Publicado em 4 de maio de 2025 às 07:39
Após a morte do papa Francisco, há especulações de que o próximo líder da Igreja Católica pode vir da África.>
Três africanos aparecem na corrida para suceder o Papa Francisco: Fridolin Ambongo Besungu, da República do Congo, Peter Kodwo Appiah Turkson, de Gana, e Robert Sarah, de Guiné.>
Mas a igreja já teve africanos no comando antes. Historiadores acreditam que houve três papas com ligações ao continente africano, o mais recente deles há mais de 1.500 anos. >
Acredita-se que todos eles eram de origem norte-africana. Isso porque o Império Romano se estendia por áreas que hoje correspondem à Tunísia, ao nordeste da Argélia e à costa oeste da Líbia. >
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Antes do estabelecimento do islã, o cristianismo tinha uma presença muito forte na região. Segundo o professor Christopher Bellitto, da Universidade de Kean, nos Estados Unidos, "a África do Norte foi um 'cinturão bíblico' do cristianismo antigo".>
Embora pouco se saiba sobre a vida pessoal dos últimos três papas africanos, historiadores concordam que todos eles tiveram um papel muito importante na história inicial da Igreja Católica. >
Os três foram reconhecidos como santos pela Igreja. >
Acredita-se que o papa Victor I era de origem berbere — de povos nativos do norte da África — e esteve no comando da Igreja Católica durante um período de perseguições esporádicas aos cristãos que se recusavam em aceitar e adorar os deuses romanos. >
Talvez ele seja mais conhecido por ter estabelecido que a celebração da Páscoa fosse realizada sempre no domingo.>
No século 2, alguns grupos cristãos da província romana da Ásia (atual Turquia) celebravam a Páscoa no mesmo dia que os judeus celebravam a libertação do povo hebreu da escravidão no Egito, o que poderia cair em diferentes dias da semana. >
Contudo, cristãos da parte ocidental do império acreditavam que Jesus havia ressuscitado em um domingo, então a Páscoa deveria ser sempre celebrada nesse dia. >
O debate sobre quando a ressurreição aconteceu gerou uma grande controvérsia dentro da Igreja e simbolizava conflitos maiores entre o Oriente e o Ocidente, relacionados à questão se os cristãos deveriam ou não seguir as práticas judaicas. >
Para resolver esse impasse, Victor I convocou o primeiro Sínodo de Roma — uma reunião de líderes da igreja. E fez isso ameaçando excomungar da igreja aqueles bispos que se recusassem em seguir as suas orientações. >
"Ele foi uma voz bastante firme para colocar todos, literalmente, na mesma página", disse Bellitto. >
Esse foi um feito impressionante, segundo Bellitto, uma vez que "ele era o bispo de Roma em uma época em que o cristianismo ainda era ilegal no Império Romano".>
Outro fato importante do legado de Victor I foi a introdução do latim como língua comum da Igreja Católica. Antes disso, o grego antigo era a principal língua usada na liturgia católica, assim como nas comunicações oficiais da igreja. >
O próprio Victor I escrevia e falava latim, idioma que era amplamente falado na África do Norte.>
Acredita-se que o papa Melchiades, ou Melquíades — na tradução para o português —, nasceu na África. >
Durante o seu pontificado, o cristianismo passou a ser cada vez mais aceito pelos sucessivos imperadores romanos, se tornando, eventualmente, a religião oficial do Império. >
Antes disso, a perseguição aos cristãos foi registrada em diferentes momentos da história do Império. >
Mas o professor Bellitto ressalta que Melquíades não foi o responsável direto por essa mudança. Ele foi mais um "beneficiário da benevolência romana" do que um grande negociador. >
O imperador romano Constantine deu a Melquíades um palácio, o que fez dele o primeiro papa a ter uma residência oficial. >
Ele também recebeu a permissão de Constantine para construir a Basílica de Latrão, hoje a igreja pública mais antiga de Roma. >
Embora os papas modernos vivam e trabalhem no Vaticano, a igreja de Latrão é, por vezes, chamada no catolicismo de "a mãe de todas as igrejas".>
Gelasius I é o único dos três papas que os historiadores acreditam não ter nascido na África. >
"Há uma referência a ele como nascido em Roma. Então, nós não sabemos se ele chegou a viver no norte da África, mas é claro que ele tinha origens lá", explica Bellitto. >
Segundo o professor, Gelasius I foi o mais importante dos três líderes africanos da Igreja. Ele é amplamente conhecido como o primeiro papa a ser oficialmente chamado de "Vigário de Cristo", um termo que reforça o papel do papa como representante de Cristo na terra. >
Ele também foi responsável por desenvolver a chamada 'Doutrina das Duas Espadas' que defende a separação, mas com igualdade de importância, entre os poderes da Igreja e do Estado. >
Gelasius I fez uma distinção crucial ao afirmar que ambos os poderes foram dados por Deus à igreja, que então delegava o poder terreno para o Estado, fazendo da Igreja, em última instância, superior. >
"Tempos depois, os papas tentaram vetar a escolha de um imperador ou rei, porque diziam que Deus lhes havia dado aquele poder", explicou Bellitto. >
Gelasius I também é lembrado por sua resposta ao Cisma Acaciano — uma separação entre as igrejas cristãs orientais e ocidentais entre 484 e 519. >
Durante esse período, ele afirmou a supremacia de Roma e do papado sobre toda a Igreja Católica, tanto no Oriente quanto no Ocidente, algo que, segundo especialistas, foi além do que qualquer um dos seus antecessores havia feito. >
Gelasius I é também responsável por uma celebração popular que ainda é comemorada todos os anos: ele estabeleceu o St Valentine's Day (Dia de São Valentim, na tradução livre para o português) em 14 de fevereiro de 496, com objetivo de homenagear o mártir cristão São Valentim. >
Alguns relatos dizem que Valentim foi uma espécie de padre que continuou a celebrar casamentos em segredo, mesmo quando eles foram banidos pelo imperador Claudius II. >
Historiadores acreditam que o Dia de São Valentim tem raízes no antigo festival romano da fertilidade e do amor, Lupercalia, e que a decisão de Gelasius I foi uma tentativa de tornar cristã uma tradição pagã.>
De acordo com o professor Bellitto, não há como saber com precisão qual era a aparência desses três papas. >
"A gente precisa lembrar que no Império Romano, e até mesmo na Idade Média, não se pensava em raça como se pensa nos dias de hoje. Não tinha nada a ver com a cor de pele", disse à BBC.>
As pessoas no Império Romano não lidavam com raça, mas sim com etnia", acrescentou. >
Philomena Mwaura, professora associada de Estudos Religiosos da Universidade de Kenyatta, em Nairóbi, destaca que a África Romana era multicultural, formada por povos berberes e grupos púnicos, ex-escravizados libertos e pessoas vindas de Roma. >
"A comunidade norte-africana era bem diversificada, e também ficava em uma rota comercial para muitas pessoas envolvidas na comercialização de antiguidades", explicou. >
Em vez de se identificarem com grupos étnicos específicos, ela afirma que "a maioria das pessoas que viviam nas áreas do Império Romano se identificava como romana.">
Acredita-se que depois de Gelasius I não houve outro papa de origem africana.>
"A Igreja Católica na África do Norte foi enfraquecida por muitas forças, incluindo a queda do Império Romano e também a incursão de muçulmanos no século 7", disse a professora Mwaura. >
Apesar disso, alguns especialistas dizem que a prevalência do islã na região não explica por si só a ausência de um papa africana nos últimos dois milênios. >
Segundo Bellitto, o processo para eleger um novo pontífice se tornou um "monopólio italiano" ao longo do tempo.>
Contudo, ele afirma que as chances de um papa vindo da Ásia ou da África nas próximas décadas são altas, uma vez que o número de católicos no hemisfério sul supera o do hemisfério norte.>
De fato, o catolicismo tem se expandido mais rapidamente na região da África Subsaariana hoje do que em qualquer outro lugar. >
Os dados mais recentes mostram que havia 281 milhões de católicos na África em 2023. Isso equivale a 20% da congregação mundial. >
Mas a professora Mwaura argumenta que, "embora o cristianismo seja muito forte na África, o poder da igreja ainda está no Norte, onde sempre estiveram os recursos".>
"Talvez, à medida que isso continue crescendo e se torne algo muito forte dentro do continente, chegue o momento em que teremos um papa africano", afirmou. >
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