Publicado em 7 de fevereiro de 2025 às 23:44
Sentada em um café no saguão do Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, Helena (nome fictício) olha o celular com preocupação. >
Há horas, ela aguarda para rever o filho de 33 anos que está voltando ao Ceará no segundo voo com brasileiros deportados dos Estados Unidos.>
"Estou feliz porque meu filho está chegando são e salvo, mas triste pelo fim do sonho dele", diz, depois de receber uma rápida chamada de Leonardo (nome fictício) contando que já estava em solo brasileiro e que havia acabado de se alimentar depois de uma longa viagem de 12 horas.>
Os brasileiros deportados dos Estados Unidos que chegaram nesta sexta-feira (7/2) ao aeroporto de Fortaleza não tiveram acesso a alimentação durante o voo e alguns foram transportados algemados, informou a secretária de Direitos Humanos do Ceará, Socorro França, em coletiva de imprensa.>
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A família de Helena, que vive em um bairro de classe média de Fortaleza, está apreensiva desde o dia 2 de janeiro, antes mesmo da posse do presidente americano Donald Trump e do início de sua política de deportação em massa.>
Naquela data, Leonardo foi detido em Miami ao estacionar seu carro, com placa da Flórida, em uma via proibida. Ouviu o policial bater no vidro do automóvel e mal teve tempo de calçar os sapatos antes de descer do veículo, com as mãos para trás.>
Leonardo havia entrado nos Estados Unidos com o visto regular há três anos, mas extrapolou o tempo permitido para permanecer no país. >
Apesar de ter se formado em Tecnologia da Informação no Brasil, ele trabalhava informalmente como "faz tudo" para uma companhia da construção civil e fazia bicos nos Estados Unidos. >
"Meu filho é mais um brasileiro que sai daqui e vai para os Estados Unidos arranjar um trabalho e viver melhor", conta Helena. "Sempre foi o sonho dele ir para lá".>
Leonardo chegou em Nova Jersey em 2021 e viveu lá dois anos. Não demorou para conseguir comprar um carro com o dinheiro dos trabalhos informais, o que lhe encheu de esperança para construir a vida em solo americano.>
Faltava, porém, sentir-se mais integrado ao modo de vida norte-americano. >
Por isso, em outubro do ano passado, ele se mudou para a Flórida. Sublocou um quarto em uma casa, onde moravam outras duas pessoas. Estava satisfeito, com a sensação de haver encontrado o seu lugar.>
"Ele me disse: aqui é o lugar de se morar. É tudo lindo e maravilhoso", conta a mãe. >
No fim do ano passado, porém, Leonardo decidiu ir para Miami por alguns dias para passar as festas de réveillon e fazer bicos de entregador de sushi. Foi quando acabou detido e depois transferido a um centro de imigração.>
Ficou mais de um mês neste centro, em condições que a mãe descreve como razoáveis. O problema é que a audiência judicial que resolveria o destino de Leonardo foi marcada para o sétimo dia do governo de Donald Trump e, embora ele tenha solicitado a deportação voluntária — por meio da qual retornaria ao seu país por seus próprios meios —, o juiz recusou. >
"O ambiente político havia mudado completamente", afirma o irmão dele, que também o aguardava no aeroporto de Fortaleza e pediu para não ser identificado.>
Leonardo foi deportado compulsoriamente e desembarcou na capital cearense pouco depois das 16h desta sexta-feira. >
A família pagou US$ 600 (cerca de R$ 3,6 mil) a uma pessoa nos Estados Unidos para recolher uma mochila com alguns pertences dele na Flórida e viajar três horas para entregá-la no centro de imigração em Miami antes do embarque. Suas malas ainda não têm data para serem trazidas por algum amigo ao Brasil.>
Leonardo chegou junto com outros 110 brasileiros, entre homens, mulheres e várias crianças. Eles foram recebidos por autoridades brasileiras de órgãos ligados aos direitos humanos com comida, kit de higiene e apoio psicológico e jurídico, depois de 12 horas de viagem sem receber comida.>
Durante o trajeto, homens tiveram braços e pernas algemados, enquanto as crianças e mulheres foram poupadas, conforme relataram autoridades brasileiras. >
As algemas foram retiradas apenas durante o desembarque da aeronave, evitando repetir as cenas da chegada de repatriados em Manaus no último mês de janeiro, que saíram algemados em solo brasileiro.>
O uso de algemas, em pés e mãos, para adultos brasileiros durante os voos em aviões fretados para deportação pelos Estados Unidos é prática comum dos agentes do ICE, o serviço de alfândega e imigração dos EUA, que comandam esses voos.>
Apesar dos recorrentes protestos da diplomacia brasileira contra o uso indiscriminado de correntes e algemas, as autoridades americanas costumam argumentar que a imobilização dos deportados é necessária para garantir a segurança do voo e da tripulação.>
A praxe é que tais dispositivos sejam retirados antes do desembarque, até porque, da perspectiva legal do Brasil, os deportados não cometeram qualquer tipo de crime em solo pátrio.>
"Estávamos preocupados com o estado deles", disse a secretária de Direitos Humanos do Ceará, Socorro França, em entrevista coletiva após a chegada dos repatriados na sexta-feira. "As pessoas só comeram quando desembarcaram.">
Ela também afirmou que encontrou os brasileiros repatriados "muito machucados emocionalmente" e ouviu relatos de que sofreram muito por estarem presos, quase sem alimentos.>
"Vemos com preocupação a forma como estas pessoas estão sendo conduzidas ao Brasil", disse o defensor público federal Edilson Santana, que acompanhou a ação, mencionando especialmente o uso de algemas nos braços e pernas dos repatriados durante o deslocamento.>
"Eles acham que todo mundo que está sendo deportado é bandido. Não é. Tem muitas famílias", diz Helena, no saguão do aeroporto. >
Ela ainda não havia encontrado o filho, um dos cerca de 16 repatriados que ficariam no Ceará, segundo uma fonte que acompanhava a ação.>
Enquanto buscava, aflita, mais informações por onde Leonardo desembarcaria, Helena recebeu uma ligação. Era o filho, dizendo para que ela o aguardasse em casa. >
"Você acha que eu não iria vir te esperar aqui?", ela disse. Diante da ampla movimentação da imprensa no local, acabou convencida a retornar sem ele para casa, depois de uma espera de mais de quatro horas.>
Isso porque o fato de ter conversado com o filho por telefone havia lhe tranquilizado. "Fiquei muito preocupada quando vi a chegada dos brasileiros em Manaus. Achei desumano", diz, referindo-se ao primeiro voo com brasileiros deportados pelo Governo Trump. >
A descida de brasileiros algemados gerou denúncias de maus-tratos e levou o Brasil a impedir que aviões sobrevoem o território nacional com imigrantes acorrentados ou com algemas. Foi assim que Fortaleza, uma das cidades mais próximas dos Estados Unidos, foi escolhida para o desembarque dos repatriados, que estava previsto para acontecer diretamente em Minas Gerais.>
Quando Helena deixou o saguão do aeroporto da capital cearense na noite de sexta com seu outro filho, a maioria dos brasileiros repatriados já havia seguido para Minas Gerais em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). >
Durante o primeiro acolhimento em Fortaleza, eles puderam contatar a família e ter apoio para poderem recomeçar suas vidas. Receberam informações sobre como regularizar documentos e acessar direitos por meio de representantes da Defensoria Pública da União. >
"Eles estão saindo daqui [Fortaleza], sabendo que estão sendo repatriados e com o governo totalmente disposto a recebê-los da melhor forma", afirma Mitchelle Meira, titular da Secretaria da Diversidade do Ceará. >
A estimativa é de que aproximadamente 30 mil brasileiros ainda aguardam deportação dos Estados Unidos.>
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