Publicado em 26 de março de 2025 às 16:44
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) agora é réu por tentativa de golpe de Estado, decidiu a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (26/3), após dois dias de julgamento em Brasília.>
Os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin decidiram de forma unânime aceitar a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e outros sete ex-integrantes do seu governo. >
Entre os réus, estão três generais do Exército — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil) —, além de Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que fechou um acordo de delação premiada). Todos negam as acusações.>
Agora, o processo criminal terá três fases, entre produção de provas, interrogatório dos réus e, finalmente, o voto dos juízes do STF.>
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Ao longo dos próximos meses, o julgamento vai mobilizar militares de alta patente e autoridades, convocados como testemunhas.>
Nos bastidores de Brasília, a expectativa é que o processo seja concluído ainda neste ano, o que gera controvérsia entre juristas. Bolsonaro, por sua vez, tem se queixado da celeridade do andamento do caso.>
O julgamento da denúncia da PGR ficou marcado pela tentativa dos advogados dos réus em refutar os pontos levantados contra seus clientes, além da defesa dos ministros do STF sobre a materialidade dos fatos que levaram aos ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes, em Brasília.>
A BBC News Brasil selecionou frases que se destacaram no julgamento que tornou Bolsonaro réu.>
Segundo ministro a votar, Flávio Dino acompanhou o voto do relator Alexandre de Moraes pela aceitação da denúncia e argumentou para refutar aqueles que relativizaram a tentativa de golpe quanto à sua gravidade.>
"Se diz também: 'Ah...mas não morreu ninguém'. No dia 1º de abril de 1964 [dia do golpe que iniciou a ditadura militar] também não morreu ninguém. Mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata. Não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois", disse o ministro.>
Para o ministro, "é uma desonra à memória nacional" minimizar uma tentativa de golpe porque não houve mortos. >
"Esse tipo de raciocínio é uma agressão às famílias que perderam familiares no momento de trevas da vida brasileira".>
"Pouco importa se a pessoa tinha uma arma de fogo, o que importa é que o grupo era armado", declarou Dino.>
Relator do processo e primeiro a votar pela aceitação da denúncia, o ministro Alexandre de Moraes mostrou um vídeo para demonstrar a violência dos atos de 8 de janeiro. >
A gravação tinha também imagens anteriores aos atos, dos acampamentos no Quartel-General do Exército e a ameaça de bomba no aeroporto de Brasília no final de 2022.>
Segundo o ministro, as imagens demonstram que a invasão das sedes dos Três Poderes não foi uma manifestação pacífica, como alguns argumentam.>
"Temos a tendência infelizmente de ir esquecendo. E as pessoas de boa-fé que têm esse viés de positividade acabam sendo enganadas pelas pessoas de má-fé que, com notícias fraudulentas e com milícias digitais, passam a querer uma própria narrativa de velhinhas com a Bíblia na mão, de pessoas que estavam passeando e estavam com batom e foram só passar um batonzinho na estátua", disse o ministro.>
O vídeo trouxe ainda o depoimento de uma policial de que foi jogada no chão no dia 8 de janeiro e ferida com uma barra na cabeça, além de imagens de depredação dos prédios públicos e faixas pedindo intervenção militar.>
"Nenhuma Bíblia e nenhum batom é visto nesse momento. Agora, a depredação ao patrimônio público, o ataque à polícia é visto. O pedido de intervenção militar que é o golpe, intervenção no Congresso", disse Moraes.>
"É bom lembrarmos que tivemos tentativa de golpe de Estado violentíssimo. Fogo destruição ao patrimônio público", reforçou Moraes, que classificou o 8 de janeiro como "uma verdadeira guerra campal".>
O ministro Alexandre de Moraes continuou com seu voto ressaltando que é importante lembrar sempre a gravidade dos ataques em janeiro de 2023.>
O ministro reforçou que "não foi um passeio no parque": "Absolutamente ninguém que lá estava, estava passeando. E ninguém estava passeando porque tudo estava bloqueado e houve necessidade de romper as barreiras policiais".>
"Os crimes praticados no dia 8 de janeiro, em relação a sua materialidade, não estamos falando em autoria ainda, foram gravíssimos", disse o Moraes.>
Ele ressaltou ainda que algumas barreiras "aparentemente" foram abertas, mas "vários policiais de insurgiram contra isso e foram agredidos".>
Primeiro a falar, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, defendeu a sua denúncia apresentada contra Bolsonaro e outros sete acusados ao STF.>
Gonet classificou como "fatos atordoantes" os elementos descobertos após a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. >
"Fatos atordoantes foram descobertos na investigação dos acontecimentos que se seguiram ao resultado das eleições", disse.>
Em sua fala, Gonet disse que as provas apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF) são suficientes para atestar que os envolvidos atuaram mediante organização criminosa para a prática de diversos crimes.>
De acordo com Gonet, os atos de 8 de janeiro de 2023 foram a última tentativa da organização criminosa. >
"A decisão dos generais de se manter no seu papel constitucional foi determinante para que o golpe, por fim, tentado, posto em curso, não prosperasse. Mas crimes houve. E não somente os crimes de dano", afirmou.>
Gonet defendeu também que a denúncia que a PGR ofereceu cumpriu todos os requisitos necessários para ser aceita pelo Supremo.>
O advogado Celso Vilardi, defensor de Jair Bolsonaro, insistiu na tese de que não há elementos que liguem o ex-presidente aos ataques de 8 de janeiro.>
"Eu entendi a gravidade de tudo que aconteceu no 8 de janeiro. Mas não é possível imputar o presidente [Bolsonaro] como líder quando ele não participou, pelo contrário, ele repudiou [os atos]", disse.>
Vilardi questionou a falta de acesso total ao conteúdo das investigações da PF. Ele ressaltou que não teve acesso a todas as mensagens trocadas pelos investigados no período da suposta operação Punhal Verde Amarelo, cujo objetivo seria matar Lula, Alckmin e Moraes.>
Para a defesa, esse acesso permitiria mostrar a falta de envolvimento de Bolsonaro. >
Além disso, o advogado de Bolsonaro questionou uma audiência feita com o delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente, em que Moraes fez perguntas sobre omissões da delação, após investigação da PF identificar o plano Punhal Verde Amarelo.>
Na visão de Vilardi, houve uma inversão do princípio de que a PF que deve corroborar a versão do delator. >
"O delator se adequou aos indícios do Estado. Foi o delator que corroborou a versão da Polícia Federal", criticou, solicitando a anulação da delação — algo que foi negado pelo STF.>
O advogado do general Augusto Heleno, Matheus Mayer Milanez, disse que a denúncia da PGR se utiliza de "terraplanismo argumentativo" por querer "colocar seu cliente na organização criminosa".>
"Aqui eu me recordo muito de uma série que está passando num grande streaming em que cientistas querem chegar a uma conclusão e eles vão construindo provas para se chegar a essa conclusão", disse Milanez.>
"O objetivo é provar que a terra é plana e se fazem inúmeros experimentos e estudos para se provar que a terra é plana. É o que está acontecendo nesse caso. É o que se chama de terraplanismo argumentativo.">
Segundo Milanez, Augusto Heleno, que foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, não estava em nenhuma reunião sobre a suposta trama golpista, e não foram encontradas mensagens dele sobre o assunto.>
Segundo a investigação da PF, o grupo que tramava o golpe pretendia criar um "gabinete de gestão de crise" comandado por Heleno.>
O ministro Luiz Fux acompanhou Moraes no voto e formou a maioria pela admissibilidade da denúncia.>
Fux, no entanto, afirmou que deseja rever as penas que vem sendo aplicadas aos condenados pelos atos 8 de janeiro de 2023.>
Na sua visão, está havendo excesso na dosimetria das penas, que variam de 1 ano a 17 anos.>
"Nós julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de janeiro", declarou Fux.>
"Eu vou fazer uma revisão dessa dosimetria", afirmou sobre o caso da mulher que pichou a estátua da Justiça, que fica em frente ao STF, e que está sendo julgada pela atuação no 8 de janeiro.>
"Eu pedi vista desse caso [da mulher], porque eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava", disse Fux.>
Na segunda-feira (24/3), Fux pediu vista e suspendeu a tramitação da ação penal que tem como ré a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que está presa há cerca de dois anos. >
Ela pichou estátua da Corte com a frase "perdeu, mané", dita pelo ministro Luís Roberto Barroso após a derrota de Bolsonaro nas eleições.>
A ministra Cármen Lúcia também acompanhou o relator Moraes e disse que não haveria dúvidas de que os atos de 8 de janeiro representaram uma tentativa de golpe de Estado e que seria necessário apurar as responsabilidades pelos atos que antecederam esse episódio.>
"É preciso é desenrolar (os fatos) do dia 8 para trás para a gente chegar a esta máquina que tentou desmontar a democracia, o que é um fato. Isso não é negado por ninguém em sã consciência", disse a ministra.>
"Todo mundo assistiu pelas televisões, pelas redes sociais, de toda forma, o quebra-quebra, e a tentativa de matar o Supremo.">
Cármen Lúcia defendeu que é necessário que o país saiba, em detalhes, quem foram os responsáveis pela suposta trama golpista.>
"Alguém planejou, alguém tentou, alguém entrou, alguém executou. Nós precisamos saber isso. É preciso que o Brasil conheça, que o Brasil saiba o que aconteceu, e quem praticou o crime tem que pagar pelo crime cometido", disse a ministra.>
Ela concluiu seu voto defendendo o recebimento integral da denúncia. "Nosso compromisso é receber que o país saiba, que a sociedade brasileira saiba que estamos cumprindo nosso dever de dar sequência para a apuração devida, a instrução do processo e julgamento justo e democrático, porque felizmente o golpe não deu certo, temos democracia no Brasil e temos o Supremo atuando como sempre atuou".>
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