Publicado em 29 de março de 2025 às 14:44
No final do século 19, os Estados Unidos eram uma superpotência em ascensão. E o Havaí era um pequeno Estado independente, chefiado por uma rainha nativa.>
Mas, em breve, tudo mudaria para sempre.>
Na década de 1890, o Havaí foi o cenário de conspirações, tensões políticas e manobras militares. Este processo culminaria com a decisão do presidente americano William McKinley (1843-1901) de anexar o arquipélago aos EUA, em 1898.>
A medida foi decisiva para a expansão territorial do país. E, segundo alguns autores, para a formação do "imperialismo americano".>
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Mas como era o Havaí naquela época? Por que os Estados Unidos tinham interesse em um local tão isolado? E como eles conseguiram tomar posse do arquipélago?>
Esta é a história de como um país que emergia como uma grande potência mundial se apossou de um remoto reino insular e o transformou em um enclave estratégico para projetar e defender seu poderio global.>
No início da década de 1890, o Havaí era uma monarquia independente, onde reinava a soberana nativa Lili'uokalani (1838-1917).>
Localizado a meio caminho das rotas marítimas que ligavam os mercados americano e asiático, o arquipélago se transformava em uma peça cada vez mais cobiçada, em um mundo dominado pela disputa entre as grandes potências coloniais europeias, às quais se uniria brevemente a concorrência dos Estados Unidos.>
A população polinésia autóctone havia assistido, nas décadas anteriores, à chegada de europeus e americanos. Eles eram atraídos pelas altas margens de lucro do cultivo de açúcar nas ilhas havaianas.>
Muitos imigrantes japoneses também trabalhavam naquelas plantações. Eles eram frequentemente submetidos a exploração e abusos. Mas sua presença, aliada à localização estratégica do arquipélago e sua importância comercial cada vez maior, alimentava o desejo do Japão de tomar posse do Havaí.>
A influência americana também vinha em crescimento, sobretudo devido ao papel dos comerciantes americanos. Eles dominavam os negócios relacionados ao açúcar, bem como grande parte do poder local.>
"Eles ficaram muito ricos e, agora, queriam que seu poder político igualasse o econômico", explica à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o historiador americano Robert Merry, autor de uma biografia do presidente McKinley.>
A rainha Lili'uokalani planejava promover uma nova Constituição que garantisse o direito dos nativos ao voto e reforçasse o poder da Coroa havaiana.>
A notícia deixou os produtores brancos alarmados. Eles consideravam que os planos da rainha poderiam colocar em risco seus privilégios. E a decisão do governo americano de cobrar impostos de importação para proteger os produtores de açúcar dos Estados Unidos agravou ainda mais a situação.>
O historiador americano Tennant McWilliams (1943-2023) afirmava que tudo isso "criou um grande problema para os produtores de açúcar do Havaí. Só havia uma forma para que eles sobrevivessem: passar a fazer parte dos Estados Unidos.">
Com este objetivo em mente, eles organizaram um complô contra a rainha, com o apoio do representante americano no arquipélago, John L. Stevens (1820-1895). A eles se uniu um grupo de mais de uma centena de fuzileiros navais americanos, que chegaram à capital havaiana, Honolulu, em um navio da Marinha dos Estados Unidos que estava na região.>
"A rainha ficou sob enorme pressão e renunciou ao trono", conta Merry.>
Com a rainha detida e vigiada por homens armados, os agricultores brancos formaram um governo provisório, que solicitou a Washington a anexação do Havaí aos Estados Unidos.>
O então presidente americano Benjamin Harrison (1833-1901) era favorável à ideia. Mas Merry conta que ele "enviou uma proposta de tratado de anexação ao Congresso, que foi recebida de forma modesta. Por isso, ele voltou atrás.">
A questão havaiana ficaria pendente para o sucessor de Harrison na Casa Branca em 1893: Grover Cleveland (1837-1908).>
A chegada de Cleveland à presidência americana trouxe uma reviravolta para a questão do Havaí.>
O novo presidente ordenou uma investigação sobre os acontecimentos que levaram à queda de Lili'uokalani e suas conclusões foram as mais contrárias possíveis aos desejos dos produtores de açúcar.>
Um artigo publicado pelo Instituto Gilder Lehrman de História dos Estados Unidos indica que "Cleveland se negou a levar a cabo a anexação do Havaí porque sua crença na justiça e na honra dos Estados Unidos se chocava com as ações para manter um governo provisório percebido como antidemocrático.">
O presidente declarou, em uma mensagem de 1893, que "é política estabelecida dos Estados Unidos conceder aos povos de outros países a mesma liberdade e independência (...) que sempre reivindicamos para nós".>
McWilliams destaca que, ao tomar conhecimento do relatório, Cleveland "não só condenou a agressividade dos Estados Unidos, a conspiração e o sigilo de tudo aquilo como ilegal e imoral, como também exigiu uma solução moral e muito pragmática: devolver o poder à rainha".>
Mas os americanos que haviam destronado a soberana se negaram a obedecer ao presidente — que, por sua vez, também não insistiu. "Cleveland não estava interessado em uma intervenção militar no Havaí" contra americanos, segundo Merry.>
A contradição entre as posturas dos presidentes Harrison e Cleveland demonstra as diferentes visões sobre o papel que os Estados Unidos deveriam desempenhar no mundo, em um momento em que o país já se apresentava como grande potência industrial e militar.>
Cleveland era isolacionista e não via benefícios para o seu país na anexação daquelas ilhas distantes na Polinésia. Mas outros americanos continuavam acreditando na teoria do Destino Manifesto.>
Popularizada em meados do século 19, esta teoria afirma que os Estados Unidos seriam uma nação predestinada a se expandir e dominar o mundo. Por isso, as ideias isolacionistas de Cleveland logo seriam derrotadas.>
Em 1897, entra em cena outro protagonista desta história: William McKinley, que passa a ser o novo presidente dos Estados Unidos.>
Ele retoma à questão havaiana, que não havia sido um tema dominante na campanha eleitoral vencida por ele.>
Descrito como "ardente imperialista", McKinley voltou a ser lembrado nos últimos tempos nos Estados Unidos. O atual presidente, Donald Trump, reivindica o legado do seu antecessor e admira a expansão territorial produzida durante seu mandato.>
McKinley retomou alguns dos argumentos defendidos por Harrison a favor da anexação, como o risco de que o Havaí pudesse cair nas mãos de alguma potência estrangeira. Ele considerava que esta seria uma possível ameaça à segurança dos Estados Unidos.>
Sua tese é semelhante aos argumentos atuais de Donald Trump sobre a Groenlândia e o Canal do Panamá.>
"McKinley não era um visionário que chegou com grandes ambições territoriais à presidência americana", explica Merry, "mas sim um grande gestor, que sabia observar as oportunidades e percebeu que a manutenção do Havaí como entidade independente no Pacífico provavelmente não era viável.">
Por isso, em 1897, o então presidente americano tentou, pela primeira vez, fazer com que o Congresso dos Estados Unidos aprovasse a anexação do arquipélago.>
McKinley tentou convencer os legisladores que, se os Estados Unidos não o fizessem, o Japão tomaria a iniciativa e se apossaria do Havaí. Mas a anexação foi novamente rejeitada.>
A sorte dos havaianos só seria decidida no ano seguinte, influenciada por uma guerra deflagrada em uma ilha muito distante do Havaí: Cuba, onde os rebeldes locais passaram anos combatendo o domínio espanhol e lutando pela sua independência.>
A incapacidade da Espanha de conter a insurreição causava irritação nos Estados Unidos. Afinal, uma potência europeia em decadência estava desestabilizando o que os americanos consideravam sua área de influência, prejudicando seus interesses na região.>
Washington exigia a Madri que fizesse concessões aos insurgentes cubanos. Inicialmente, as exigências não foram atendidas. E, quando a Espanha cedeu, as concessões acabaram sendo insuficientes para trazer a paz.>
Por fim, os Estados Unidos entraram em guerra contra a Espanha, que ainda conservava três últimos vestígios do seu vasto império: Cuba, Porto Rico e as Filipinas.>
A guerra "levou os Estados Unidos a anexar o Havaí, porque demonstrou a importância militar do arquipélago frente ao aspecto moral da anexação", segundo o Instituto Gilder Lehrman.>
O Havaí havia se transformado em um ponto fundamental de escala e abastecimento. O arquipélago servia de plataforma para possibilitar à Marinha americana, cada vez mais poderosa, atacar alvos espanhóis nas Filipinas.>
Por fim, em 12 de agosto de 1898, McKinley sancionou a lei aprovada no dia anterior pelo Congresso, transformando o Havaí em território americano.>
Desde a sua anexação, o Havaí é uma das grandes plataformas do poderio dos Estados Unidos na região da Ásia e do Pacífico.>
Merry explica que, "no final do século 19, você precisava do Havaí para ter posição dominante no Pacífico".>
"Era a época dos grandes navios de aço movidos a carvão, e os Estados Unidos estavam formando uma grande frota, que precisava de um ponto de abastecimento", prossegue o historiador.>
Em 1941, o ataque a Pearl Harbor marcou o início das hostilidades japonesas contra os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O evento deixou evidente a importância do Havaí.>
"O Japão atacou o Havaí, mas, se tivesse o controle do arquipélago, teria conseguido atacar a costa oeste dos Estados Unidos.">
Décadas depois, o Havaí continua sendo a base da Frota do Pacífico, a maior da Marinha americana. São 200 navios e cerca de 1,5 mil aviões.>
Agora que a China é a grande rival dos americanos, "o Havaí ainda é a base para as armas e os recursos empregados pelos Estados Unidos para continuar atuando como potência na Ásia e no Pacífico", conclui Merry.>
A queda da monarquia havaiana e o estabelecimento da soberania dos Estados Unidos sobre o arquipélago formam um episódio histórico espinhoso. Afinal, embora tenham contribuído para o crescimento de um país (os Estados Unidos), os eventos também levaram ao desaparecimento de outra nação – o Havaí independente.>
As ações dos produtores brancos de açúcar que derrubaram a rainha Lili'uokalani foram condenadas pelo presidente Cleveland e também por muitas pessoas, no Havaí e nos Estados Unidos.>
A decisão de McKinley de anexar o Havaí também ignorou, entre outros, os milhares de nativos que assinaram uma petição para que a anexação não fosse realizada.>
Em 1993, quase 100 anos depois, o Congresso americano aprovou uma resolução pedindo "desculpas aos nativos havaianos pela derrubada do reino do Havaí".>
A resolução qualificou de "ilegal" a conspiração que levou à queda de Lili'uokalani e reconheceu que, antes da incorporação aos Estados Unidos, "o povo nativo havaiano vivia em um sistema social altamente organizado e autossuficiente, baseado na posse comunitária da terra".>
A convicção de que os acontecimentos que levaram à anexação do Havaí foram um agravo injusto aos nativos gerou um movimento pela soberania do Havaí, que permanece ativo no arquipélago até hoje.>
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