Publicado em 10 de janeiro de 2024 às 09:39
BOA VISTA - Um dia depois de decretar estado de exceção no Equador e em meio a uma onda de criminalidade que deixou ao menos oito mortes, o presidente Daniel Noboa assinou novo decreto nesta terça-feira (9) em que reconhece que o país enfrenta um "conflito armado interno". O mesmo documento lista 22 organizações criminosas como terroristas e ordena que as Forças Amadas executem operações "para neutralizar" os grupos citados.>
Entre essas facções estão os Choneros, cujo líder, Fito, fugiu da prisão no domingo (7). O incidente fez irromper uma crise de violência — a imprensa local descreveu a madrugada desta terça como uma "noite de terror", com explosões de carros-bomba e outros em atos aparentemente coordenados, além do sequestro de quatro policiais.>
As ações ocorreram após Noboa, que enfrenta sua primeira crise desde que assumiu a Presidência em novembro, decretar um estado de exceção de 60 dias em todo o país. A medida inclui um toque de recolher de seis horas, de 23h às 5h.>
O caos se manteve na tarde desta terça, quando homens encapuzados invadiram a sede da emissora TC na cidade portuária de Guayaquil, no sudoeste do território. Eles renderam apresentador e funcionários com armas e granadas em mãos durante uma transmissão ao vivo do telejornal El Noticiero, que em seguida saiu do ar.>
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Em vídeos da transmissão, é possível ver o grupo bradando contra a polícia. Profissionais da emissora aparecem deitados no chão e, ao fundo, soam o que parecem ser tiros.>
Um dos funcionários que estava no local durante o ataque enviou a um repórter da agência de notícias AFP uma mensagem em que dizia: "Entraram aqui para nos matar". Passaram-se cerca de 30 minutos até que as forças de segurança entrassem no local e prendessem ao menos 13 criminosos envolvidos na ação.>
Em paralelo a isso, diferentes ataques ocorridos em Pascuales e em outras regiões de Guayaquil deixaram oito mortos e dois feridos, informou o jornal local El Universo com base em um balanço da polícia divulgado às 18h30 do horário local (20h30 em Brasília).>
A Universidade de Guayaquil também foi invadida por homens armados. Imagens nas redes sociais e relatos na imprensa local mostram alunos e professores correndo assustados pelo campus e se refugiando em salas de aula. O Ministério da Educação suspendeu as atividades de escolas de todo o país até a sexta-feira (12).>
Em Nobol, cidade próxima a Guayaquil, dois policiais foram mortos, de acordo com publicação das autoridades nas redes sociais.>
Diante da crise, a Assembleia Nacional apoiou o Executivo, anunciando resoluções adotadas em conjunto por bancadas de diferentes colorações políticas. Uma das medidas anunciadas é a possibilidade de conceder indultos e anistias a policiais e militares envolvidos no combate ao narcotráfico.>
O ex-presidente esquerdista Rafael Correa, que governou o país de 2007 a 2017 e apoiou no pleito do ano passado a candidata derrotada por Noboa, foi outro que declarou "total e irrestrito respaldo" ao presidente, pedindo a ele que não cedesse. Acrescentou ainda que "erros e discrepâncias políticas" seriam discutidos "no dia seguinte à vitória" do Estado sobre as organizações criminosas.>
"O país vive um verdadeiro pesadelo, algo impensável há pouco tempo e fruto da destruição sistemática do Estado de direito, dos erros e do ódio acumulados nesses últimos sete anos. Agora é um momento de união nacional. O crime organizado declarou guerra ao Estado, e o Estado deve prevalecer", disse Correa, que vive fora do país sob risco de ser preso ao retornar devido a uma condenação por corrupção.>
A crise também gerou repercussões no exterior. O Ministério do Interior do Peru ordenou o envio de forças para a fronteira de seu país com o Equador e decretou estado de emergência em todas as cidades que compõem a linha divisória. A medida foi anunciada na madrugada desta quarta-feira (10 ).>
Já a China anunciou o fechamento de sua embaixada, também a partir desta quarta.>
O Itamaraty afirmou em nota que acompanha com preocupação a escalada de violência no país. Também disse estar apurando uma denúncia de sequestro de um cidadão brasileiro, Thiago Allan Freitas, em Guayaquil.>
Ao declarar o estado de exceção na segunda-feira, Noboa afirmou que a medida permitiria que as Forças Armadas interviessem no sistema prisional equatoriano. "Não negociaremos com terroristas nem descansaremos enquanto não devolvermos a paz", afirmou ele em vídeo publicado nas suas redes sociais.>
Presídios equatorianos têm vivido conflitos frequentes nos últimos anos, com motins e confrontos que resultam em dezenas de mortes e sequestros de agentes de segurança.>
No decreto desta segunda, anterior ao reconhecimento do conflito armado interno, as Forças Armadas já haviam sido acionadas para se somar às ações da polícia nacional. A novidade foi o reconhecimento do estado de "conflito armado interno", a listagem das fações reconhecidas como terroristas e a deliberação para que o Exército execute operações militares contra os grupos declarados.>
O presidente anunciou na semana passada que construiria duas prisões de segurança máxima — semelhantes às que o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, mandou erguer em sua guerra contra as gangues — nas províncias de Pastaza (leste) e Santa Elena (sudoeste) para isolar os prisioneiros mais perigosos. Ele, que tomou posse em novembro, foi eleito sob a promessa de reduzir a violência em um país assombrado por seguidas crises de segurança.>
A crise havia chegado a um ápice em agosto, após o assassinato a tiros do presidenciável Fernando Villavicencio após evento de campanha em Quito.>
Fito, o prisioneiro que fugiu no fim de semana, foi, aliás, um dos principais nomes apontado nas investigações, ainda inconclusas, sobre o crime. Dias antes de ser morto a tiros durante um comício, o jornalista e deputado havia dito na rede X que estava sendo alvo de ameaças do criminoso, líder da Choneros — o cartel é o mais temido do Equador, e disputa rotas do tráfico de drogas com grupos com conexões com organizações do México e da Colômbia.>
O crescimento da violência tem sido vertiginoso na nação. Em 2022, a taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes foi de 25,9, índice que, cinco anos antes, em 2017, havia atingido o menor patamar em anos, com 5,8.>
Espremido entre Peru e Colômbia, os maiores produtores de cocaína do mundo, o Equador funciona como entreposto de exportação para a droga por via marítima e viu facções internas se associarem ao crime transnacional enquanto dominaram os presídios locais.>
Nos últimos anos, o cultivo e a demanda pela cocaína atingiram níveis recordes no mundo, segundo a ONU, o que impactou também a distribuição e abriu novas rotas para o narcotráfico. Em um ano, 210 toneladas de drogas foram apreendidas no Equador, também um recorde.>
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