Publicado em 23 de novembro de 2025 às 06:44
Após Jair Bolsonaro (PL) ser preso preventivamente pela Polícia Federal (PF) em Brasília no sábado (22/11), especialistas em Direito Penal e Criminal avaliam que a ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi uma decisão "prudente" diante dos fatos expostos.>
Os juristas afirmam ainda que os pedidos da defesa de Bolsonaro para que o ex-presidente cumpra sua pena em prisão domiciliar dificilmente serão aceitos agora.>
"Nesse momento, uma prisão domiciliar me parece muito improvável", avalia Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio.>
Moraes decidiu revogar a prisão preventiva em regime domiciliar, na qual Bolsonaro estava desde o início de agosto, a pedido da Polícia Federal (PF), após ser identificado um risco concreto e iminente de fuga.>
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Segundo a decisão, esse risco foi identificado após o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), seu filho, convocar uma "vigília" em apoio ao pai nas proximidades da residência do ex-presidente e ser detectada uma tentativa de violação da tornozeleira que ele usava, o que Bolsonaro admitiu posteriormente ter ocorrido.>
Bolsonaro foi transferido para a Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal, onde deve permanecer em uma Sala de Estado, local de detenção especial reservado para autoridades.>
Em nota, a defesa do ex-presidente disse que a decisão de Moraes causou "profunda perplexidade, principalmente porque, conforme demonstra a cronologia dos fatos está calcada em uma vigília de orações".>
"A Constituição de 1988, com acerto, garante o direito de reunião a todos, em especial para garantir a liberdade religiosa. Apesar de afirmar a 'existência de gravíssimos indícios da eventual fuga', o fato é que o ex-presidente foi preso em sua casa, com tornozeleira eletrônica e sendo vigiado pelas autoridades policiais", disseram ser advogados.>
"Além disso, o estado de saúde de Jair Bolsonaro é delicado e sua prisão pode colocar sua vida em risco. A defesa vai apresentar o recurso cabível.">
Ainda no sábado, Paulo Cunha Bueno, advogado do ex-presidente, falou a jornalistas que "a tornozeleira é uma narrativa que tenta justificar o injustificável", mas não respondeu sobre a violação causada por Bolsonaro no equipamento.>
A BBC News Brasil questionou a defesa de Bolsonaro sobre a tentativa do ex-presidente de violar a tornozeleira, como ele próprio admitiu à PF, mas não recebeu resposta até o momento.>
A decisão de Moraes ainda será submetida ao referendo da Primeira Turma do STF, que deve realizar uma sessão virtual extraordinária na segunda-feira, das 8h às 20h.>
Para o criminalista Maurício Dieter, professor da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), agora que Bolsonaro está na Superintendência da Polícia Federal, será possível modular a possibilidade concreta do ex-presidente cumprir sua pena fora da prisão domiciliar.>
"O arranjo feito na Superintendência da Polícia Federal para recebê-lo com auxílio médico vai ser uma afirmação de que é possível ele começar a cumprir pena em um estabelecimento prisional ordinário", afirma Dieter.>
Para Thiago Bottino, os três argumentos principais que embasam a decisão do ministro Alexandre de Moraes são os indicativos de tentativa de rompimento da tornozeleira eletrônica, a convocação de uma vigília nas proximidades da residência onde o ex-presidente cumpria a prisão domiciliar e as fugas de aliados para o exterior.>
Na sexta-feira (21/11), Moraes havia decretado a prisão preventiva do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), condenado a 16 anos de prisão por golpe de Estado na mesma ação penal que condenou Bolsonaro. O parlamentar deixou o Brasil em setembro, no mês em que a ação foi julgada pela Primeira Turma do STF, e não voltou desde então.>
Em sua decisão, Moraes também cita a ida do filho de Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para os Estados Unidos. O parlamentar viajou com a família para os Estados Unidos durante o Carnaval, no fim de fevereiro, e não retornou ao Brasil.>
Ele se tornou réu em uma ação no STF após ser denunciado por articular sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras, na tentativa de influenciar o julgamento de seu pai. O deputado nega que esta fosse sua intenção e afirma que buscava denunciar supostos abusos de Alexandre de Moraes.>
A fuga da deputada licenciada Carla Zambelli (PL-SP) para a Itália, após ser condenada pelo STF a 10 anos de prisão por envolvimento na invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça também foi usada como exemplo.>
Para Bottino, os argumentos fazem sentido especialmente porque Bolsonaro já havia tido a prisão preventiva domiciliar decretada por descumprimento das medidas cautelares.>
"Diante desses fatos novos, e também da iminência do trânsito em julgado, criou-se um cenário em que a prisão domiciliar talvez não fosse suficiente para impedir uma fuga", diz o especialista, que vê "prudência" na decisão de Moraes.>
"A prisão preventiva serve justamente, entre outras situações, para impedir que a pessoa fuja.">
O criminalista Maurício Dieter concorda com a avaliação. "Ramagem mostrou que precauções ordinárias para evitar risco de fuga não foram suficientes", afirma. >
"Considerando esse precedente e a violação da tornozeleira, o ministro achou prudente decretar a prisão preventiva, que é uma espécie de preâmbulo do início da execução da pena privativa de liberdade em regime fechado, à qual ele já foi condenado.">
Em sua decisão, Alexandre de Moraes também lista todas as medidas decretadas durante o processo de Bolsonaro, assim como os repetidos descumprimentos.>
Para Bottino, esse fator também deve ser levado em consideração. "Diante da notícia enviada pela Polícia Federal de que teria havido um novo descumprimento com a tentativa de rompimento da tornozeleira, o ministro ficou em uma situação em que não tinha outra decisão a tomar", opina. >
O Código de Processo Penal autoriza a decretação da prisão preventiva para garantir a ordem pública ou econômica, o andamento do processo ou a aplicação da lei. A preventiva também pode ser decretada em caso de descumprimento de medidas cautelares.>
Em 17 de julho, antes do julgamento no STF, Moraes impôs uma série de medidas cautelares a Bolsonaro, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno e proibição de usar redes sociais, direta ou indiretamente.>
Posteriormente, em agosto, o ministro determinou a prisão domiciliar do ex-presidente, alegando descumprimento das medidas. >
Entre outras coisas, Bolsonaro apareceu por meio de uma ligação de vídeo no celular do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) em manifestações de apoiadores em São Paulo, e depois em um vídeo na rede social de Flávio Bolsonaro.>
Alexandre de Moraes pontua na nova ordem de prisão de Bolsonaro que a convocação de vigília por seu filho Flávio poderia gerar aglomerações capazes de dificultar a fiscalização policial e a aplicação de decisões judiciais.>
A convocação da vigília foi interpretada como parte de uma estratégia para "prejudicar o cumprimento de eventuais medidas judiciais" e "dificultar a aplicação da lei penal" nas horas que antecedem o possível trânsito em julgado da condenação.>
A decisão descreve em detalhes o vídeo publicado por Flávio Bolsonaro na rede social X, no qual ele convoca apoiadores a se deslocarem para as proximidades da residência do ex-presidente.>
Conforme aponta o documento, Flávio afirmou: "Você vai lutar pelo seu país ou assistir tudo do celular aí do sofá da sua casa? Eu te convido para lutar com a gente".>
"Com a sua força, a força do povo, a gente vai reagir e resgatar o Brasil desse cativeiro que ele se encontra hoje", prosseguiu.>
Para Maurício Dieter, a Justiça brasileira entendeu que a vigília poderia criar "uma distração que viabilizaria a fuga". E somada à tentativa de violação da tornozeleira, essa hipótese ficaria ainda mais forte.>
De acordo com documento da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (SEAPE), o Sistema de Monitoração gerou um alerta às 00h07 deste sábado, indicando violação no dispositivo.>
O relatório indica que o equipamento apresentava "sinais claros e importantes de avaria", com marcas de queimaduras em toda sua circunferência, no local de encaixe/fechamento do case.>
Questionado por policiais que foram até a residência do ex-presidente verificar o ocorrido, Bolsonaro confirmou que fez uso de ferro de solda para tentar abrir o equipamento. Em seguida, a tornozeleira foi trocada.>
Aliados de Bolsonaro questionaram o uso da organização de uma vigília como argumento da decisão de Moraes. Segundo ele, haveria um suposto precedente aberto pela prisão do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).>
Entre 2018 e 2019, militares acamparam por vários dias em frente à sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula ficou preso por 580 dias.>
Mas para os juristas, os dois casos não são comparáveis.>
Para Dieter, uma das diferenças principais é a natureza dos crimes pelos quais ambos foram acusados. >
"Os casos se diferenciam principalmente porque a acusação contra o presidente Lula na época era de corrupção e lavagem de dinheiro, enquanto com Bolsonaro, parte das acusações dizem respeito propriamente ao desafio à ordem constitucional", diz.>
Segundo o criminalista, o fato de Bolsonaro ter sido condenado por um crime que tem relação com a mobilização de força política para destituir o Estado de Direito torna a convocação de uma vigília mais grave. >
Bottino afirma ainda que o caso de Bolsonaro é distinto porque, além dos seguidos descumprimentos das medidas cautelares, a convocação da vigília foi seguida pela tentativa de rompimento da tornozeleira, gerando suspeitas de que poderia ocorrer uma fuga. >
Na sexta-feira (21/11), Alexandre de Moraes rejeitou o pedido apresentado pela defesa de Bolsonaro para que ele fique em prisão domiciliar por motivo humanitário.>
Posteriormente, Moraes disse que a solicitação estava prejudicada, ou seja, inválida, após a determinação da prisão preventiva neste sábado (22/11).>
Apoiadores e familiares do ex-presidente afirmam, porém, que a saúde de Bolsonaro está frágil e que, por isso, a prisão domiciliar seria a melhor escolha.>
O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) chegou a classificar a prisão preventiva como "crueldade" e acusar o STF de querer "matar" o ex-presidente.>
Mas para Thiago Bottino, a decisão de Alexandre de Moraes dá conta das preocupações com a saúde de Bolsonaro ao determinar um atendimento médico em plantão 24 horas.>
Além disso, afirma o advogado, o ex-presidente não está hospitalizado ou com a saúde fragilizada a ponto de sua transferência para um outro local apresentar riscos.>
Maurício Dieter diz ainda que a preocupação com a saúde de Bolsonaro demostrada na decisão é "incomum", algo "que não acontece com presos ordinários". >
"Essa crítica desconhece como a maior parte das pessoas são presas cotidianamente, porque ninguém que é preso tem o privilégio de receber esse atendimento médico integral, com acompanhamento durante o cumprimento da prisão", avalia.>
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