Publicado em 15 de junho de 2025 às 19:39
Nos 20 meses que se passaram desde o início da guerra em Gaza, Amit Halevy foi alvo de cuspes, gritos, pedras e ovos nas ruas de Israel, tudo porque estava pedindo paz.>
"Ficávamos sentadas em silêncio, apenas um grupo de mulheres vestidas de branco, segurando cartazes em hebraico, árabe e inglês com os dizeres: 'compaixão', 'paz', 'segurança nutricional'", diz ela à reportagem.>
"Pensamos: quem discute com a paz? Mas essas manifestações recebiam o mesmo ódio de quando pedíamos para Encerrar a Ocupação ou Libertar Gaza", conta ela.>
"Um cara gritou com a gente durante um protesto sentado pela paz em Tel Aviv, dizendo que desejava que todas nós fôssemos estupradas em Gaza, enquanto estávamos sentadas em silêncio segurando cartazes dizendo 'amor'.">
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Conheci Amit nos primeiros meses da guerra. Neta de sobreviventes do Holocausto, ela me contou como as discussões familiares sobre o que estava acontecendo em Gaza a deixavam irritada e frustrada. >
Ela está convencida de que as ações de Israel equivalem a um processo de "nazificação". Agora, diz, algo está mudando na família dela.>
"No caso do meu pai, posso dizer coisas que ele não conseguia ouvir antes, e ele entende", ela explica. "Ele diz: 'Mas e o Hamas?' E eu digo: 'Pai, se 80 crianças foram mortas ontem à noite, não importa — como ser humano, e especificamente como judeu, você deve dizer que isso tem que parar agora mesmo'. E ele entende.">
O número de pessoas em Israel preocupadas com o sofrimento dos habitantes de Gaza tem aumentado lentamente, mas Amit e seus amigos ainda fazem parte de uma pequena minoria.>
O Instituto de Democracia de Israel (IDI) perguntou aos israelenses no mês passado se o sofrimento de civis de Gaza deveria ser um fator nas decisões do governo sobre a guerra. >
A maioria — 67% — disse que Israel deveria ignorar ou considerar apenas em uma "medida bem pequena". Entre os israelenses judeus, este percentual subiu para mais de três quartos.>
Muitos israelenses, desiludidos depois de mais de um ano e meio de combates, agora querem o fim da guerra — na maioria dos casos, isso não se deve principalmente ao sofrimento em Gaza, mas à preocupação com os 54 reféns israelenses que, acredita-se, permanecem em cativeiro com o Hamas (os números podem variar), dos quais supostamente 31 estão mortos.>
A guerra em Gaza começou depois que o Hamas atacou Israel em outubro de 2023, matando cerca de 1,2 mil pessoas e fazendo outras 251 reféns.>
Desde então, pelo menos 54.607 palestinos foram mortos, de acordo com o Ministério da Saúde do território, administrado pelo Hamas. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de um quarto deles são crianças.>
Depois que Israel rompeu o último cessar-fogo em março, algumas das colegas ativistas de Amit começaram a segurar cartazes de crianças mortas e feridas em Gaza durante suas manifestações silenciosas.>
"Achávamos que receberíamos muitas reações agressivas e furiosas", conta uma das organizadoras, Alma Beck. >
"Mas ficamos surpresas quando as pessoas nos perguntaram quem são essas crianças, e o que aconteceu com elas — genuinamente curiosas e preocupadas.">
Ela acredita que muitos israelenses não são expostos às histórias humanas de sofrimento em Gaza.>
"O governo e a imprensa fazem de tudo para blindar os israelenses do que está acontecendo em Gaza. Há um muro de negação que é muito, muito forte", diz ela.>
"Acho que esse foi o primeiro exemplo de humanização dos números [de vítimas] — dar a elas um rosto, uma história. E é difícil desviar o olhar".>
O medo e a raiva que galvanizaram Israel após os ataques do Hamas, abafando as divisões e impulsionando o apoio à campanha militar, deram lugar à exaustão à medida que o conflito se arrasta.>
O apoio ao conflito já estava diminuindo há um ano. Menos de um terço dos israelenses apoiava uma nova ação militar em Rafah, de acordo com o IDI, enquanto quase dois terços apoiavam um acordo com o Hamas.>
Mais recentemente, várias pesquisas realizadas neste ano por organizações respeitadas encontraram uma maioria a favor de um acordo de cessar-fogo — com o objetivo principal de libertar os reféns.>
Cartazes dos reféns e slogans como "Stop The War" ("Parem a guerra") estavam espalhados entre as bandeiras do arco-íris na Marcha do Orgulho LGBTQIA+ de Jerusalém, em junho.>
Yitzchak Zitter, que estava lá com o namorado, está atualmente servindo como soldado da reserva no Exército israelense, mas acha que a guerra não vale mais a pena.>
"Não acho que estejamos nos aproximando de nenhum dos objetivos declarados da guerra", diz ele. >
"Há um ano, manifestar estas opiniões abertamente era muito impopular, especialmente nas Forças Armadas. Mas hoje, as pessoas estão cansadas desta guerra, nós a odiamos, já deu. E se você trouxer os reféns [à discussão], essa opinião se torna muito mais aceitável.">
A devolução dos reféns mantidos pelo Hamas é, de longe, o principal motivo que os israelenses dão para querer acabar com a guerra. >
Nas principais manifestações semanais contra a guerra aqui, os moradores de Gaza quase não aparecem como uma preocupação.>
"A empatia pelas pessoas que comemoraram os massacres de 7 de outubro é muito baixa", diz Yitzchak. >
"Eles votaram no Hamas [em 2006] e não fizeram muito para se livrar deles desde então. Se víssemos protestos em massa em Gaza, seria outro papo.">
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, continua insistindo que sua campanha militar em Gaza é fundamental para a libertação dos reféns restantes. >
Até o momento, oito reféns vivos foram libertados em operações de resgate pelas forças israelenses, enquanto mais de 140 foram liberados por meio de acordos com o Hamas.>
Netanyahu diz que a pressão militar ajudou a levar o Hamas a fazer esses acordos. Mas muitos dos que protestam do lado de fora do seu gabinete em Jerusalém, ou na Praça dos Reféns, em Tel Aviv, discordam.>
"Não podemos trazê-los de volta assim", diz uma das manifestantes, a psicóloga de desenvolvimento Mayan Eliahu Ifhar. "É um erro terrível. A guerra está matando eles.">
Esse sentimento foi ecoado por muitas famílias de reféns, preocupadas com a possibilidade de seus parentes morrerem em cativeiro à medida que a guerra avança, ou serem mortos em ataques aéreos israelenses.>
Há também uma desilusão crescente quanto à possibilidade de alcançar o outro objetivo de guerra de Netanyahu: a destruição total do Hamas como força militar e governamental.>
Após 20 meses, a exaustão com a guerra chegou às Forças Armadas de Israel. >
Esta é a guerra mais longa do país, e alguns reservistas estão em sua terceira ou quarta rotação. Alguns estão agora se recusando a servir — poucos por objeções éticas, mas muitos por causa da pressão sobre sua saúde, finanças e famílias.>
Mas os apelos para acabar com a guerra — nas ruas, nos centros de recrutamento militar e até mesmo em seu próprio gabinete de segurança — não abalaram Netanyahu.>
Parte do motivo, diz Tamar Hermann, do IDI, é que a grande maioria dos que pedem o fim da guerra são pessoas que dizem que jamais votariam nele.>
"A maioria [dos israelenses] vê a guerra como uma guerra política", ela observa. >
"Se você é a favor do governo, então você é a favor do governo, independentemente do que ele esteja fazendo. E se você é contra o governo, você é contra tudo o que ele está fazendo. É preto no branco. E a guerra agravou isso.">
Para saber o que os partidários de Netanyahu pensavam sobre a guerra, fomos até um comício em apoio a ele.>
As ruas de Jerusalém que levavam ao Knesset, o Parlamento de Israel, eram um mar de bandeiras israelenses azuis e brancas, e o barulho dos vários alto-falantes instalados ao longo do percurso era ensurdecedor>
A multidão — em sua maioria vestida de acordo com as regras religiosas conservadoras — passou por ônibus com janelas reforçadas, que havia acabado de transportar grupos de colonos da Cisjordânia ocupada. Muitos jovens carregavam rifles M16 pendurados nos ombros.>
Encontrei Yisrael e sua esposa perto da entrada.>
"Não podemos acabar com a guerra [agora]", diz Yisrael. "Ela vai terminar quando o Hamas for totalmente derrotado, e toda a infraestrutura for totalmente destruída. Se você abandonar [a guerra] agora, eles vão reconstruir tudo, e a situação vai voltar em mais três ou quatro anos.">
Assim como quase todos os israelenses, ele concorda que levar os reféns de volta para casa era muito importante — mas observa que também havia outras considerações.>
"É preciso haver algumas condições", diz ele. "Não se pode salvar algumas pessoas agora e depois haver outra guerra em dois ou três anos, com mais mil mortes. Isso não vai ajudar ninguém.">
Mais adiante na multidão, outro manifestante, Avigdor Bargil, afirma que a guerra deveria terminar apenas "quando o Hamas estiver de joelhos" — e que os habitantes de Gaza deveriam se mudar para outros países, como Indonésia, França e Reino Unido.>
"Não é a casa deles, eles a tomaram", diz ele, quando pergunto por que os habitantes de Gaza deveriam deixar sua casa. >
"É nossa terra — a terra que Deus nos deu na Torá.">
Esta justificativa religiosa para a apropriação de terras palestinas tem sido um tema recorrente dos partidos nacionalistas de direita radical na coalizão de Netanyahu, desde muito antes da guerra.>
Membros do gabinete, como o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, há muito tempo pressionam para que Israel anexe a Cisjordânia ocupada — ou reivindique a "soberania", como ele diz. >
Mas a guerra em Gaza e a posição assumida pelo presidente dos EUA, Donald Trump, despertaram o sonho de anexar esse território também.>
Netanyahu precisa manter sua coalizão unida, ou corre o risco de eleições antecipadas.>
E, de acordo com o respeitado instituto de pesquisas americano Pew Research Center, a ideia de expulsar os habitantes de Gaza da sua terra conta com o apoio de uma grande maioria de israelenses — até mesmo seculares.>
Alguns eleitores de direita estão começando a se voltar contra a guerra. Mas, por trás das manchetes das pesquisas de opinião, as divisões em relação à guerra ainda recaem, em grande parte, sobre o posicionamento político.>
Cerca de metade dos israelenses de direita disseram em um levantamento do IDI na semana passada que a guerra ainda poderia trazer de volta os reféns ou destruir o Hamas; apenas 6% dos israelenses de esquerda tinham a mesma opinião.>
Depois de um breve momento de união após os ataques do Hamas, antigas divisões políticas ressurgiram aqui, mais profundas do que nunca.>
Mayan Eliahu Ifhar, a psicóloga de desenvolvimento do protesto em Tel Aviv, diz que as diferenças em relação à guerra a estão afastando dos amigos, não apenas dos adversários.>
"Quando ouço as bombas em Gaza, fico arrasada. Mas há pessoas, até mesmo amigos meus, que ouvem essas bombas e dizem: 'Tudo bem, eles merecem'. Não posso conviver com elas. Simplesmente não consigo olhar nos olhos delas.">
Amit Halevy, a manifestante que descreveu o abuso que sofreu em manifestações pela paz, decidiu há vários meses deixar Israel por um tempo, e seguir para os EUA, para ter um respiro do confronto diário com seus compatriotas.>
Mas ali também, ela se viu isolada.>
Ela me contou que estava em uma manifestação pró-palestinos lá, e que quando ela disse às pessoas que era de Israel, alguns não queriam falar com ela.>
"Eu disse que estava do lado deles, e que ia a manifestações a favor dos palestinos em Israel", relatou Amit. >
"Uma garota me fez perguntas idiotas, como 'seus amigos apoiam o genocídio?'. Eu apoio qualquer ação que vise impedir o que está acontecendo em Gaza, mas vejo como essas manifestações são cheias de ódio, e isso parte meu coração.">
As acusações de antissemitismo mancharam alguns movimentos pró-palestinos na Europa e nos EUA, complicando a situação para israelenses como Amit.>
"Acho que ninguém pode odiar Israel tanto quanto eu odeio agora, porque me sinto muito traída — é minha casa, meu país, meu idioma, meu povo, meus amigos.">
"O que Israel está fazendo agora é a pior coisa não só para os palestinos, mas para israelenses e judeus. Será para sempre essa mancha horrível.">
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