Publicado em 7 de junho de 2025 às 15:38
Aos 24 anos, Nafisa Salahu correu o risco de se tornar mais uma estatística na Nigéria — onde uma mulher morre de parto, em média, a cada sete minutos.>
Ela entrou em trabalho de parto durante uma greve dos médicos. Com isso, mesmo estando no hospital, não havia nenhum especialista disponível para ajudar quando surgiu uma complicação.>
A cabeça do bebê de Salahu estava presa, e ela foi simplesmente orientada a permanecer imóvel durante o trabalho de parto, que durou três dias.>
Por fim, a recomendação foi que ela passasse por uma cesariana. E foi então localizado um médico preparado para realizar o procedimento.>
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"Agradeci a Deus porque eu estava quase morrendo", contou Salahu à BBC. "Eu não tinha mais forças, não tinha mais nada.">
Ela mora no Estado de Kano, no norte da Nigéria. A mãe sobreviveu, mas, tragicamente, seu bebê não resistiu.>
Onze anos se passaram e ela já retornou ao hospital para dar à luz várias vezes. Mas sua postura é fatalista.>
"Eu sabia que [todas as vezes] ficava entre a vida e a morte, mas não tinha mais medo", segundo ela.>
A experiência de Salahu não é um fato isolado. A Nigéria é o país mais perigoso do mundo para dar à luz.>
As últimas estimativas das Nações Unidas (ONU), com dados de 2023, indicam que uma a cada 100 mulheres nigerianas morre em trabalho de parto ou nos dias subsequentes. Este índice coloca a Nigéria no topo de um ranking que nenhuma nação gostaria de liderar.>
Em 2023, o país foi responsável por 29% das mortes maternas ocorridas em todo o mundo. E se estima que 75 mil mulheres morram de parto na Nigéria por ano — o equivalente a uma morte a cada sete minutos.>
Para muitos, a frustração é que grande parte destas mortes poderia ser evitada, como as causadas por hemorragia pós-parto.>
Chinenye Nweze tinha 36 anos quando sangrou até a morte cinco anos atrás, na cidade de Onitsha, no sudeste do país.>
"Os médicos precisavam de sangue", relembra seu irmão, Henry Edeh. "O sangue que eles tinham não era suficiente, e eles corriam para procurar.">
"Perder minha irmã e amiga é algo que não desejo para nenhum inimigo. A dor é insuportável.">
Dentre outras causas comuns de mortes maternas, estão a obstrução do parto, alta pressão sanguínea e abortos inseguros.>
A taxa de mortalidade materna "muito alta" da Nigéria é o resultado de uma combinação de diversos fatores, segundo Martin Dohlsten, do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) na Nigéria.>
Para ele, alguns dos motivos são a falta de infraestrutura de saúde, escassez de médicos, alto custo dos tratamentos (inacessíveis para muitas pessoas), práticas culturais que podem fazer algumas pessoas desconfiarem dos profissionais médicos e a insegurança de forma geral.>
"Nenhuma mulher merece morrer ao dar à luz uma criança", afirma a coordenadora nacional da Fundação para o Desenvolvimento Women of Purpose, Mabel Onwuemena.>
Ela explica que algumas mulheres nigerianas, especialmente na zona rural, acreditam que "ir ao hospital é uma total perda de tempo". Elas preferem "remédios tradicionais, em vez de buscar assistência médica, o que pode retardar a ajuda necessária para salvar vidas".>
Para algumas pessoas, chegar a um hospital ou clínica é quase impossível, devido à falta de transporte. Mas Onwuemena acredita que, mesmo se elas conseguissem chegar, seus problemas não seriam facilmente resolvidos.>
"Muitas instalações de assistência médica não possuem equipamento básico, suprimentos e pessoal treinado, o que dificulta o fornecimento de um serviço de qualidade", segundo ela.>
Atualmente, o governo da Nigéria gasta apenas 5% do seu orçamento com a saúde. Este índice está muito abaixo do compromisso de 15% assumido pelo país, em um tratado da União Africana assinado em 2001.>
Em 2021, havia 121 mil parteiras para uma população de 218 milhões de habitantes. E menos da metade dos partos eram supervisionados por um profissional de saúde capacitado.>
Estima-se que o país necessite de mais 700 mil enfermeiras e parteiras para atingir os índices recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).>
Existe também uma grave falta de médicos. E a escassez de pessoal e instalações faz com que as pessoas não procurem ajuda profissional.>
"Honestamente, não confio muito nos hospitais", reconhece Jamila Ishaq. "Existem muitas histórias de negligência, especialmente nos hospitais públicos.">
"Quando tive meu quarto filho, por exemplo, houve complicações durante o trabalho de parto. A parteira local recomendou que fôssemos para o hospital, mas, quando chegamos lá, não havia nenhum profissional de saúde disponível para me ajudar.">
"Precisei voltar para casa, onde acabei dando à luz", relembra ela.>
Ishaq tem 28 anos de idade. Ela mora no Estado de Kano e, agora, espera seu quinto bebê.>
Ela destaca que consideraria a ideia de ir para uma clínica particular, mas o custo é proibitivo.>
Chinwendu Obiejesi espera seu terceiro filho. Ela pode pagar assistência médica particular em um hospital e "não pensaria em dar à luz em nenhum outro lugar".>
Ela conta que, entre suas amigas e familiares, as mortes maternas, agora, são raras. Mas ela costumava ouvir falar de casos com bastante frequência.>
Obiejesi mora em um rico subúrbio da capital nigeriana, Abuja.>
Ali, é mais fácil chegar aos hospitais. As estradas são melhores e os serviços de emergência funcionam.>
E também existem na cidade mais mulheres que receberam formação e sabem da importância de ir ao hospital.>
"Sempre faço o pré-natal... Ele me permite falar com os médicos regularmente, fazer exames importantes e acompanhar minha saúde e a do bebê", conta Obiejesi à BBC.>
"Durante minha segunda gravidez, por exemplo, eles esperavam que eu pudesse sangrar muito. Por isso, eles prepararam mais sangue, para o caso de transfusão. Felizmente, não precisei e tudo correu bem.">
Mas uma amiga da família não teve a mesma sorte.>
Durante seu segundo parto, "a parteira não conseguiu fazer o bebê nascer e tentou forçar o parto. O bebê morreu.">
"Quando ela foi levada às pressas para o hospital, era tarde demais. Ela ainda precisou passar por cirurgia para retirar o corpo do bebê. Foi desolador", lamenta ela.>
A diretora de serviços de saúde comunitários da Agência Nacional de Desenvolvimento da Assistência Primária à Saúde do país (NPHCDA, na sigla em inglês), Nana Sandah-Abubakar, reconhece que a situação é grave. Mas ela afirma que um novo plano está sendo posto em prática para abordar algumas destas questões.>
Em novembro do ano passado, o governo nigeriano lançou a fase piloto da Iniciativa de Redução da Mortalidade Materna (Mamii, na sigla em inglês).>
Este programa irá envolver 172 governos locais em 33 Estados da Nigéria. Eles representam mais da metade das mortes relacionadas ao parto no país.>
"Identificamos cada mulher grávida, sabemos onde elas moram e as ajudamos ao longo da gravidez, no parto e depois do nascimento do bebê", afirma Sandah-Abubakar.>
Até o momento, uma pesquisa porta a porta cadastrou 400 mil mulheres grávidas em seis Estados, "detalhando se elas estão ou não comparecendo a [aulas] pré-natal".>
"O plano é começar a indicá-las a serviços que garantam que elas recebam a assistência [necessária] e tenham seu parto com segurança.">
O Mamii também pretende trabalhar com as redes de transporte locais, para tentar levar mais mulheres para as clínicas, além de incentivar as pessoas a se inscreverem no seguro-saúde público de baixo custo.>
Ainda é muito cedo para afirmar se estas medidas trouxeram impactos positivos. Mas as autoridades esperam que o país possa acabar seguindo as tendências do resto do mundo.>
As mortes maternas em todo o planeta caíram em 40% desde o ano 2000, graças à expansão do acesso à assistência médica. Os números também melhoraram na Nigéria no mesmo período, mas apenas em 13%.>
O Mamii e outros programas são iniciativas bem-vindas, mas alguns especialistas acreditam que é preciso fazer mais, como aumentar os investimentos.>
"Seu sucesso depende de financiamento permanente, implementação efetiva e monitoramento contínuo, para garantir que os resultados pretendidos sejam atingidos", segundo Martin Dohlsten, do Unicef.>
Enquanto isso, cada uma das 200 mães perdidas na Nigéria todos os dias continuará a representar uma tragédia para as famílias envolvidas.>
Henry Edeh, por exemplo, ainda não conseguiu superar o luto da perda da sua irmã.>
"Ela assumiu o papel de nossa âncora e espinha dorsal, quando perdemos nossos pais ainda crianças", relembra ele.>
"Agora que fiquei sozinho, quando me lembro dela, choro amargamente.">
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