Publicado em 19 de junho de 2025 às 17:39
No início de uma manhã de fevereiro, o capitão Nate Wordal, piloto da Força Aérea Americana e caçador de tempestades, decolou da Base Aérea de Yokota, a oeste da capital japonesa, Tóquio.>
Depois de enfrentar alguma turbulência vindo do monte Fuji, ele se dirigiu à vasta extensão azul do Oceano Pacífico. Seu destino: um tipo de tempestade conhecido como rio atmosférico, que se desenvolvia no litoral do Japão.>
Os rios atmosféricos são fitas invisíveis de vapor d'água no céu. O capitão Wordal procurava tempestades que se formam no Oceano Pacífico e se movem para leste, até alcançarem a Costa Oeste dos Estados Unidos.>
Quando eles atingem a costa e sobem pelas montanhas, o vapor se resfria e se transforma em chuva ou neve, que se acumula no solo e pode causar enchentes e avalanches devastadoras.>
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Mas os "rios do céu" também trazem benefícios – e são fundamentais para evitar as secas. No Estado americano da Califórnia, eles fornecem até 50% da chuva e neve anuais, em apenas alguns dias.>
O fenômeno ocorre no inverno do hemisfério norte, o que traz mais trabalho para pilotos caçadores de tempestades como o capitão Wordal, após o término da estação dos furacões, no verão.>
"Nossa principal missão ao longo do ano é a caça aos furacões", explica Wordal.>
O capitão é caçador de furacões do 53° Esquadrão de Reconhecimento Climático da Força Aérea Americana. >
Ele normalmente passa os meses de maio a novembro voando através de furacões e depositando instrumentos meteorológicos que capturam dados em tempo real para o Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos.>
"A nossa segunda estação, que iniciamos nos últimos anos, é esta missão dos rios atmosféricos", destaca ele.>
Nesta nova temporada, os voos coletam dados sobre estas tempestades, tipicamente entre os meses de novembro e março.>
Em 2025, pela primeira vez, alguns dos voos começaram no Japão, além dos aviões que saem do Havaí e da Costa Oeste americana. O objetivo é avaliar as tempestades no início da viagem e criar previsões do tempo mais precisas.>
De forma geral, "o nosso clima se move de oeste para leste pelo Hemisfério Norte", explica Anna Wilson, especialista em condições climáticas extremas.>
"Por isso, quanto mais precisas forem as informações sobre uma tempestade mais [a oeste], mais você poderá entender sobre a sua evolução", incluindo a quantidade de chuva ou neve que ela irá trazer quando atingir terra firme.>
Wilson é gerente de pesquisas de campo do Centro de Extremos de Água e do Clima do Oeste do Instituto de Oceanografia Scripps, da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos. >
A instituição é parceira da missão, ao lado da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês).>
Os voos são conhecidos como a campanha de Reconhecimento de Rios Atmosféricos (AR Recon, na sigla em inglês). Eles foram iniciados há quase 10 anos pelo Scripps, pela Noaa e pela Força Aérea Americana.>
O escopo e o alcance das missões cresceram desde então, já que os rios atmosféricos e seus impactos passaram a ganhar cada vez mais importância.>
No oeste dos Estados Unidos, os rios atmosféricos são a principal causa de danos ocasionados pelas cheias, que totalizam mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,7 bilhões) por ano.>
Estes fenômenos estão ficando maiores e os rios mais fortes estão se tornando mais frequentes. Isso se deve às mudanças climáticas, pois o ar mais quente retém mais umidade.>
Mas a capacidade de prever, se preparar e enfrentar estas tempestades e as cheias que elas causam também está aumentando, graças aos dados obtidos pelos aviões.>
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"Nós voamos até o [rio atmosférico] e o cruzamos várias vezes, se pudermos", explica o meteorologista Marty Ralph, diretor do Centro de Extremos da Água e do Clima do Oeste no Scripps e principal pesquisador do programa de Reconhecimento de Rios Atmosféricos.>
Para coletar os dados, a equipe na parte de trás de cada avião lança instrumentos cilíndricos no rio atmosférico. Trata-se de sondas, chamadas em inglês de dropsondes.>
Estas sondas coletam os dados enquanto caem através da tempestade em evolução. Elas medem a temperatura, pressão do ar, vento e umidade, além da direção da tempestade.>
Os voos que saem do Japão também lançam boias oceânicas. Cada uma delas tem "o tamanho aproximado de uma máquina de lavar", segundo o capitão Wordal.>
Estas boias flutuam no Oceano Pacífico. Elas medem as ondas e a temperatura da água, para um programa de observação dos oceanos conduzido pela Noaa.>
"Nossos dados estão mudando as previsões de onde [o rio atmosférico] irá atingir a costa, quando, com que potência e de qual ângulo", explica Ralph.>
Estas medições servem para complementar os dados obtidos por satélite.>
As informações fornecidas pelos aviões resultam em previsões mais precisas, dias antes da chegada das tempestades, pelo que indicam as avaliações dos seus impactos.>
Estas previsões podem ajudar os serviços meteorológicos a emitir os alertas necessários com antecedência. Elas também auxiliam os gerentes dos reservatórios a decidir pela liberação ou não da água armazenada, para receber a chuva que está chegando e evitar enchentes.>
Até 2025, os voos avaliavam os rios atmosféricos e alimentavam as informações para as previsões até cinco dias antes que as tempestades atingissem a costa.>
Agora, com os voos do Japão, o objetivo é estender estas previsões detalhadas e precisas por mais alguns dias, oferecendo às pessoas em terra ainda mais antecedência para poderem se preparar para os eventos.>
"Nosso objetivo ao seguirmos para o oeste do Pacífico é, talvez, tentar conseguir previsões com oito ou até 10 dias de antecedência", afirma Ralph.>
"Quanto mais a oeste conseguirmos ir, maior a probabilidade de conseguirmos ampliar a precisão em mais de cinco dias.">
Ele destaca que pode haver diversas tempestades, influenciando e, às vezes, se fundindo umas com as outras. "Não é como se uma única tempestade se movesse por todo o caminho", segundo Ralph.>
Cada rio atmosférico pode ter várias centenas de quilômetros de largura e transportar mais de 20 vezes a quantidade de água do rio Mississippi, nos Estados Unidos.>
Os voos do Japão começaram no dia 3 de fevereiro. Eles avaliaram um grande rio atmosférico que se formou no litoral do Japão, explica Ralph, mostrando uma série de mapas em uma chamada de vídeo.>
Ele conta que, nos dias que se seguiram, aquele rio atmosférico ocasionou um ciclone a noroeste do Havaí. Estudos indicam que os rios atmosféricos podem produzir ciclones mais poderosos, devido à umidade que eles carregam.>
Outro voo que saiu do Havaí avaliou aquele ciclone e mais aviões voaram sobre novos rios atmosféricos que se desenvolviam a partir do Japão, segundo Ralph.>
Estes rios passaram cerca de uma semana se movendo para leste, aumentando de potência. E mais um deles ocasionou um ciclone.>
A tempestade chegou ao litoral da Califórnia no dia 12 de fevereiro. Ela trouxe forte chuva e enchentes à região e profunda neve para Sierra Nevada, aumentando o nível dos rios e reservatórios.>
A tempestade forçou algumas evacuações, devido ao risco de deslizamentos perto das cicatrizes causadas pelos recentes incêndios de Eaton e Palisades, em Los Angeles.>
Mas ela também ajudou a reduzir a seca no centro e no sul da Califórnia, segundo uma análise preliminar. O evento ilustra os benefícios que acompanham os riscos dos rios atmosféricos.>
Para os pilotos, esta missão, de certa forma, é menos intensa do que a caça aos furacões, segundo o capitão Wordal. Mas os longos voos necessários para caçar esses rios atmosféricos podem durar 10 horas ou mais e apresentam seus próprios desafios, como o cansaço.>
As missões empregam as aeronaves Lockheed WC-130J Hurricane Hunter, da Força Aérea Americana, e Gulfstream 4, da Noaa.>
"O voo é completamente diferente [da caça aos furacões]", explica o capitão Wordal.>
Para avaliar um furacão, ele e sua tripulação voam para dentro da tormenta e passam duas a quatro horas enfrentando condições intensas.>
"Algumas pessoas comparam com dirigir em um lava-jato, pois você recebe quantidades de chuva simplesmente inacreditáveis", além de granizo, relâmpagos e forte turbulência, ele conta.>
Em comparação, o voo sobre ou através de um rio atmosférico em formação é calmo, segundo o capitão Wordal.>
"Fazemos essas corridas gigantes através do Oceano Pacífico, voos realmente longos, obtendo os dados deste rio atmosférico que voa pelo céu.">
Mas, à medida que os rios atmosféricos se aproximam da costa oeste americana, eles ficam mais agressivos. E a tripulação pode vivenciar condições mais turbulentas e tempestuosas, explica ele.>
Com isso, retornar para a base e aterrissar no litoral fica muito mais difícil, devido aos ventos intensos e à chuva que cai sobre a pista de aterrissagem.>
Wordal destaca que, na sua experiência, o desafio é se manter totalmente alerta e preparado para apoiar a tripulação que realiza as medições e manter todos em segurança.>
Os pilotos (normalmente, dois ou três) garantem que o avião esteja onde precisa estar e que não haja navios abaixo.>
Os navegadores são uma parte importante da missão. Eles trabalham em estreita cooperação com os pilotos e os meteorologistas, para mapear um plano de voo seguro e eficiente, explica o capitão.>
Na parte de trás do avião, os operadores de carga carregam e lançam as sondas, enquanto os meteorologistas processam os dados de cada uma delas em tempo real e os enviam para o Scripps.>
"Em seguida, eles partem para a próxima sonda", prossegue ele. "Eles fazem isso por horas de cada vez e têm muito trabalho no fundo do avião. Eles ficam realmente concentrados.">
O impacto dos voos que saem do Japão e o potencial de seus efeitos para as previsões do tempo e a situação em terra ainda estão sendo analisados, segundo Ralph e Wilson.>
"O que esperamos muito poder observar, com base nos nossos resultados anteriores [e nos resultados preliminares da missão japonesa], é o aumento da antecedência para eventos impactantes na Costa Oeste americana", explica Wilson, "simplesmente por contarmos com estas observações iniciais antecipadas, no local onde alguns desses rios atmosféricos estão sendo gerados".>
Anna Wilson é coordenadora do programa AR Recon.>
"Melhorar cada vez mais o direcionamento aos pontos certos e, então, observar os efeitos sobre as previsões do tempo na Costa Oeste americana, realmente, é emocionante", destaca ela.>
Em 2021, por exemplo, voos que saíram do Havaí avaliaram diversos ciclones e rios atmosféricos, cerca de cinco dias antes que eles atingissem a Califórnia.>
Sem os dados das sondas, a previsão foi de uma tempestade não muito preocupante. Mas os dados alteraram a previsão para uma grande tempestade causada por rio atmosférico, segundo Ralph.>
Esta previsão ajudou as pessoas a se prepararem. Sabendo que uma grande tempestade estava a caminho, "a comunidade de preparação contra emergências entrou em ação, fechando estradas e evacuando bairros, antecipando uma possível tempestade séria", ele conta.>
Quando a tempestade chegou, ela causou danos substanciais, "mas nenhuma vida humana foi perdida, em uma história de sucesso da preparação para emergências".>
Toda esta preparação também pode ser fundamental para a prevenção de secas, segundo Marty Ralph.>
Ele explica que, como os rios atmosféricos são muito importantes para o fornecimento de água, os gerentes dos reservatórios enfrentam uma escolha difícil antes da chegada de cada tempestade.>
Se eles esvaziarem um reservatório cheio antes de uma grande tempestade com previsão de chuvas pesadas e aquela chuva for menor que a esperada, eles acabam perdendo o abastecimento de água para o verão seguinte.>
Neste caso, "se não houver novas tempestades naquele inverno, eles podem nunca conseguir repor aquela água [antes da chegada do verão]", quando ela será necessária para a agricultura, por exemplo.>
Mas, se os gerentes dos reservatórios tiverem previsões precisas graças aos voos, informando que há uma grande tempestade chegando em três dias, por exemplo, eles podem liberar a água do reservatório com confiança, sabendo quanta chuva virá, e criar espaço para armazená-la.>
Quando passou a estação dos rios atmosféricos, o capitão Nate Wordal estava pronto para assumir sua outra tarefa: perseguir furacões.>
"É no fim de maio que começa a estação dos furacões", diz. "Abril e maio são meses de baixa, quando retomamos o nosso treinamento e deixamos todos a postos – até nos lançarmos na estação das tempestades tropicais.">
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.>
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