Publicado em 9 de outubro de 2025 às 10:32
Medicamentos como o Ozempic permitiram que muitas pessoas perdessem peso que antes não conseguiam eliminar. Será que uma dieta poderia ter o mesmo efeito sem a necessidade de receita médica?>
Nos últimos anos, a chegada de medicamentos para perda de peso – como Ozempic e Wegovy – virou de cabeça para baixo a forma como a medicina lida com a obesidade.>
Essas drogas, conhecidas como agonistas do peptídeo semelhante ao glucagon tipo 1 (GLP-1), ajudam pessoas com obesidade a perder peso ao reduzir o apetite, levando a uma menor ingestão de alimentos. No entanto, junto com a popularidade desses medicamentos, surgiram alegações de que seria possível imitar seus efeitos apenas por meio da alimentação.>
Uma tendência nas redes sociais, por exemplo, sugere que uma mistura de aveia com água e suco de limão – apelidada de 'oatzempic' – poderia suprimir o apetite e provocar a perda de peso de forma semelhante aos remédios.>
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Mas será que alguma dieta, alimento ou bebida realmente se aproxima dos efeitos do Ozempic? A chamada "dieta oatzempic" pode funcionar?>
Os novos medicamentos de perda de peso imitam um processo natural que ocorre no nosso corpo todos os dias. Quando comemos, o intestino produz o hormônio GLP-1, que aumenta os níveis de insulina no sangue, reduz a produção de açúcar pelo fígado, desacelera a digestão e diminui o apetite.>
"Os hormônios GLP-1 são os 'grandes reguladores' de todo o nosso metabolismo," explica Chris Damman, gastroenterologista e professor associado clínico da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.>
"Esses mecanismos são bastante complexos, envolvendo muitos hormônios diferentes," acrescenta.>
Os dois principais componentes da dieta ligados ao GLP-1 são as fibras e os polifenóis.>
"A fibra é o alimento preferido dos trilhões de bactérias que vivem no nosso intestino," explica Mary Sco, médica residente e autora de textos sobre nutrição na Virgínia, nos EUA.>
Quando ingerimos alimentos ricos em fibras e polifenóis, eles são convertidos pelo microbioma intestinal em ácidos graxos de cadeia curta, que estimulam a produção de GLP-1. Entre os alimentos ricos em fibras estão nozes, leguminosas, frutas e vegetais. Já os polifenóis também são encontrados em frutas, verduras e oleaginosas.>
Outro nutriente importante para o metabolismo é a gordura monoinsaturada, associada a níveis mais elevados de GLP-1. Ela está presente em azeite de oliva, abacate e nozes.>
Esse processo começa antes mesmo de os alimentos chegarem ao intestino. Pesquisas mostram que o sabor amargo dos alimentos ricos em polifenóis ativa receptores gustativos que enviam sinais ao intestino para produzir hormônios digestivos, incluindo o GLP-1.>
Mas estimular naturalmente o GLP-1 não depende apenas do que comemos – e sim de como comemos, diz Sco.>
"Pesquisas recentes mostram que a ordem em que comemos também importa," afirma.>
Um artigo de 2020 indica que há evidências de que consumir alimentos ricos em proteína (como carne e ovos) e vegetais antes dos carboidratos resulta em níveis mais altos de GLP-1, em comparação com comer carboidratos primeiro. As razões por trás disso ainda não estão totalmente claras.>
O horário das refeições também parece interferir na quantidade de GLP-1 produzida pelo organismo. Pesquisas sugerem que o corpo libera mais GLP-1 ao comer no início da manhã do que à noite.>
Esse efeito está ligado às mudanças naturais nos níveis hormonais ao longo do dia. Comer mais cedo, segundo estudos de 2023, ajuda a sincronizar o metabolismo com o ciclo circadiano.>
Em tese, portanto, uma dieta rica em fibras, polifenóis e gorduras monoinsaturadas ajudaria a maximizar a produção de GLP-1. Mas, segundo Damman, as dietas ocidentais modernas são pobres nesses elementos.>
"Esses medicamentos estão atuando sobre algo fundamental no nosso mecanismo de saciedade que foi 'curto-circuitado' pelos alimentos ultraprocessados," diz ele.>
Para algumas pessoas, uma alimentação equilibrada e atividade física são suficientes para perder peso. Para outras, os agonistas de GLP-1 são necessários, afirma Damman.>
"A questão é que mudar comportamentos é extremamente difícil. Por isso, medidas de estilo de vida muitas vezes não funcionam para quem está preso em ciclos metabólicos. E é aí que esses medicamentos têm sido muito úteis para pessoas com obesidade severa e complicações.">
No fim das contas, uma dieta que estimula a produção natural de GLP-1 é baseada em alimentos in natura, como frutas, verduras, legumes e oleaginosas>
Para outros casos, no entanto, uma dieta rica em fibras, polifenóis e gorduras saudáveis pode ajudar no controle do apetite, acrescenta Sco.>
"Algumas pessoas não terão um benefício tão grande quanto com os remédios, mas ainda assim haverá efeito. Isso vale para todos, porque é fisiologia humana básica – todos nós recebemos o 'sinal para parar de comer'.">
Para ele, é irônico que muitas pessoas estejam redescobrindo isso ao tentar imitar os efeitos dos remédios para emagrecer.>
"A jornada deu uma volta completa," afirma. "Tudo leva de volta aos alimentos naturais – não há substituto para eles.">
Embora os medicamentos prescritos como GLP-1 sejam considerados seguros, ainda há muito que não sabemos sobre eles, diz Damman.>
Segundo Gary Schwartz, professor de medicina, neurociência, psiquiatria e ciências comportamentais no Albert Einstein College of Medicine, em Nova York, os remédios também estão abrindo caminho para novas pesquisas sobre obesidade.>
As causas do aumento global da obesidade são múltiplas e complexas, mas muitos especialistas apontam que nosso ambiente alimentar moderno é parte central do problema.>
Segundo Schwartz, alimentos ultraprocessados – ricos em açúcar e gordura – exploram os componentes que nosso cérebro está biologicamente programado para buscar.>
Quando consumimos esses alimentos, as áreas de recompensa do cérebro são ativadas, liberando dopamina, o que nos leva a comer mais. Com o tempo, perdemos a sensibilidade a esses estímulos e precisamos consumir quantidades maiores para alcançar a mesma sensação de prazer.>
Dados recentes sugerem que os medicamentos com GLP-1 reduzem esse desejo por alimentos ultrapalatáveis, além de provocar náusea e outros efeitos gastrointestinais, diz Schwartz.>
"Isso indica que existe um mecanismo que pode ser aproveitado para restaurar hábitos saudáveis sem depender de medicamentos, limitando a recompensa e alcançando a saciedade sem comer em excesso," explica.>
Os pesquisadores esperam estudar a atividade cerebral e o comportamento alimentar durante a perda e o reganho de peso para identificar intervenções alimentares e físicas com efeitos semelhantes aos dos medicamentos.>
"Será necessário fazer estudos clínicos e dietéticos combinados com exames de imagem e manutenção da perda de peso. Mas, dentro de uma década, teremos uma ideia clara dos 'pontos-chave' no cérebro e de como direcioná-los com alimentação ou mudanças comportamentais," prevê Schwartz.>
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.>
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