Publicado em 11 de dezembro de 2025 às 14:44
Em 2019, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, impôs sanções ao setor petrolífero da Venezuela para pressionar o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, as exportações do país caíram para cerca de 495 mil barris por dia. >
Seis anos depois, as sanções seguem em vigor, mas as vendas externas de petróleo voltaram a crescer e hoje giram em torno de 1 milhão de barris diários.>
Mesmo assim, o volume ainda é baixo para um país que, em 1998, antes da chegada de Hugo Chávez (1954-2013) ao poder, produzia 3 milhões de barris por dia. >
A recuperação parcial, porém, indica que as sanções não têm surtido o efeito esperado pelos EUA.>
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Isso porque o governo Maduro vem encontrando formas de reativar a produção e criar novas rotas para comercializar o petróleo venezuelano, contornando as restrições.>
Nessa estratégia de comercialização, desempenha papel central a chamada "frota fantasma": um conjunto de petroleiros que, por meio de diferentes artifícios, conseguem ocultar sua atividade como navios que transportam petróleo autorizado pelas autoridades americanas.>
Uma dessas embarcações foi interceptada e apreendida nesta quarta-feira (10/12) pelas Forças Armadas dos Estados Unidos, quando navegava em águas próximas à costa da Venezuela.>
"Acabamos de apreender um petroleiro na costa da Venezuela, um petroleiro grande, muito grande; na verdade, o maior já apreendido", disse Trump ao anunciar a operação à imprensa na Casa Branca.>
O governo Maduro reagiu, classificando a ação como um "roubo descarado e ato de pirataria", e afirmou que recorrerá às instâncias internacionais disponíveis para denunciar o ocorrido.>
A apreensão aumenta as tensões com o governo Maduro que vêm se intensificando desde agosto, quando o governo Trump lançou uma ampla operação militar no Caribe.>
A justificativa oficial é o combate ao narcotráfico, mas analistas acreditam que o objetivo final é pressionar uma mudança de regime na Venezuela.>
Além de seu possível objetivo político, a medida tem efeito econômico direto, ao dificultar ainda mais as exportações de petróleo da Venezuela e aumentar a pressão sobre a chamada frota fantasma.>
Mas o que se sabe sobre a forma de operação dessas embarcações?>
O uso de frotas fantasmas é um fenômeno em expansão e não se limita ao caso venezuelano. >
Países como Rússia e Irã, também produtores de petróleo e alvos de sanções dos EUA e de outras potências ocidentais, recorrem a práticas semelhantes.>
A empresa de inteligência financeira S&P Global estima que 1 em cada 5 petroleiros no mundo seja utilizado para contrabandear petróleo de países sob sanções.>
Desse total, 10% transportariam exclusivamente petróleo venezuelano; 20%, petróleo iraniano; e 50%, petróleo russo. Os 20% restantes não estariam vinculados a um único país e poderiam levar cargas de mais de um desses produtores.>
Segundo estimativas da empresa de análise marítima Windward, a frota clandestina reúne cerca de 1,3 mil embarcações.>
As sanções petrolíferas buscam desestimular países ou empresas a adquirir ou participar de qualquer operação relacionada ao petróleo proveniente dos países punidos.>
Diante disso, os países sancionados optam por oferecer seu petróleo com grandes descontos, para atrair operadores, empresas ou governos dispostos a assumir o risco da compra, aplicando, claro, alguns artifícios para disfarçar a origem do produto.>
Uma das estratégias mais comuns desses petroleiros para escapar das sanções é mudar de nome ou de bandeira com frequência, até mesmo várias vezes no mesmo mês.>
O navio apreendido nesta quarta-feira (10/12) é a embarcação The Skipper, segundo a CBS News, parceira da BBC nos Estados Unidos.>
A emissora informou que o petroleiro está sob sanções do Departamento do Tesouro dos EUA desde 2022, por supostamente integrar uma rede de contrabando de petróleo que financiaria a Guarda Revolucionária do Irã e a milícia xiita libanesa Hezbollah.>
Segundo a CBS, quando foi sancionado, o navio se chamava Adisa (e antes, The Tokyo) e estava ligado ao magnata russo do petróleo Viktor Artemov, também alvo de sanções.>
Ao comentar o caso nesta quarta-feira (10/12), a procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, afirmou na rede social X que a embarcação era usada para transportar petróleo da Venezuela e do Irã, ambos sob sanções.>
Um ponto interessante sobre o navio The Skipper é que ele tem 20 anos. Esse é outro traço comum da frota fantasma, muitos navios são antigos, já que grandes companhias de navegação costumam descartar embarcações após 15 anos de uso, e, depois de 25 anos, enviá-las ao desmanche.>
Outro truque usado por esses navios é a apropriação da identidade de embarcações já enviadas ao desmanche, por meio da emissão dos números de registro únicos atribuídos a esses navios pela Organização Marítima Internacional.>
Assim, tornam-se os chamados navios zumbis, pois operam como alguém que utiliza a identidade de uma pessoa morta.>
Um caso desse tipo ligado à Venezuela ocorreu em abril, quando um navio chamado Varada chegou às águas da Malásia após zarpar dois meses antes da Venezuela.>
A embarcação reunia dois sinais de alerta: tinha 32 anos e navegava sob a bandeira das Comores (costa leste da África), popular entre navios que desejam evitar detecção.>
Uma investigação da agência Bloomberg revelou que o Varada era, de fato, um navio fantasma — o original havia sido desmontado em 2017, em Bangladesh (Sul da Ásia).>
Outras práticas frequentes desses navios incluem "disfarçar" a origem do petróleo, transferindo a carga em águas internacionais para petroleiros sem restrições legais e com outras bandeiras. >
Esses segundos navios seguem então até o destino final e apresentam o petróleo como se fosse proveniente de um país não sancionado.>
Esse tipo de operação ocorreu, por exemplo, nas exportações de petróleo venezuelano para a China durante o primeiro mandato do governo Trump. >
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), houve um período em que as estatísticas oficiais chinesas registravam que o país não comprava petróleo da Venezuela, embora, na prática, comprasse.>
Isso era possível porque algumas refinarias adquiriram petróleo desses navios que haviam recebido a carga em águas internacionais e a declaravam como originária de países não sancionados.>
Um último artifício recorrente entre esses petroleiros é desligar o Sistema de Identificação Automática (AIS, na sigla em inglês), que transmite dados como nome, bandeira, posição, velocidade e rumo da embarcação.>
A manipulação dessas informações permite ocultar identidade, localização e trajeto do navio.>
Uma investigação publicada pela Bloomberg em abril identificou quatro navios zumbis que transportavam petróleo venezuelano. >
A agência analisou imagens de satélite e as comparou com fotos históricas das embarcações cujos nomes e números de identificação estavam sendo usados.>
Mais recentemente, a ONG Transparência Venezuela divulgou um relatório baseado na movimentação observada nos portos petrolíferos do país em outubro deste ano.>
Segundo o documento, 71 petroleiros estrangeiros operaram de forma visível nos portos da estatal venezuelana Pdvsa — estatal responsável pela exploração, produção e exportação de petróleo no país; desses, 15 estão sob sanções e nove têm ligação com frotas fantasmas.>
A ONG Transparência Venezuela identificou, em média, 24 petroleiros posicionados nas proximidades de três portos no oeste e no leste do país, operando em modo furtivo, sem transmitir os sinais obrigatórios de localização.>
A organização também afirma ter detectado seis operações de transferência de carga entre navios na região da baía de Amuay, no oeste da Venezuela.>
Além disso, a maior parte das embarcações navegava sob bandeiras de países considerados paraísos fiscais, cujas regras de supervisão são mais brandas e facilitam a atuação desse tipo de navio.>
Assim, dos 71 petroleiros identificados, 29 tinham bandeira do Panamá, 6, das Ilhas Comores e 5, de Malta.>
No relatório, a Transparência Venezuela afirma que 38 dessas embarcações passaram mais de 20 dias sem atracar, em contraste com os navios da petroleira americana Chevron, autorizada pelos EUA a operar na Venezuela, que chegam, carregam o petróleo e deixam o país em até seis dias.>
"A permanência prolongada nas áreas portuárias do país, sem atracar diretamente nos terminais petrolíferos, levanta sérias dúvidas sobre o tipo de operação realizada por esses navios", afirmou a ONG, em referência às embarcações que permaneciam vários dias sem atracar.>
De todo modo, como a operação de interceptação e apreensão desta quarta-feira (10/12) partiu do porta-aviões Gerald Ford, o maior do mundo, que agora integra o amplo deslocamento militar dos EUA no Caribe, diante da Venezuela, é provável que a capacidade do governo Maduro de recorrer à frota fantasma fique significativamente reduzida.>
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