Publicado em 10 de dezembro de 2023 às 09:00
A cerimônia de posse do novo presidente da Argentina, o ultraliberal Javier Milei, vai marcar a primeira vez em quatro décadas que o Brasil não será representado por seu presidente ou por seu vice.>
Trata-se de uma situação inédita após a redemocratização nos dois países, processo que se deu nos anos 1980. A última vez que um presidente brasileiro ou seu vice não foi a Buenos Aires para celebrar o início de um governo eleito no país vizinho foi na posse de Raúl Alfonsín, em 1983.>
Javier Milei toma posse neste domingo (10), em meio a um clima de turbulência e desconfiança do lado brasileiro. Isso porque o então candidato atacou em seus discursos acordos e instituições que são caros ao Brasil, como o Mercosul, além de ter adotado uma retórica hostil contra o presidente Lula (PT).>
Milei disse na campanha que não negociaria com o líder brasileiro e o chamou de "corrupto" e "comunista".>
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Após a eleição, o argentino baixou o tom. O maior gesto de conciliação aconteceu quando Milei enviou a futura chanceler argentina, Diana Mondino, a Brasília para entregar um convite para que o brasileiro comparecesse à posse.>
Mesmo com o gesto, Lula decidiu que o representante brasileiro seria o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. A escolha se deu após a avaliação de que o clima ainda será hostil ao brasileiro, além de colocar num mesmo ambiente o petista e o seu antecessor e rival, Jair Bolsonaro (PL) -que foi convidado por Milei para a cerimônia e já está em Buenos Aires.>
A decisão de enviar Mauro Vieira também visa enviar um recado ao novo governo, de que uma relação pragmática é possível, mas deixando claro o desconforto do Brasil com a situação. Em termos diplomáticos, a presença de um chefe de Estado ou mesmo de seu vice em cerimônias de posse de um país estrangeiro dá uma sinalização da importância para a relação entre as nações.>
Chanceleres também representam deferência, embora menos que os dois primeiros membros da linha sucessória de um país. Quando não costuma haver grande proximidade entre os governos, costuma-se designar o embaixador do país para acompanhara as cerimônias. Essa situação chegou a ser cogitada por alguns auxiliares de Lula.>
O então presidente Bolsonaro mostrou toda a sua insatisfação com a eleição de Alberto Fernández, em 2019, após o peronista ter visitado Lula na prisão em Curitiba. Bolsonaro não cumprimentou o presidente eleito e deixou claro que não compareceria à posse de Fernández.>
"Não pretendo parabenizá-lo. Agora não vamos nos indispor. Vamos esperar o tempo para ver qual a posição real dele na política. Porque ele vai assumir, vai tomar pé do que está acontecendo, e vamos ver qual linha ele vai adotar", afirmou à época.>
A definição da delegação brasileira na ocasião passou por várias idas e vindas. Bolsonaro chegou a afirmar que não enviaria ninguém para a posse do argentino, mas depois recuou. Disse que seria inicialmente o então ministro Osmar Terra (Cidadania). Depois optou por escalar o vice Hamilton Mourão.>
Todos os presidentes anteriores do período democrático brasileiro compareceram à posse dos eleitos na Argentina. Mesmo com as diferença ideológicas, Dilma Rousseff deixou claro que pretendia comparecer à cerimônia do conservador Mauricio Macri, e sua ida só esteve ameaçada por questões de cortes orçamentários --que a fez cancelar outras viagens internacionais.>
Dilma participou de quase toda a cerimônia, mas perdeu o juramento de posse de Macri, pois seu avião ficou retido no ar e ela chegou atrasada.>
Lula e Dilma, quando presidentes, foram às duas posses de Cristina Kirchner; Lula foi à de Néstor Kirchner; Fernando Henrique foi a Buenos Aires para as cerimônias de Fernando de la Rúa e Carlos Menem; e José Sarney foi à posse de Menem.>
A única exceção nesse período aconteceu durante a posse de Eduardo Duhalde, que não havia sido eleito por voto popular em 2002. Após turbulência econômica e política, ele foi escolhido pelo Legislativo do país e tomou posse na Casa Rosada na tarde do mesmo dia.>
Especialistas em relações internacionais apontam que a decisão do governo brasileiro não é uma tomada de posição unilateral em relação à Argentina, mas uma consequência das falas e posições do próprio Milei.>
"A mensagem é clara: o Brasil continua disposto a manter uma boa relação de Estado, no mais alto nível administrativo, com a Argentina", afirma o professor Antônio Jorge Ramalho, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.>
Ele acrescenta que Milei está deixando claro que não quer qualquer aproximação política com Lula, que, por sua vez, estaria respeitando a posição do argentino.>
"Ao mesmo tempo, assim como a futura chanceler argentina se prontificou a trabalhar pela boa relação bilateral, o chanceler brasileiro retribuirá o gesto, profissionalmente. A eles caberá administrar a complexa relação bilateral, enquanto alguns políticos criam crises e narrativas para ocupar espaços na mídia", completou.>
Na mesma linha, Guilherme Casarões, professor de política internacional da FGV (Fundação Getúlio Vargas), afirma que a decisão de enviar o chanceler carrega um simbolismo bem importante. Lembra que os governos brasileiros sempre respeitaram os dirigentes eleitos argentinos, mesmo quando havia diferenças ideológicas.>
"Não deixa de ser uma questão simbólica, que não parte, na realidade, do governo Lula, que sempre foi muito aberto para relações com a Argentina. Então, mesmo quando se trata de oposição, existe uma diferença, um respeito mútuo, que torna essa participação de presidentes brasileiros nas cerimônias argentinas e vice-versa muito importante e muito comum. Agora, nesse caso em particular, essa desavença não partiu do Brasil. Ela foi fruto de uma retórica de campanha do Javier Milei, bastante inflamada contra o Brasil, contra o governo Lula", completou.>
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