Publicado em 11 de agosto de 2025 às 17:25
Quando Jake tinha apenas cinco meses de idade, ele teve sua primeira convulsão do tipo tônico-clônica — seu corpinho enrijeceu e ele começou a se debater rapidamente.>
"Estava muito quente no dia e ele sofreu uma hipertermia. Testemunhamos o que achávamos ser a coisa mais assustadora que veríamos na vida", declarou a mãe de Jake, Stephanie Smith. "Infelizmente, não foi.">
As convulsões começaram a se repetir sempre que fazia calor. Com a chegada dos dias abafados e úmidos do verão, a família recorria a todo tipo de método para tentar manter Jake fresco, travando uma verdadeira batalha para conter as convulsões.>
Aos 18 meses, após um teste genético, Jake foi diagnosticado com a Síndrome de Dravet, uma condição neurológica que inclui um tipo de epilepsia e afeta cerca de 15 mil crianças.>
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As convulsões costumam vir acompanhadas de deficiência intelectual e várias comorbidades, como autismo e TDAH, além de dificuldades na fala, mobilidade, alimentação e sono. O calor intenso e mudanças bruscas de temperatura podem desencadear uma crise.>
Jake hoje tem 13 anos, e já passou por incontáveis convulsões ao longo dos anos, sempre que o clima muda. >
"Verões cada vez mais quentes e ondas de calor têm agravado ainda mais o desafio de conviver com essa condição, que já é devastadora por si só", afirma Stephanie. >
A Síndrome de Dravet é apenas uma das muitas doenças neurológicas que se agravam com o aumento das temperaturas, diz Sanjay Sisodiya, da University College London, um dos pioneiros no estudo dos impactos das mudanças climáticas sobre o cérebro. >
Como neurologista especializado em epilepsia, ele ouve com frequência relatos da família de seus pacientes contando que as crises pioram durante ondas de calor. >
"E eu pensei comigo mesmo: 'é claro, por que as mudanças climáticas não afetariam o cérebro?' No fim das contas, muitos processos cerebrais estão envolvidos na forma como o corpo lida com o calor.">
Ao se aprofundar na literatura científica, Sisodiya descobriu uma série de condições neurológicas que são agravadas pelo aumento da temperatura e da umidade, incluindo epilepsia, acidente vascular cerebral (AVC), encefalite, esclerose múltipla, enxaqueca, entre outras. >
Ele também identificou que os efeitos das mudanças climáticas sobre o cérebro humano já estão se tornando visíveis. >
Durante a onda de calor que atingiu a Europa em 2023, por exemplo, cerca de 7% das mortes adicionais estavam relacionadas diretamente a problemas neurológicos. >
Percentuais semelhantes foram vistos durante a onda de calor no Reino Unido em 2022. >
Mas o calor também pode alterar a forma como nosso cérebro funciona, nos deixando mais violentos, irritados e depressivos. >
Assim, diante de um planeta que continua esquentando por causa das mudanças climáticas, qual impacto disso sobre o nosso cérebro?>
O cérebro humano, em média, raramente ultrapassa 1°C acima da temperatura corporal.>
Ainda assim, por ser um dos órgãos que mais consomem energia no nosso corpo, ele produz uma quantidade considerável de calor próprio enquanto pensamos, lembramos de informações e reagimos ao mundo ao nosso redor. >
Isso significa que o corpo precisa trabalhar duro para manter o cérebro resfriado. A circulação sanguínea, por meio de uma complexa rede de vasos, ajuda a manter essa temperatura, levando embora o calor em excesso. >
Isso é necessário porque as células cerebrais são extremamente sensíveis ao calor. E o funcionamento de algumas moléculas responsáveis por transmitir mensagens entre essas células também parece depender da temperatura, ou seja, elas param de trabalhar de forma eficiente se o cérebro estiver muito quente ou muito frio. >
"Nós não compreendemos totalmente como os diferentes elementos desse quadro complexo são afetados" diz Sisodiya. "Mas podemos pensar nisso como um relógio cujos componentes deixem de funcionar em harmonia.">
Embora temperaturas extremas alterem a forma como nosso cérebro trabalha — podendo, por exemplo, afetar nossa capacidade de tomar decisões e nos levar a assumir mais riscos — quem tem alguma condição neurológica costuma ser mais gravemente impactado. >
Isso ocorre por muitas razões. Em algumas doenças, por exemplo, a capacidade de suar pode ficar comprometida.>
"A termorregulação é uma função do cérebro e pode ser prejudicada se certas partes do cérebro não estiverem funcionando adequadamente", diz Sisodiya.>
Já em alguns tipos de esclerose múltipla, a temperatura central do corpo parece ser alterada. >
Além disso, alguns medicamentos para condições psiquiátricas e neurológicas, como a esquizofrenia, afetam a regulação da temperatura, tornando a pessoa mais vulnerável à insolação ou hipertermia, como é chamada clinicamente, e aumentando o risco de morte relacionada ao calor.>
As ondas de calor — especialmente quando acompanhadas de temperaturas elevadas durante a noite — podem prejudicar o sono, afetar o humor e potencialmente piorar os sintomas de algumas condições de saúde. >
"Para muitas pessoas com epilepsia, uma noite mal dormida pode aumentar o risco de ter uma convulsão", afirma Sisodiya. >
Evidências apontam que internações hospitalares e taxas de mortalidade entre pessoas com demência também aumentam durante ondas de calor. >
Parte disso se deve à idade — pessoas mais velhas têm mais dificuldade de regular a temperatura corporal —, mas o comprometimento cognitivo também pode dificultar a adaptação ao calor extremo. >
Eles podem, por exemplo, não se hidratar o suficiente, esquecer de fechar as janelas, ou sair de casa em horários que não deveriam. >
O aumento da temperatura também tem sido associado ao crescimento de casos e mortes por AVC. >
Em um estudo que analisou dados de mortalidade por AVC em 25 países, pesquisadores descobriram que, a cada 1.000 mortes, os dias mais quentes contribuíam para duas mortes adicionais.>
"Pode não parecer muito, mas considerando que há cerca de sete milhões de mortes por AVC por ano no mundo, o calor pode estar contribuindo para mais de 10 mil mortes adicionais anualmente", explica Bethan Davies, geriatra na University Hospitals Sussex, no Reino Unido. >
Ela e os coautores do estudo alertam que as mudanças climáticas tendem a agravar esse cenário nos próximos anos.>
Um parte desproporcional do impacto do calor em casos de AVCs recaíra sobre países de baixa e média renda — que já são mais afetados pelas mudanças climáticas e registram as maiores taxas da doença. >
"O aumento das temperaturas vai intensificar as desigualdades em saúde, tanto entre países quanto entre grupos sociais", diz Davies. >
Um número crescente de evidências indica que pessoas mais velhas e aquelas em situação socioeconômica vulnerável correm mais risco de morrer em decorrência do calor externo. >
O mundo mais quente também está afetando o neurodesenvolvimento dos mais jovens. >
"Existe uma ligação entre calor extremo e resultados adversos na gravidez, como partos prematuros", afirma Jane Hirst, professora de Saúde Global da Mulher no Imperial College London.>
Uma revisão sistemática recente da literatura científica concluiu que ondas de calor estão associadas a um aumento de 26% na ocorrência de partos prematuros, que podem levar a atrasos no desenvolvimento neurológico e prejuízos cognitivos.>
"No entanto, há muitas coisas que a gente ainda não sabe", acrescenta Hirst. >
"Quem é mais vulnerável e por quê? Afinal, há 130 milhões de mulheres que tiveram bebês este ano, muitas delas em países quentes, e isso não acontece com elas.">
O calor excessivo causado pelas mudanças climáticas também pode sobrecarregar o cérebro, deixando-o mais vulnerável a danos que podem levar ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. >
O calor ainda afeta a barreira hematoencefálica, que normalmente protege o cérebro, tornando-o mais permeável e aumentando o risco de que toxinas, bactérias e vírus entrem no tecido cerebral. >
Essa questão pode se tornar ainda mais crítica à medida que as temperaturas sobem, já que o aumento de calor favorece a expansão de mosquitos que transmitem vírus capazes de causar doenças neurológicas, como Zika, chikungunya e dengue. >
"O vírus Zika pode afetar o feto e causar microcefalia", explica Tobias Suter, médico entomologista do Instituto Suíço de Saúde Pública e Tropical. >
"Com o aumento das temperaturas e invernos mais amenos, a temporada de reprodução dos mosquitos começa mais cedo no ano e termina mais tarde.">
Ondas de calor podem influenciar em vários fatores, desde a atividade elétrica das células nervosas até o risco de suicídio, ansiedade climática e a estabilidade de medicamentos usados no tratamento de condições neurológicas. >
Mas os efeitos das altas temperaturas sobre o cérebro ainda estão sendo investigados pelos cientistas. O calor afeta as pessoas de diferentes formas — algumas se adaptam bem, enquanto outras consideram insuportável. >
"Vários fatores podem explicar essa sensibilidade diferente, e um deles pode ser a predisposição genética", afirma Sisodiya. >
Variações genéticas podem influenciar as estruturas de proteínas que deixam algumas pessoas mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. >
"Pode haver fenótipos termo-latentes que apenas irão se manifestar quando essas pressões ambientais forem suficientes para trazê-los à tona", disse. >
"O que estamos observando hoje nas pessoas com distúrbios neurológicos pode se tornar relevante para pessoas sem distúrbios neurológicos à medida que as mudanças climáticas avançam.">
Ainda há muitas perguntas sem resposta. É a temperatura máxima, a duração da onda de calor ou a temperatura noturna que tem o maior impacto sobre o cérebro? A resposta pode variar de pessoa para pessoa ou de acordo com a condição neurológica.>
Mas identificar quem está em risco e por quê é essencial para desenvolver estratégias para proteger os mais vulneráveis. Isso pode incluir a criação de sistemas de alerta precoce ou seguros que compensem trabalhadores pela perda de renda em dias de calor extremo. >
"A era do aquecimento global acabou, a era da ebulição global chegou", anunciou o secretário-geral da ONU, António Guterres, quando julho de 2023 foi confirmado o mês mais quente já registrado. >
As mudanças climáticas estão entre nós e se intensificando. A era do cérebro "superaquecido" está apenas começando. >
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