Publicado em 16 de setembro de 2025 às 10:32
À medida que a guerra em Gaza continua, o isolamento internacional de Israel parece se intensificar.>
O país estaria se aproximando de um "momento África do Sul"? Quando a combinação de pressão política e boicotes econômicos, esportivos e culturais levou o governo sul-africano a abandonar o apartheid, sistema de segregação racial institucionalizado na África do Sul entre 1948 e 1994.>
Ou o governo de direita do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, conseguirá atravessar a tempestade diplomática, mantendo Israel livre para perseguir seus objetivos em Gaza e na Cisjordânia ocupada sem prejudicar permanentemente sua posição internacional?>
Dois ex-primeiros-ministros, Ehud Barak e Ehud Olmert, acusaram Netanyahu de transformar Israel em um pária internacional.>
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Por causa de um mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional, o número de países para os quais Netanyahu pode viajar sem risco de prisão caiu drasticamente.>
Além disso, diversos países ou Estados, incluindo Reino Unido, França, Austrália, Bélgica e Canadá, declararam que planejam reconhecer a Palestina como Estado na próxima semana na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, 147 dos 193 Estados-membros da ONU fazem esse reconhecimento formal, incluindo o Brasil.>
Ainda na ONU, uma comissão de inquérito da organização apontou nesta semana que Israel cometeu genocídio contra palestinos em Gaza no atual conflito. O relatório aponta que quatro dos cinco atos genocidas definidos pelo direito internacional — matar membros de um grupo, causar graves danos físicos e mentais, impor deliberadamente condições calculadas para destruir o grupo e impedir nascimentos — foram cometidos desde o início da guerra com o Hamas em 2023.>
Desde o ataque do Hamas ao sul de Israel em 7 de outubro de 2023, que matou cerca de 1,2 mil pessoas e deixou 251 reféns, ao menos 64,9 mil pessoas morreram em ataques israelenses em Gaza, segundo o Ministério da Saúde do território. Mais de 90% das casas foram danificadas ou destruídas, e os sistemas de saúde, água, saneamento e higiene entraram em colapso.>
A comissão da ONU cita declarações de líderes israelenses e o padrão de conduta das forças como evidência de intenção genocida. O Ministério das Relações Exteriores de Israel rejeitou o documento, chamando-o de "distorcido e falso", e acusou os especialistas da comissão de servirem como "representantes do Hamas" e de confiar em "falsidades já desmascaradas".>
Países do Golfo, reagindo com indignação ao ataque israelense da última terça-feira (09/09) contra líderes do Hamas no Catar, têm se reunido em Doha para discutir uma resposta unificada. Alguns desses países pedem que nações com relações diplomáticas com Israel reconsiderem essa posição.>
Com imagens de fome surgindo em Gaza durante o verão e o Exército israelense prestes a invadir — e possivelmente destruir — a Cidade de Gaza, crescem os sinais de insatisfação de governos europeus que vão além de meras declarações.>
O próprio Netanyahu admitiu na segunda-feira (15/09) que Israel enfrenta "uma espécie de" isolamento econômico no cenário mundial.>
Em conferência do Ministério das Finanças em Jerusalém, Netanyahu culpou a publicidade negativa no exterior e disse que Israel precisa investir em "operações de influência" em meios de comunicação tradicionais e redes sociais para contrabalançar o problema.>
No início do mês, a Bélgica anunciou uma série de sanções, incluindo a proibição de importações provenientes de assentamentos judeus ilegais na Cisjordânia, a revisão de políticas de compras junto a empresas israelenses e restrições a serviços consulares para belgas que vivem nos assentamentos.>
O país também declarou como persona non grata dois ministros do governo israelense de linha dura, Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, além de colonos judeus acusados de praticar violência contra palestinos na Cisjordânia.>
Outros países, como Reino Unido e França, já haviam adotado medidas semelhantes. Sanções contra violentos colonos israelenses impostas pelo governo de Joe Biden no ano passado foram, no entanto, suspensas no primeiro dia de Donald Trump de volta à Casa Branca.>
Uma semana após a decisão da Bélgica, a Espanha anunciou suas próprias medidas, transformando em lei um embargo de armas que já existia de fato, impondo uma proibição parcial de importações, barrando a entrada em território espanhol de qualquer pessoa envolvida em genocídio ou crimes de guerra em Gaza, e proibindo que navios e aeronaves com destino a Israel transportando armas atracassem em portos espanhóis ou entrassem em seu espaço aéreo.>
O ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Saar, acusou a Espanha de adotar políticas antissemitas e sugeriu que o país sofreria mais do que Israel com a proibição do comércio de armas.>
Mas há outros sinais preocupantes para Israel.>
Em agosto, o fundo soberano da Noruega, avaliado em US$ 2 trilhões (cerca de R$ 10,8 trilhões), anunciou que começaria a desinvestir em empresas listadas em Israel. Até meados do mês, 23 companhias haviam sido retiradas do rol de investimentos, e o ministro das Finanças, Jens Stoltenberg, disse que outras poderiam seguir o mesmo caminho.>
Enquanto isso, a União Europeia, maior parceira comercial de Israel, planeja sancionar ministros de extrema-direita e suspender parcialmente elementos comerciais do acordo de associação com o país.>
Em discurso sobre o Estado da União em 10/09, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que os eventos em Gaza "abalaram a consciência do mundo".>
Um dia depois, 314 ex-diplomatas e autoridades europeias escreveram a von der Leyen e à chefe da política externa da UE, Kaja Kallas, pedindo medidas mais duras, incluindo a suspensão total do acordo de associação com Israel.>
Entre a década de 1960 e o fim do apartheid na África do Sul, uma característica das sanções impostas ao país africano foi a adoção de boicotes culturais e esportivos na década de 1990.>
Há indícios de que algo semelhante começa a ocorrer com Israel.>
O concurso de música Eurovision Song Contest (tradicional festival europeu da canção) pode não parecer um evento relevante nesse contexto, mas Israel tem longa e destacada participação na competição, vencendo quatro vezes desde 1973.>
Para Israel, participar simboliza a aceitação do Estado judeu pela comunidade internacional.>
No entanto, Irlanda, Espanha, Holanda e Eslovênia afirmaram ou indicaram que se vão se retirar do evento em 2026 caso Israel seja autorizado a competir. A decisão final está prevista para dezembro deste ano.>
Em Hollywood, uma carta que pede boicote a produtoras, festivais e emissoras israelenses "implicados em genocídio e apartheid contra o povo palestino" reuniu mais de 4 mil assinaturas em uma semana, incluindo nomes vencedores do Oscar como Emma Stone e Javier Bardem.>
Tzvika Gottlieb, CEO da Associação Israelense de Produtores de Cinema e TV, classificou a petição como "profundamente equivocada". "Ao nos atacar — os criadores que dão voz a narrativas diversas e promovem o diálogo —, esses signatários estão prejudicando sua própria causa e tentando nos silenciar", disse Gottlieb.>
Há também o esporte. A prova de ciclismo Vuelta a España foi repetidamente interrompida por grupos que protestavam contra a presença da equipe Israel-Premier Tech, o que resultou em um encerramento prematuro e conturbado no sábado (13/09) e no cancelamento da cerimônia do pódio.>
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, descreveu os protestos como motivo de "orgulho", mas políticos da oposição afirmaram que as ações do governo causaram constrangimento internacional.>
Também na Espanha, sete enxadristas israelenses desistiram de um torneio após serem informados de que não poderiam competir com sua bandeira.>
A resposta do governo israelense ao que a mídia já chamou de "tsunami diplomático" tem sido, em geral, desafiadora.>
Netanyahu acusou a Espanha de "ameaça genocida flagrante" depois que o primeiro-ministro espanhol afirmou que seu país, sem bombas nucleares, porta-aviões ou grandes reservas de petróleo, não poderia impedir sozinho a ofensiva de Israel em Gaza.>
Após o anúncio das sanções da Bélgica, o ministro das Relações Exteriores israelense, Gideon Saar, escreveu na rede social X que era "lamentável que, mesmo quando Israel enfrenta uma ameaça existencial, que é de interesse vital da Europa, existam aqueles que não conseguem resistir à sua obsessão anti-Israel".>
Na segunda-feira (15/09), Netanyahu afirmou que Israel deve reduzir a dependência de suas indústrias do comércio com outros países, incluindo armas e produtos de defesa.>
"Podemos nos ver bloqueados não apenas em pesquisa e desenvolvimento, mas também na produção industrial propriamente dita", disse. "Precisamos começar a desenvolver nossa capacidade de confiar mais em nós mesmos.">
Entre aqueles que representaram Israel no exterior, há grande apreensão.>
Jeremy Issacharoff, embaixador de Israel na Alemanha de 2017 a 2021, disse à BBC que não conseguia se lembrar de um momento em que a imagem internacional de Israel estivesse tão "abalada", mas afirmou que algumas medidas eram "altamente questionáveis" por atingirem todos os israelenses.>
"Em vez de apontar as políticas do governo, isso está alienando muitos israelenses moderados do meio-termo", disse.>
Segundo Issacharoff, algumas ações, como o reconhecimento do Estado da Palestina, podem ser contraproducentes, pois "dão munição a pessoas como Smotrich e Ben-Gvir e ainda reforçam o argumento deles para anexar [a Cisjordânia]".>
Apesar de seus receios, o ex-embaixador israelense não acredita que o isolamento diplomático de Israel seja irreversível.>
"Não estamos em um momento sul-africano, mas estamos em um possível preâmbulo para um momento sul-africano", afirmou.>
Outros consideram que mudanças mais profundas são necessárias para deter o avanço de Israel rumo ao status de pária.>
"Precisamos recuperar nosso lugar na comunidade internacional", disse à BBC o ex-diplomata israelense Ilan Baruch. "É preciso voltar a agir com racionalidade.">
Baruch, que foi embaixador israelense na África do Sul uma década após o fim do apartheid, renunciou ao serviço diplomático em 2011, afirmando não conseguir mais defender a ocupação israelense nos territórios palestinos. Desde que se aposentou, tornou-se crítico vocal do governo e defensor da solução de dois Estados.>
Ele considera necessárias as sanções recentes, afirmando: "Foi assim que a África do Sul foi colocada de joelhos".>
Baruch acrescentou: "Eu diria que qualquer pressão assertiva sobre Israel, de forma que os europeus acreditam estar ao seu alcance, deve ser bem-vinda.">
Se necessário, afirmou, isso incluiria mudanças nos regimes de visto e boicotes culturais, acrescentando: "Estou preparado para a dor.">
Mas, apesar das manifestações de indignação e das discussões sobre pressão, alguns observadores experientes duvidam que Israel esteja à beira de um precipício diplomático.>
"Aqueles dispostos a seguir pelo caminho da Espanha ainda são exceção", disse Daniel Levy, ex-negociador de paz israelense.>
Levy afirmou que esforços para adotar ações coletivas dentro da União Europeia — como suspender elementos do acordo de associação ou, como alguns sugeriram, excluir Israel do programa de pesquisa e inovação Horizon, da União Europeia — provavelmente não terão apoio suficiente, com Alemanha, Itália e Hungria entre os países resistentes a tais medidas.>
Israel ainda mantém o apoio firme dos EUA, com o secretário de Estado, Marco Rubio, afirmando que a "relação com Israel continuará forte" ao embarcar para visita oficial.>
Levy considera que o isolamento internacional de Israel é "irreversível", mas ainda assim afirma que o apoio contínuo da administração Trump impede que o país tenha chegado ao ponto de não poder alterar os rumos do conflito em Gaza.>
"Netanyahu está ficando sem caminhos", disse Levy. "Mas ainda não chegamos ao fim da estrada.">
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