Publicado em 13 de abril de 2025 às 16:39
Os pais precisam de ajuda. Sei disso por experiência própria.>
É muito difícil tirar os filhos da frente das telas, se todos os seus amigos estão grudados nas telas deles. É uma dependência que exige ações coletivas.>
Desde que conversei com Jonathan Haidt, o autor do livro A Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada Está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais (Ed. Cia. das Letras, 2024), não consigo tirar da cabeça uma frase que ele me disse durante a entrevista.>
"Não conheço um membro da Geração Z que esteja em negação, que diga 'Não, nós adoramos os celulares, os celulares são bons para nós'", contou Haidt. "Todos eles veem o que está acontecendo, mas se sentem aprisionados.">
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Será que alguma coisa realmente mudou no último ano, desde a publicação do livro de Haidt? Todo o alvoroço que surgiu sobre os telefones celulares terá sido apenas um momento passageiro de ansiedade parental coletiva ou aquilo realmente trouxe o tipo de ação que muitos pais esperavam?>
Assim que foi publicado, A Geração Ansiosa despertou uma avaliação global do uso do telefone celular entre as crianças. Conversei com o autor para saber se ele ainda é da opinião de que o excesso de tempo em frente às telas está colocando a infância em risco.>
Confira abaixo a entrevista, editada para maior concisão e clareza.>
Katty Kay (BBC): Seu livro foi publicado há um ano e causou imensas discussões.>
Eu gostaria de começar pedindo uma espécie de resumo sobre onde estamos sobre os diversos aspectos do que você está tentando fazer: telefones celulares nas escolas, classificação etária, redes sociais, como fazer para que as crianças tenham mais tempo livre para se divertirem.>
O que está indo bem e o que não está, em relação a todas estas questões, nos Estados Unidos?>
Jonathan Haidt: Eu sabia que o livro seria popular. Mas eu não me havia preparado para que esta questão se espalhasse como fogo na mata por todo o mundo, não apenas nos Estados Unidos.>
Em todo o planeta, a vida familiar se transformou em uma luta sobre o tempo em frente às telas. Todo mundo odeia. Todo mundo vê isso.>
O que decolou mais rapidamente foram as escolas livres de celulares, porque é algo que pode ser feito com muita facilidade.>
É difícil ensinar em uma sala de aula quando metade dos alunos estão assistindo a vídeos curtos e jogando videogames. Por isso, os professores odiaram os celulares desde o princípio, mas ficaram com medo, especialmente nos Estados Unidos.>
Talvez seja o mesmo no Reino Unido, mas, nos Estados Unidos, existem muitos pais que querem poder se comunicar todo o tempo com seu filho. Eles acham que têm o direito de verificar como seus filhos estão.>
"E se algo der errado? Preciso estar presente." Daí, vem o excesso de cuidado...>
Kay: Existe, então, um paradoxo, porque você tem os pais que são superpreocupados com os celulares. Eles observam o que os celulares fazem com seus filhos, mas não querem que seus filhos abandonem seus celulares quando vão para a escola.>
Haidt: Veja, as pessoas são complicadas! Existem multidões dentro delas.>
Eu não deveria dizer que todos observaram o problema porque existem muitos pais que acreditam que o celular é uma corda de segurança.>
Eles veem o mundo como um lugar muito perigoso e ameaçador. Por isso, logo no início deste processo, achei que haveria essa questão muito americana da superproteção, pois realmente temos muito mais criminalidade do que a Europa ou o Canadá.>
Mas o que me surpreendeu, depois de estudar esta questão por um longo período, é que a superproteção se disseminou e varreu todos os países de língua inglesa nos anos 1990.>
Por isso, todos os países de língua inglesa passaram por isso ao mesmo tempo. E, agora, todos eles estão tomando medidas com muita rapidez.>
Eu diria que o Reino Unido e a Austrália estão na liderança, em termos de realmente aprovar legislação a este respeito.>
Kay: Aqui nos Estados Unidos, observamos algumas batalhas no Congresso, mas nada aconteceu em nível nacional. O que vejo são Estados individuais promulgando leis para impedir que as crianças tenham celulares nas escolas.>
Haidt: É verdade, já que não temos legislaturas operantes nos Estados Unidos.>
Nós temos o Congresso. E o Congresso, na verdade, não pode fazer nada se alguém questionar.>
Por isso, desde o princípio, não considerei que conseguiríamos um mínimo que fosse de ajuda do Congresso. Eu me concentrei nos 50 Estados americanos, no Reino Unido, Austrália e União Europeia.>
Se conseguirmos mudanças legislativas nestas regiões, será uma vitória.>
Kay: É cedo demais para vermos qual foi o impacto nas escolas que proibiram os telefones celulares? Temos algum dado sobre isso ou apenas supomos que elas terão melhores resultados?>
Haidt: Temos relatos de escolas que passaram a ser livres de celulares. E eu desafio as pessoas a procurarem uma escola que realmente seja livre de celulares e não apenas durante o horário das aulas.>
Se for apenas uma restrição durante o horário das aulas, a escola não é livre de celulares.>
Isso causa todo tipo de problemas. Todas as crianças ficam no celular entre uma aula e outra.>
Mas, entre as escolas realmente livres de celulares, onde você entrega o telefone pela manhã e o recebe de volta à noite, os relatos são muito positivos.>
O comentário mais comum é que os problemas de disciplina diminuem. Há muito menos brigas, muito menos drama. O absenteísmo é baixo.>
A escola é muito mais divertida quando você consegue realmente conversar com seus amigos, brincar e rir com eles. Por isso, o absenteísmo diminui, os atrasos também e as crianças chegam no horário.>
Mas o mais estimulante para mim é que a maioria diz que voltamos a ouvir risos nos corredores.>
Por isso, todos os relatos são muito positivos. Muitas vezes, existe resistência na primeira semana ou quinzena, mas o que a maioria deles diz que termina por aí.>
Kay: De onde vem a resistência?>
Haidt: Algumas das crianças não gostam e alguns pais não gostam.>
Mas conversei com centenas e centenas de diretores de escolas. O que eles me dizem é que esperavam forte resistência dos pais, o que, na verdade, não aconteceu.>
Porque este ano é diferente. O zeitgeist [o espírito da época] mudou. Na verdade, tudo começou no Reino Unido, antes mesmo de sair meu livro.>
Você tinha escolas livres de smartphones. Elas viralizaram em fevereiro do ano passado e meu livro só foi publicado em março. Agora, o ambiente é outro e as escolas estão prontas para agir.>
Existem estudos acadêmicos que foram ambíguos. Mas, quando você os examina... Houve um que saiu no Reino Unido e foi publicado na revista The Lancet.>
Ele dizia que as escolas livres de celulares não ajudam. Não, não é verdade.>
O estudo examinou cerca de oito escolas que tinham uma política de mochilas, o que não é muito bom, e 11 ou 15 escolas que tinham uma política de proibição em sala de aula.>
Parecia que havia uma leve diferença de políticas. Mas são escolas muito diferentes.>
Temos uma postagem na plataforma Substack demonstrando que este estudo da The Lancet não mostra nada deste tipo.>
Houve um estudo no Reino Unido realizado pelo think tank [centro de pesquisa e debates] Policy Exchange, que examinou várias centenas de escolas britânicas. E apenas cerca de 10% delas são realmente livres de celulares.>
Se você observar as escolas do Reino Unido que são realmente livres de celulares e compará-las com as demais, irá encontrar benefícios acadêmicos e comportamentais.>
Kay: Quero voltar para algo que você disse no começo, sobre os anos 1990 e como aquela se tornou uma época de medo.>
Sou mãe que trabalha a vida inteira. Tenho quatro filhos – dois deles nasceram nos anos 1990, um em 2000 e outro, em 2006. Por isso, cada um deles teve experiências diferentes com as telas.>
Mas, pelas pesquisas que realizei, algo mais aconteceu entre os anos 1980 e 1990, que foi uma espécie de expansão do que consideramos ser um bom pai ou mãe – e, mais especificamente, uma boa mãe, certo?>
As mães estavam trabalhando em tempo integral e ainda cumprindo com uma parte esmagadora dos afazeres domésticos. Mas não é só isso.>
Nas minhas pesquisas, as mulheres de hoje em dia estão fazendo mais ou menos a mesma parcela de tarefas domésticas que as suas bisavós faziam no início do século 20.>
O caso é que a sociedade, de alguma forma, considerava que nós não seríamos boas mães se não passássemos uma enorme parcela do nosso tempo com nossos filhos, sempre correndo nos fins de semana para levá-los a eventos.>
E, de alguma forma, talvez particularmente se você fosse uma mãe que trabalha, a culpa meio que explodia.>
Eu sinto que as telas – e vi isso com meus próprios filhos – simplesmente se tornaram uma forma de alívio para os pais, e as mães em particular, de quem a sociedade simplesmente pedia algo que era impossível.>
Haidt: Cada palavra que você disse é verdade. Vou apenas tentar acrescentar algo.>
Este é um quebra-cabeça.>
E tenho um gráfico muito bizarro no livro, que mostra que a quantidade de tempo que as mães e os pais passam com seus filhos permaneceu razoavelmente estável nos anos 1980 e até nos anos 1990. E, de repente, em meados dos anos 1990, ela disparou, pelo menos nos Estados Unidos.>
Algo mudou nos anos 1990. E foi este padrão que você comentou.>
Kay: Ótimo, eu me mudei para os Estados Unidos em 1996, logo cheguei no momento exato! [risos]>
Haidt: Agora, você chegou lá! É isso mesmo!>
Isso realmente aconteceu. As mulheres, hoje em dia, têm menos filhos que suas avós, trabalham fora de casa, ao contrário das suas avós, e passam mais tempo com seus filhos.>
Ou seja, grande parte disso ficou com as mulheres. Mas por que isso aconteceu?>
A melhor resposta vem deste livro realmente maravilhoso chamado Paranoid Parenting ["Criação de filhos paranoica", em tradução livre], de Frank Furedi.>
Ele é um sociólogo britânico e se concentra no que aconteceu no Reino Unido, não nos EUA. Mas ele indica que o mesmo ocorreu nos Estados Unidos e no Canadá.>
E o que aconteceu, segundo ele, é que nós perdemos a confiança nas outras pessoas. E, quando isso aconteceu, deixamos de confiar nos nossos vizinhos. E não confiamos nas pessoas para quem encaminhamos nossos filhos.>
Criar filhos sempre foi meio que um projeto coletivo. Quando você perde isso, fica cada família por si. E isso significa que são principalmente as mães que ficam sozinhas.>
Kay: Dentro do seu tipo de meta-análise das telas, crianças e escolas e se podemos ou não ter celulares nas escolas, nós realmente precisamos abordar estas questões antes de podermos, de fato, livrar nossos filhos dessa dependência das telas?>
Haidt: Precisamos entender estas questões em primeiro lugar, se quisermos compreender tudo o que acontece historicamente.>
Mas eu não diria que precisamos lidar com estas questões primeiro porque, francamente, nós não vamos enfrentá-las. Falo em reverter o declínio da comunidade.>
Sabe, eu compareço a todo tipo de reuniões sobre isso. Existem todos os tipos de fundações, Veja, a tecnologia muda a sociedade...>
Kay: Você poderia simplesmente consertar tudo, Jon? [risos] Quero dizer, sei o que você fez sobre os celulares nas escolas, mas, de verdade, intensificar isso?>
Haidt: [risos] Sim. Vamos consertar a comunidade em seguida!>
Não, nós não vamos restaurar nossa confiança nos vizinhos para podermos deixar nossos filhos saírem de casa. Isso não vai acontecer.>
Na verdade, provavelmente iremos piorar muito com a era da inteligência artificial, quando não teremos ideia do que é verdade. Nós não iremos saber novamente o que é verdade por muito tempo. Talvez nunca mais saibamos.>
Precisamos nos adaptar a isso. E acho que a forma de nos adaptarmos a esta ofensiva da tecnologia é dizer "OK, sabe? As crianças não são adultos.">
Precisamos nos concentrar no que será necessário para permitir que as crianças desenvolvam seus cérebros de forma saudável ao longo da puberdade. Esta é a minha missão.>
Precisamos oferecer às crianças menos tempo de tela. Tempo muito menos fragmentado.>
Sem TikTok. Sem vídeos curtos. Este é o pior – e dar a eles muito mais experiência, interagindo com as pessoas.>
Kay: O que você diria para as famílias mais pobres, onde os dois pais precisam trabalhar em diversos empregos e para quem a invenção do conteúdo em telas que deixa seus filhos pequenos ocupados é literalmente uma corda de salvação? Existe ou não um argumento diferente para elas?>
Haidt: Sim, existe. A forma de compreender isso é que, nos anos 1990, quando todos nós éramos tecno-otimistas, a internet era incrível.>
A internet, inicialmente, era incrível. Mas as crianças ricas tinham computadores e acesso à internet e os pobres não tinham.>
Nos anos 1990, tínhamos algo de bom, sabe? Era a igualdade educacional.>
Bill Gates e todos os tipos de filantropos doaram centenas de milhões de dólares. "Vamos fazer com que todas as crianças tenham computadores.">
Por isso, no início dos anos 2000, todos nós éramos tecno-otimistas e pensávamos: "Muito bem, eu não tenho confiança de que meu filho ande três quarteirões até uma loja, mas ele está em um computador? O que poderá acontecer? Ele está aprendendo! Isso é ótimo!">
Nós achamos bom que os nossos filhos ficassem no andar de cima, com um computador. E, é claro, esta é uma das ideias centrais da série Adolescência, da Netflix, como você sabe.>
Os pais pensam que seus filhos estão seguros quando estão em um computador. E, nos anos 1990, a maioria deles estava. Havia também algumas coisas ruins, mas a maioria deles estava.>
Mas, quando a internet é dominada, ou pelo menos a infância é dominada por três ou quatro grandes empresas – TikTok, Snap, Meta e Google – que usam algoritmos para enviar conteúdo para elas, para mantê-las conectadas, tudo fica muito mais sombrio.>
Agora, as crianças nos computadores não estão aprendendo a programar. Elas não estão aprendendo nenhum conhecimento útil.>
Elas estão simplesmente deitadas ali, consumindo conteúdo. É quando tudo fica muito doentio e muito sombrio. Mas nós não percebemos.>
Por isso, o que aconteceu agora é que a questão da igualdade educacional se inverteu.>
Costumava ser "conseguir computadores para as crianças pobres". Mas, nos anos 2000, ficou claro que os ricos, especialmente as pessoas do Vale do Silício, não deixam seus filhos terem acesso a este tipo de coisas.>
Por isso, agora, o grande imperativo da igualdade educacional é que precisamos oferecer às crianças pobres a mesma proteção que têm os ricos. Precisamos fazer com que elas fiquem menos tempo nas telas.>
Você disse que elas são literalmente uma corda de salvação. Eu diria que não, elas não são literalmente uma corda de salvação. Elas são literalmente um deturpador de mentes.>
Kay: Muito do que você escreve e a forma como você escreve é dirigida aos adultos.>
Se você fosse às escolas e conversasse com os alunos do ensino médio, qual seria o argumento mais eficaz que você poderia apresentar para eles?>
Haidt: Fico feliz por você ter feito esta pergunta porque, pouco antes da entrevista, eu estava em uma conversa de uma hora com a minha equipe.>
Estamos criando uma versão de A Geração Ansiosa para crianças de 8 a 12 anos de idade, que ainda não têm smartphone.>
O ponto principal que queremos transmitir é que existem empresas que querem fisgar vocês. E eles já fisgaram a maior parte das crianças.>
Se vocês olharem para as crianças mais velhas, elas não estão se divertindo. Elas estão sozinhas, estão tristes.>
Porque todas elas foram sugadas para se tornarem apenas consumidores de conteúdo e isso é tudo o que eles fazem.>
Você quer ter uma vida incrível e emocionante? Você quer fazer coisas? Quer se divertir com seus amigos?>
Então não siga este caminho. Não deixe que essas empresas enganem e fisguem você.>
Uma das principais ideias de A Geração Ansiosa é que este não é um livro sobre telas. É um livro sobre a infância.>
Que tipo de infância queremos para os nossos filhos?>
Nota dos editores:>
O TikTok declarou à repórter da BBC Marianna Spring que mantém configurações de segurança "líderes no setor" para os adolescentes. E A Meta (proprietária do Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads) menciona suas próprias ferramentas para oferecer "experiências positivas e apropriadas para cada idade".>
Conheça mais sobre as medidas tomadas pelas empresas de redes sociais em relação à segurança das crianças online neste link.>
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.>
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