Publicado em 18 de agosto de 2025 às 20:25
Uma decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), indica que empresas podem ser punidas no Brasil caso apliquem sanções contra o ministro Alexandre de Moraes seguindo determinação do governo de Donald Trump.>
Na decisão proferida na segunda-feira (18/8), Dino proíbe a aplicação no Brasil de sentenças judiciais e leis estrangeiras que não estejam validadas por acordos internacionais ou referendadas pela Justiça brasileira.>
Isso inclui a Lei Magnitsky, dos Estados Unidos, que foi usada pelo governo Donald Trump para retaliar Moraes devido a sua atuação no processo criminal que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta no STF.>
Para Trump, Moraes está perseguindo politicamente seu aliado e, por isso, se enquadra nos alvos dessa lei, desenhada originalmente para punir autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.>
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Horas após a decisão de Dino, o Departamento de Estado dos EUA publicou na rede social X que "nenhum tribunal estrangeiro pode anular as sanções impostas pelos EUA ou proteger alguém das severas consequências de descumpri-las".>
Há três consequências principais para quem é colocado na lista de sancionados pela Lei Magnitsky: proibição de viagem aos EUA, congelamento de bens nos EUA e proibição de qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo penalizado.>
Em tese, isso impediria Moraes de usar, por exemplo, cartões de crédito de bandeiras americanas, ou de ter contas e investimentos em bancos que atuem no mercado americano.>
No entanto, os efeitos disso no Brasil ainda não são claros, e a nova decisão de Dino evidencia um impasse para as empresas afetadas: se descumprirem a lei americana, podem ser punidas nos EUA; por outro lado, se aplicarem sanções no Brasil em desrespeito a leis brasileiras, também podem ser punidas aqui.>
"Acredito que, se as empresas aplicarem a lei estrangeira em desrespeito à decisão do STF, os indivíduos lesados poderão buscar reparação judicial", afirmou à reportagem Larissa Ramina, professora de direito internacional da Universidade Federal do Paraná.>
"A decisão do Dino não inventou a roda, apenas afirma o óbvio: no Brasil se aplica a lei brasileira, lei estrangeira só se aplica mediante validação pelos mecanismos de cooperação internacional. Trata-se do desdobramento mais simples de algo que chamamos 'soberania'", disse ainda.>
Dino determinou que o Banco Central, a Federação Brasileira de Bancos e outras instituições do sistema financeiro brasileiro fossem notificados da decisão.>
Segundo um ministro da Corte ouvido pela reportagem, empresas que queiram evitar punições nos EUA por eventual descumprimento da Lei Magnitsky no Brasil poderão recorrer à Justiça americana ou buscar diálogo político com a gestão Trump.>
Além da inclusão na Lei Magnitsky, Moraes enfrenta um processo nos EUA, movido pela plataforma Rumble. A empresa acusa o ministro de censura por determinar a suspensão de contas.>
Para Larissa Ramina, a decisão de Dino passou um claro recado sobre a aplicação da Lei Magnitsky no Brasil, embora não a cite diretamente.>
A decisão foi tomada em uma ação que questiona no STF um processo movido contra as mineradoras Vale e BHP na Inglaterra por vítimas do rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015.>
A ação, apresentada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), argumenta que seria inconstitucional processos movidos por municípios brasileiros no exterior, sob o argumento de que estariam ferindo a soberania nacional ao desconsiderar a autoridade do Judiciário brasileiro.>
Em decisão de outubro passado referendada pelo plenário do STF, Dino acatou os argumentos do Ibram e proibiu que municípios brasileiros levem adiante contratos com escritórios estrangeiros nessas ações.>
Depois disso, a Justiça inglesa determinou que o Ibram desista dessa ação no Brasil, sob o argumento de que a proibição de pagar os escritórios estaria dificultando o andamento da ação na Inglaterra.>
Na sequência, os municípios afetados peticionaram ao STF em março para que fosse cumprida a decisão inglesa.>
Foi a partir dessa movimentação que Dino decidiu, agora, reiterar o veto à aplicação de decisões e leis estrangeiras no Brasil sem homologação.>
Em sua decisão, o ministro diz que o cenário mudou desde a proposição da ação pelo Ibram, há pouco mais de um ano, "sobretudo com o fortalecimento de ondas de imposição de força de algumas Nações sobre outras".>
"Com isso, na prática, têm sido agredidos postulados essenciais do Direito Internacional. Instituições do multilateralismo são absolutamente ignoradas", disse ainda.>
"Nesse contexto, o Brasil tem sido alvo de diversas sanções e ameaças, que visam impor pensamentos a serem apenas 'ratificados' pelos órgãos que exercem a soberania nacional", reforçou.>
Na decisão, o ministro estabeleceu ainda que "ficam vedadas imposições, restrições de direitos ou instrumentos de coerção executados por pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, bem como aquelas que tenham filial ou qualquer atividade profissional, comercial ou de intermediação no mercado brasileiro, decorrentes de determinações constantes em atos unilaterais estrangeiros".>
Além disso, determinou a ineficácia, no Brasil, da decisão inglesa obrigando o Ibram a desistir da ação no STF.>
No entanto, a decisão de Dino não afeta a eficácia da decisão na Inglaterra, explicou à reportagem a advogada Nadia de Araujo, professora de direito internacional privado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).>
Segundo a professora, a Justiça inglesa pode multar as empresas envolvidas na ação na Inglaterra caso o Ibram — instituto que representa mineradoras no Brasil, incluindo Vale e BHP — não siga a determinação de abandonar a ação no STF.>
A BHP é uma multinacional com sede na Austrália, mas com presença também na Inglaterra.>
"O ministro tornou ineficaz aqui, porque isso é contra a nossa soberania. Mas se o juiz de lá der uma multa, não tem nada o que fazer. Só se a cobrança da multa tiver que ser executada aqui, aí a decisão terá que ser homologada aqui para ser cumprida", explicou.>
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