Publicado em 5 de agosto de 2020 às 16:53
Em luto, um dia após a grande explosão que já deixou 135 mortos e mais de 5.000 feridos, a cidade de Beirute está bem longe de voltar à normalidade. Além dos que não sobreviveram à tragédia, dos que seguem internados em hospitais lotados e das possíveis vítimas ainda presas em escombros, a capital libanesa vai precisar lidar com mais de 300 mil desabrigados.>
"Mais da metade de Beirute está destruída ou danificada", disse o governador Marwan Abboud.>
Autoridades libanesas ainda aguardam uma avaliação mais precisa feita por especialistas e engenheiros, mas o governador estima que os danos podem chegar a valores entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões (entre R$ 15 bilhões e R$ 23 bilhões).>
Chorando, Abboud comparou a destruição à causada pelas explosões nucleares em Hiroshima, 75 anos atrás. "A situação é apocalíptica. Beirute nunca viveu isso em sua história.">
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A mesma comparação foi evocada por outros sobreviventes que falaram à agência de notícias AFP.>
"Parecia um tsunami, ou Hiroshima. Foi um verdadeiro inferno. Algo me atingiu na cabeça, e todos os objetos começaram a voar ao meu redor", conta Elie Zakari, morador do bairro de Mar Mikhael, famoso por seus bares noturnos e que se encontra voltado para o porto.>
"É um massacre. Fui para a varanda e vi gente gritando, ensanguentada. Estava tudo destruído".>
A intensidade das explosões chegou a ser detectada pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), que monitora atividades sísmicas em todo o mundo. O impacto em Beirute foi registrado como equivalente a um terremoto de magnitude 3.3.>
Segundo testemunhas, o estampido da explosão foi ouvido até na cidade costeira de Larnaca, no Chipre, a cerca de 200 km da costa libanesa.>
Outra vítima, Arora Haradjian, disse que mal consegue expressar o que sentiu durante a explisão. "Eu tenho que consertar tudo isso e levar minha mãe para o hospital novamente", diz a mulher, responsável pela mãe, uma idosa acamada. "Não dá tempo de pensar.">
Eli Erani, outro morador de Beirute, conta que estava na estrada, dirigindo, quando seu carro foi arremessado a uma distância de cinco metros pela força da explosão.>
"As janelas explodiram. Nós ouvimos aviões e pensamos que eles estavam atirando em nós. Eles estavam bem acima de nós. Depois veio a explosão e tudo saiu voando.">
De acordo com o primeiro-ministro do Líbano, Hassan Diab, o incidente foi causado por 2.750 toneladas de nitrato de amônio estocadas na região portuária há seis anos "sem medidas preventivas".>
A substância é comumente usada como fertilizante, mas também na confecção de artefatos explosivos e pirotécnicos. De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, há risco de explosão se a substância entrar em contato com altas temperaturas, fogo, combustível ou alguma fonte de ignição, por exemplo.>
No epicentro da tragédia, o panorama é desolador: carros foram incinerados e lixeiras parecem latas de conserva retorcidas. Nas ruas de Beirute, soldados ainda retiram moradores atordoados, muitos ensanguentados, com camisas amarradas ao redor da cabeça para conter os ferimentos.>
Paredes de prédios foram destruídas, janelas quebraram, carros foram virados de cabeça para baixo e destroços bloquearam várias ruas, forçando feridos a caminhar em meio à fumaça até hospitais.>
"Vi muitas cenas repugnantes", conta Ibrahim Yousef, funcionário de uma loja no centro de Beirute.>
"Vi pessoas mortas, vi pessoas correndo e gritando enquanto carregavam seus filhos, pessoas que perderam seus filhos, outras procurando pela mãe. Foi horrível, foi difícil.">
O brasileiro Rajeh Merhi mora a 20 km do local da explosão, em Aley. Ainda assim, viu parte do teto de gesso da casa de sua mãe cair.>
O barulho fez com que pensasse se tratar de uma bomba jogada por um avião ?talvez o início de uma guerra. O prédio de quatro andares tremeu, conta ele, que chegou a ouvir o barulho da explosão.>
Já debilitado por anos de dificuldades políticas e econômicas, o Líbano agora depende de ajuda internacional para tentar se reerguer.>
O sistema de saúde, já sobrecarregado pelo atendimento a paciente contaminados pelo coronavírus, agora luta para conseguir prestar primeiros socorros às vítimas da explosão.>
Países como França, Alemanha, Turquia, Rússia, Qatar e Irã anunciaram o envio de assistência médica, profissionais de saúde, hospitais de campanha, equipamentos cirúrgicos e equipes de busca e salvamento.>
Localmente, uma rede de solidariedade também começou a se fortalecer nas redes sociais. Perfis em diferentes plataformas têm feito publicações para ajudar a localizar os desaparecidos e para oferecer moradia aos milhares de desabrigados.>
"Entre em contato comigo se você ou alguém que você conhece precisar de abrigo", escreveu uma usuária no Twitter. "A casa da minha família não foi afetada e está aberta. Também podemos providenciar transporte.">
Outro perfil, antes destinado a monitorar os protestos que se espalharam pelo país, agora faz um mapeamento dos locais disponíveis para abrigar aqueles que perderam suas casas.>
Usando a hashtag #ourhomesareopen (nossas casas estão abertas) o movimento se espalha pelas redes para tentar amenizar a grave crise humanitária instalada em Beirute.>
Enquanto ainda se investigam as causas da explosão, a segurança alimentar dos libaneses também está ameaçada.>
De acordo com o ministro da Economia, Raoul Nehme, a explosão destruiu o principal silo de grãos do país, deixando o Líbano com menos de um mês de reservas de trigo.>
O ministro afirmou que há navios a caminho para cobrir as necessidades a longo prazo. O porto de Beirute, entretanto, era a principal porta de entrada para os alimentos importados.>
"Tememos que haja um enorme problema na cadeia de suprimentos, a menos que haja um consenso internacional para nos salvar", disse Hani Bohsali, chefe do sindicato dos importadores.>
Agências da ONU estão reunidas nesta quarta-feira para coordenar os esforços de socorro a Beirute, disse Tamara al-Rifai, porta-voz da agência palestina de refugiados.>
"As pessoas são extremamente pobres, é cada vez mais difícil para qualquer um comprar comida e o fato de Beirute ser o maior porto do Líbano torna a situação muito ruim.">
Segundo ela, o porto de Trípoli, a segunda maior cidade do país localizada a 85 km da capital, é a principal alternativa no momento, mas pode não ser capaz de atender as demandas dos libaneses.>
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