Publicado em 11 de novembro de 2023 às 09:42
A fábula moral A roupa nova do rei, de Hans Christian Andersen, ilustra o dilema entre lisonjear ou dizer a verdade a quem está no poder. Todos conhecemos a história: um governante pomposo desfila nu diante do seu povo, que o aclama e admira por usar o melhor terno. Na realidade, são todos bajuladores e mentirosos. É preciso uma criança no meio da multidão para expor a verdade e gritar que, na realidade, o rei estava nu.>
Poucos de nós somos imunes à bajulação e os poderosos não são exceção. Parece que o exercício do poder, tanto na esfera pública como na privada, infunde vaidade e arrogância, e confunde e cega para a verdade.>
Alguns CEOs e outros altos funcionários gostam muito de seguir protocolos e de receber a reverência que acreditam merecer. Também é verdade que elogiar o chefe cria uma boa imagem da empresa, pois o prestígio dos patrões está diretamente relacionado com a reputação da instituição que dirigem e, em certa medida, eles e o seu cargo são indissociáveis.>
O problema surge quando os chefes acreditam que são honrados por quem são e não pelo que representam. Uma situação em que esta arrogância geralmente se manifesta é quando um executivo é apresentado em um evento público. Alguns esperam falas cheias de auto elogios, mas acredito que pessoas verdadeiramente importantes, pelo cargo ou carreira, dispensam apresentações.>
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Para ser sincero, não me considero um grande exemplo de humildade, mas acho que você causa melhor impressão sendo discreto nas apresentações. Um ex-mentor – que, apesar de suas muitas realizações, sempre evitou elogios – me ensinou que quando você se sente lisonjeado, é uma boa ideia se perguntar: “Eles estão falando de mim?”>
Curiosamente, a pompa que associamos aos altos cargos não afeta apenas as empresas ou administração pública.>
Isso também acontece no mundo acadêmico. Durante meu primeiro ano como presidente da IE University quis visitar vários colegas de universidades americanas para apresentar nosso projeto e estabelecer relacionamentos. >
Fiquei especialmente chocado com a agenda que a equipe presidencial de uma instituição de prestígio preparou para mim: “11h00-11h05: Breve saudação na porta do gabinete do presidente”.>
Ainda hoje brinco sobre o protocolo daquela ocasião, mas como resultado dessa experiência, decidi mostrar o mesmo nível de respeito a todas as pessoas que encontro, independentemente de seu cargo, e evitar a condescendência que algumas pessoas percebem nas figuras de autoridade. >
Usar o senso de humor sempre ajuda nessas circunstâncias. Sempre que posso procuro responder diretamente às mensagens e solicitações que recebo. Considero uma boa ideia, e até saudável, manter canais de comunicação abertos com pessoas dentro e fora da organização, e de diferentes níveis e gerações.>
Voltando à questão de até que ponto você deve ser honesto com seu chefe, em termos de boas práticas de gestão a resposta deveria ser: completamente. >
Afinal, os funcionários são contratados para dar sua opinião profissional honesta, principalmente se acreditarem que ela é relevante para a empresa, mesmo que isso incomode o chefe. >
É uma questão de cumprimento, de profissionalismo.>
No entanto, muitos de nós sabemos por experiência própria que, regra geral, os chefes não gostam de ser contrariados e aceitam de forma errada críticas ou opiniões que vão contra o seu julgamento, especialmente se isso ocorrer em uma reunião com outras pessoas. Em geral, os chefes veem a contradição como um questionamento da sua autoridade.>
Quando pergunto aos meus alunos de estratégia – que normalmente são executivos com mais de cinco anos de experiência em gestão e de diferentes países – sobre os atributos ideais de um executivo, uma das respostas mais frequentes é que “devem ser bons ouvintes.”>
Penso que isto indica um desejo de uma abordagem mais aberta por parte dos gestores, para poder falar honestamente com eles. A resposta também reflete a compreensão de que a tomada de decisões exige ouvir uma vasta gama de pontos de vista.>
Benjamin Franklin, um dos pais da independência americana, era a favor da prudência e de não dizer sempre o que se pensa porque, na sua experiência, qualquer tipo de crítica sempre ofende o receptor.>
Franklin foi o primeiro embaixador dos Estados Unidos em Paris e possivelmente a sua experiência diplomática o levou a ser cauteloso na forma e nas palavras.>
Em sua autobiografia, Franklin observa: “Quando alguém dizia algo que eu considerava um erro, neguei a mim mesmo o prazer de contradizê-lo”. >
A moderação de Franklin me lembra a observação de um coach que trabalhou para CEOs de diversas empresas: o feedback negativo, mesmo que seja construtivo, justificado e comunicado com tato, é frequentemente rejeitado. >
Apenas alguns os recebem positivamente. Algo que, por outro lado, demonstra uma enorme inteligência emocional.>
A possibilidade de contradizer ou criticar o patrão, mesmo em privado e com boas intenções, pode ser ainda mais complicada por fatores culturais. >
O Japão é referência de distância máxima do poder (como são o tratamento, as formalidades, a interação nas reuniões e os protocolos de relacionamento entre chefes e subordinados), enquanto os Estados Unidos e os países escandinavos são exemplos de distância mínima de poder. >
Como esperado, a cultura dos países com menor distância do poder incentiva o debate aberto e até mesmo a crítica ou a dissidência em relação aos superiores.>
Estudos contemporâneos mostram que seguir o exemplo dos superiores, e até bajulá-los, pode ser bom para a carreira. >
Além disso, confiar exclusivamente no desempenho ou no valor pessoal não é garantia de promoção. >
No entanto, pesquisas também revelam que os bajuladores em série são frequentemente criticados por seus colegas, algo que também pode funcionar contra eles a longo prazo.>
Os resultados desta pesquisa e os comentários dos meus alunos sugerem que a bajulação não é um problema apenas dos subordinados e que pelo menos metade da responsabilidade recai sobre os próprios chefes.>
O rei é responsável por sua nudez, mesmo que queira culpar os outros. >
O mesmo vale para CEOs que incentivam o puxa-saquismo. >
Por um lado, distorcem a natureza do debate nas reuniões de gestão, onde o princípio orientador deveria ser “nada pessoal, apenas negócios”. Por outro lado, comprometem o funcionamento da própria empresa, o exame objetivo dos seus resultados, a identificação das falhas e suas causas e a correção dessas falhas.>
Um pensador particularmente recomendado é Nicolau Maquiavel. A sua filosofia é uma expressão do pragmatismo absoluto necessário para permanecer no poder, independentemente de qualquer preocupação moral. Portanto, vale a pena acatar suas sugestões sobre como obter os melhores conselhos dos subordinados e evitar lisonjas:>
“A única maneira de se proteger dos bajuladores é as pessoas entenderem que dizer a verdade não te ofende. Porém, quando todos se sentem livres para lhe dizer a verdade, o respeito por você diminui. Portanto, um príncipe sábio deve seguir um terceiro caminho, escolhendo os homens sábios de seu estado e dando-lhes apenas a liberdade de lhe dizer a verdade, e apenas sobre as coisas que pergunta e sobre nenhuma outra. No entanto, você deve questioná-los sobre tudo e ouvir suas opiniões, para então tirar suas próprias conclusões. Com esses conselheiros, separada e coletivamente, você deve se comportar de tal forma que cada um deles saiba que quanto mais livremente falar, mais será preferido. Fora deles, você não deve ouvir ninguém, seguir o que foi resolvido e se manter fiel às suas decisões. Quem faz o contrário ou é derrotado pelos bajuladores, ou muda de ideia tantas vezes que riem dele.”>
Com a experiência e a idade, alguns gestores podem se tornar fechados às opiniões e ideias dos outros, embora também existam jovens líderes impetuosos e arrogantes que rejeitam a ajuda externa. Maquiavel tem razão: estar aberto aos conselhos dos sábios aumenta as chances de sucesso no poder.>
*Santiago Iñiguez de Onzoño é presidente IE University>
**Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original em espanhol.>
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