Publicado em 18 de agosto de 2025 às 05:27
Sonolência, falta de fome ou de sede, pele seca e azulada, respiração barulhenta... A chegada da morte pode ser marcada por uma série de sinais — e saber identificá-los é uma das chaves para um fim mais suave e tranquilo.>
Se a morte é a única certeza que temos na vida, chama a atenção uma generalizada falta de conhecimento sobre o que realmente acontece quando o fim está próximo.>
Especialistas em cuidados paliativos ouvidos pela BBC News Brasil dizem que até mesmo médicos e outros profissionais de saúde muitas vezes não sabem como agir nesse momento e apelam a procedimentos que são supérfluos, que mais atrapalham que ajudam.>
O processo conhecido como fase ativa da morte acontece durante os últimos dias, ou as últimas horas, de uma pessoa.>
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Obviamente, ele não é igual para todo mundo — e está geralmente relacionado às enfermidades de longo prazo, como o câncer e a demência, em que a pessoa passa meses, ou até anos, fazendo tratamentos, até chegar ao ponto em que os órgãos e sistemas que constituem o organismo não são mais capazes de manter a vida adiante. >
Entenda a seguir quais são as manifestações mais comuns de uma morte iminente, por que elas acontecem e o que pode ser feito para que esse evento seja suave, com poucos incômodos e significativo para que vai (e também para quem fica).>
A médica Ana Claudia Quintana Arantes, referência nos estudos sobre o envelhecimento, os cuidados paliativos e a morte no Brasil, faz uma analogia didática, quase poética, entre os estágios finais da vida e os quatro elementos clássicos da natureza: terra, água, fogo e ar.>
Seguindo a linha de raciocínio dela, a primeira etapa da morte ativa é simbolizada pela terra, uma representação do material, do físico, daquilo que a gente toca e pisa.>
"A terra é o primeiro elemento que vai embora. Dá um cansaço estranho, que pesa nos olhos", diz a especialista, autora do livro A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver (Editora Sextante).>
"Há também um peso no corpo. Por mais magrinho que esteja, você não consegue movimentar um braço, não consegue se virar na cama. Você precisa de ajuda, e quando essa ajuda vem, ela percebe que esse corpo, mesmo que frágil, mesmo que pequenino, pesa muito, pesa tanto quanto o mundo", complementa Arantes, que também atua no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.>
É comum então que a pessoa fique mais reclusa, sonolenta e entre num estado de inconsciência por alguns momentos.>
Aqui, o corpo dela está começando a se desligar aos poucos, então alguns órgãos ou sistemas funcionam mais devagar e deixam de ser relevantes.>
O médico Arthur Fernandes, secretário-geral da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, compara esse momento ao apagar das luzes de um prédio, ou ao desligamento das máquinas que compõem uma fábrica.>
Uma das primeiras partes do corpo a entrar nessa marcha lenta é o sistema digestivo. >
A pessoa que entrou na fase ativa da morte tem naturalmente menos necessidade de comer ou beber água. E ela não sente mais fome ou sede como antes. >
Com isso, a necessidade de ir ao banheiro também diminui aos poucos.>
Outro sinal típico nesse momento é a alteração da pele, que se torna cada vez mais pálida e gelada, além de sofrer eventuais inchaços. >
A pele também pode ganhar um tom azulado ou arroxeado, principalmente nas extremidades, como mãos e pés, além dos lábios. Isso é normal e indica que a circulação sanguínea também entrou num ritmo mais lento.>
Mesmo que a pessoa esteja sonolenta, os médicos encorajam que familiares e amigos tenham momentos para conversar e tocar suavemente nas mãos e nos braços do ente querido. >
Estudos indicam que sentidos como a audição e o tato continuam ativos, e esse contato pode representar uma fonte de conforto.>
Seguindo a linha de raciocínio de Arantes, a segunda onda de transformações que acontece no corpo está relacionada à água.>
"O corpo resseca, então os olhos, os lábios e a boca ficam secos. A saliva, escassa", lista a médica.>
Segundo a especialista, na maioria das vezes não há necessidade de aplicar soro na veia para reidratar o corpo.>
Mas é possível aumentar o conforto e o bem-estar da pessoa prestes a partir com algumas medidas básicas, como molhar os lábios com algodão ou pano umedecido, aplicar colírio nos olhos e passar hidratantes na pele.>
É importante que esses cuidados sejam sempre discutidos com os profissionais da saúde, para que todos estejam a par do que está sendo feito.>
Outra preocupação comum durante a morte ativa tem a ver com a dor. Será que morrer dói?>
Os especialistas dizem que, sim, algumas pessoas têm uma piora nos incômodos físicos, e alguns dos remédios usados deixam de funcionar como antes. >
"Nas últimas horas de vida, essa dor pode descompensar e o paciente fica agitado. Além do desconforto, também pode acontecer falta de ar, enjoo, vômitos...", responde Fernandes.>
Mas os profissionais de saúde podem prescrever medicamentos mais fortes, como a morfina, que dão alívio.>
Ou seja, a dor é uma possibilidade no fim. Mas a medicina tem caminhos para lidar com ela.>
"Tanto os profissionais da saúde quanto a família precisam saber dessas possibilidades e deixar tudo organizado, como ter por perto as doses de medicações e saber as melhores formas de aplicá-las, para evitar sintomas muito desagradáveis", complementa o médico.>
Há também uma etapa da morte ativa que pode ser simbolizada pelo fogo. >
Esse é o momento em que a chama da vida ganha o seu último fôlego.>
Trata-se de um período comumente chamado de "melhora da morte" ou "a visita da saúde".>
Aqui, os sintomas que a pessoa estava sentindo costumam melhorar, para a surpresa de quem acompanha a situação. >
Ela sai daquele estado de letargia e inconsciência, volta a se comunicar, quer comer e parece mais animada, como se o quadro tivesse melhorado de forma repentina.>
Mas Fernandes pondera que essa mudança não é uma coisa da água pro vinho: um paciente acamado por muito tempo não vai andar de novo, por exemplo.>
Mas a volta de uma chama um pouco mais forte pode representar uma oportunidade única.>
"O paciente que comia muito pouco pode agora comer mais. Ele pode experimentar uma comida que gosta muito, pra sentir o sabor. Ele sai daquela sonolência para rever uma pessoa querida", destaca o especialista. >
"Esse pode ser o momento em que ele consegue se despedir, dizer que ama, receber perdão e pedir desculpas para alguém", complementa ele.>
Não raro, os familiares e a própria equipe de saúde querem usar esse momento para fazer exames ou intervenções, numa tentativa de ampliar o tempo de vida daquela pessoa. >
Mas, segundo Arantes, essas medidas geralmente são supérfluas — e ocupam o tempo valioso que seria usado para encontros e despedidas.>
"Esse tempo deveria ser utilizado para exercer a autoridade, a autonomia de deixar a sua marca, a forma de estar no mundo, para as pessoas que você ama", aponta ela. >
"Esse é o momento de fazer declaração de amor. De pedir perdão, de perdoar. E reconhecer que nem sempre foi possível fazer o que se queria ter feito." >
"Essa é a chance expressar a sua essência, sem nenhuma reserva", reflete ela.>
A melhora da morte costuma durar pouco tempo — e logo a chama volta a ficar fraca de novo.>
Para fechar a lista dos elementos elaborada por Arantes, chegou a hora de entender como o ar se encaixa nessa história. >
E ele simboliza uma das alterações mais aparentes do corpo na hora da morte. >
A respiração sai do padrão que estamos acostumados. Às vezes, ela fica rápida e curta. Depois, longa e pausada. Às vezes, até parece que a pessoa deixou de respirar.>
Outros eventos comuns nessa etapa é permanecer com a boca aberta, pelo relaxamento dos músculos que seguram a mandíbula, e uma respiração bem barulhenta, como se a pessoa estivesse roncando alto.>
Isso acontece porque, naquele processo de desligamento das funções vitais, o corpo acumula alguns fluidos na garganta, que geram um ruído quando o ar passa por ali.>
Esse sinal pode até ser incômodo para quem está vendo aquela cena, mas, segundo os médicos, não representa necessariamente uma aflição para quem está à beira da morte.>
Em alguns casos, os profissionais da saúde podem indicar uma aspiração desses fluidos ou usam remédios que melhoram esse fluxo de entrada e saída do ar.>
Arantes reflete que, quando nascemos, a primeira coisa que fazemos é respirar, ou puxar a primeira leva de ar que enche nossos pulmões.>
E um de nossos últimos atos em vida é fazer justamente o movimento contrário: devolver o ar, numa expiração final.>
"Você pode entregar esse sopro sagrado que te foi dado quando nasceu. Se você fez bom uso desse sopro, se você teve uma vida que valeu a pena ser vivida, essa última expiração é um presente", acredita ela.>
"Daí esse fôlego cessa. E você tem um silêncio", relata a médica.>
Nos segundos depois da última expiração, o coração para de bater. O cérebro apaga. E as células do corpo que ainda estavam ativas desligam aos poucos. >
A vida daquele indivíduo chegou ao fim.>
Arantes orienta às pessoas que testemunharam esse momento que informem os profissionais de saúde, caso eles não estejam por perto, mas não há necessidade de fazer tudo com pressa. >
"Permaneça por um momento nesse instante sagrado, que parece até fora do tempo normal", sugere ela.>
"Aquela pessoa que você ama parou de respirar, está livre da matéria. Ela deixa de existir naquele corpo e passa a viver no coração de todo mundo que a ama.">
Já para Fernandez, a porção final da vida não deveria ser tratada como algo tão extraordinário — e é vital que a gente fale mais sobre isso.>
"É importante que as pessoas conversem sobre esse assunto em casa, para que a gente construa cada vez mais uma cultura que abraça a vida sem excluir a morte", pensa ele.>
"Até porque a morte não é o contrário da vida. A morte é o antônimo de um processo que a gente chama de nascimento.">
"Já a vida é tudo aquilo que está incluído dentro desse tempo bonito que a gente tem pra viver", conclui ele.>
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