo, mas logo se tornaram parte de uma mobilização muito maior devido a insatisfações com o cenário político e social do Brasil.>
Segundo Fux, naquele ano, o país viu "estarrecido" atos de violência com depredações em São Paulo, Rio e Brasília. O ministro também mencionou os protestos contra a realização da Copa de 2014.>
"Em nenhum caso, oriundo dessas manifestações políticas violentas, se cogitou imputar a seus responsáveis os crimes previstos na então vigente lei de segurança nacional que repetia a disposição 'tentar mudar com emprego de violência ou grave ameaça a ordem e o regime vigente ou Estado de direito'", disse Fux.>
Para Fux, no caso de 8 de janeiro, não houve potencial concreto de conquista do poder e substituição do governo.>
O ministro Luiz Fux disse que declarações "infelizes" ou a "irresignação" de políticos não podem ser classificadas como tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, uma das principais acusações que paira sob o núcleo crucial do processo sobre a suposta trama golpista em julgamento no STF.>
"Deve ser rejeitada, sim, a interpretação ampliativa desse novel tipo penal para abranger condutas que configurem mera irresignação com o resultado eleitoral, sem capacidade ou dolo de arruinar as multifacetadas instituições que garantem o alto governo democrático no país", diz Fux.>
Segundo Fux, políticos frequentemente se manifestariam de forma "ofensivas", mas que isso não poderia ser considerado crime sob pena de o Judiciário cercear o direito à liberdade de expressão e, em última instância, prejudicar a democracia.>
"Esse debate essencial para a democracia ocorre, muitas vezes, com discursos inflamados e irrefletidos, porquanto o mandatário político é instado a manifestar-se com enorme frequência sobre temas de variadas formas. O risco de declarações infelizes e ofensivas é permanente, mas essas declarações devem ser depuradas também pelo filtro democrático, à luz do escrutínio dos eleitores", afirmou Fux.>
Ao fazer seu voto sobre Bolsonaro especificamente, Fux disse ainda que crimes praticados por terceiros no 8 janeiro não poderiam ser conectados ao ex-presidente apenas em decorrência "de discurso e entrevistas ao longo do mandato".>
Segundo Fux, não se pode usar discursos de Bolsonaro contra o sistema eleitoral e urnas eletrônicas para criminalizá-lo por tentativa de abolição violenta de Estado democrático de direito. >
O ministro usou ainda como exemplo o caso da facada dada contra Bolsonaro na campanha das eleições de 2018, em Juiz de Fora (MG).>
Para Fux, "seria absurdo" responsabilizar o crime a todos aqueles que haviam "proferido discurso crítico" a Bolsonaro.>
Na sua justificação para defender que não houve tentativa de golpe de Estado, Fux mencionou o escândalo do Mensalão, durante o primeiro governo Lula.>
Ele afirmou que os crimes julgados na Ação Penal 470, sim, configuraram um "golpe gradual".>
Conhecido como mensalão, o caso estourou em 2005 e consistia no pagamento de uma "mesada" para parlamentares em troca de apoio no Congresso ao primeiro mandato de Lula.>
"Uma forma de golpe gradual que o plenário desta Corte já teve a oportunidade de examinar consiste na usurpação do patrimônio público por um governo eleito para a compra de apoio político necessário à sua manutenção no poder desequilibrando a disputa eleitoral e desestimulando o surgimento de opositores", afirmou Fux.>
E seguiu: "Tem início com a vitória eleitoral em 2002 do Partido dos Trabalhadores no plano nacional e tiveram por objetivo principal no que concerne ao núcleo essencial garantir a continuidade do projeto de poder daquele determinado partido, diz a Procuradoria-Geral da República, mediante a compra de suporte político de outros partidos políticos e do financiamento futuro e pretérito com o pagamento de dívidas de suas próprias campanhas eleitorais", afirmou o ministro.>
Na avaliação de Fux, Bolsonaro e os demais réus deveriam ser julgados na primeira instância — isso é, não em cortes superiores como STF —, pois já haviam perdido o foro privilegiado ao deixarem cargos como o de presidente.>
"A prerrogativa de foro deixa de existir quando os cargos foram encerrados antes da ação", disse Fux.>
"Estamos diante de uma incompetência absoluta.">
Essa não é a primeira vez que Fux se manifesta nesse sentido.>
Em março, em sessão para decidir se o STF aceitava ou não denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e mais sete aliados, Fux já havia dito que acreditava que o caso deveria ir para a primeira instância.>
Na ocasião, Fux pediu, caso esse argumento não fosse aceito, que ao menos os 11 ministros do STF (o plenário) julgassem os réus – e não apenas a Primeira Turma.>
Ele foi voto vencido, e a sessão na Primeira Turma terminou em 4 a 1 por aceitar a denúncia e manter o julgamento dentro do grupo. >
Nesta quarta, Fux também voltou a defender que o julgamento deveria ao menos acontecer no plenário do STF, já que envolveria crimes cometidos por um então presidente da República.>
"A competência para o julgamento de presidente da República sempre foi e continua sendo o plenário da Casa.">
"Ao rebaixar a competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam esterilizar a forma de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal", declarou.>
Na decisão de manter o julgamento no STF, os outros ministros entenderam que a jurisprudência da Corte aponta que, nos crimes praticados no exercício de cargo como presidente, a prerrogativa de foro se mantém mesmo após o fim do mandato, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois do fim do exercício do cargo. >
Vale lembrar que a denúncia da PGR aponta que a suposta trama golpista começou ainda em 2021, quando Bolsonaro era presidente.>
Sobre a competência da Primeira Turma, o regimento interno do STF alterado em dezembro de 2023 diz que o plenário só é responsável pelo julgamento de autoridades como presidente durante o mandato, assim como vice-presidente, presidente da Câmara e presidente do Senado. >
O ministro Alexandre de Moraes defendeu na época que, como Bolsonaro já não era mais presidente, não haveria a necessidade de julgamento no plenário. >
Ainda durante seu voto, o ministro Luiz Fux acolheu argumento dos réus de que houve cerceamento da defesa devido à falta de tempo adequado para que os advogados analisassem todo o material levantado nas investigações.>
Segundo ele, houve um "tsunami de dados" e esse é mais um motivo para anular todo o processo.>
"Eu não sou especialista. A quantidade chega a 70 terabytes. Fui pesquisar isso, nem acreditei, porque são bilhões de páginas", disse.>
"E, apenas em 30 de abril de 2025, portanto mais de um mês após o recebimento da denúncia e menos de 20 dias antes do início do depoimento das testemunhas, foi proferida decisão deferindo acesso à íntegra de mídias e dos materiais apreendidos na fase investigatória", continuou.>
Ele ressaltou ainda que o material foi disponibilizado sem estar classificado, dificultando sua análise pelas defesas e por ele próprio. "Também senti essa dificuldade", afirmou Fux.>
Segundo ele, a falta de acesso adequado da defesa ao conteúdo da investigação impede que advogados possam encontrar eventuais provas favoráveis aos réus no material apreendido.>
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