Publicado em 25 de setembro de 2025 às 10:33
Médicos afirmam terem tratado com sucesso, pela primeira vez, a doença de Huntington, uma das mais cruéis e devastadoras enfermidades que existem no mundo.>
A doença é genética, mata células cerebrais e seus pacientes parecem sofrer de uma combinação de demência, mal de Parkinson e doença do neurônio motor.>
A equipe de pesquisa ficou emocionada e chegou às lágrimas, ao descrever os dados que demonstram que a velocidade de avanço da doença foi reduzida em 75%.>
Isso significa que o declínio normalmente esperado em um ano levaria quatro anos para ocorrer após o tratamento, oferecendo aos pacientes décadas de "boa qualidade de vida", declarou à BBC a professora Sarah Tabrizi.>
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O novo tratamento é uma espécie de terapia genética, administrada durante uma delicada cirurgia cerebral, que dura entre 12 e 18 horas.>
Os primeiros sintomas da doença de Huntington costumam surgir na casa dos 30 ou 40 anos de idade. Ela normalmente é fatal em questão de duas décadas, o que abre a possibilidade de que o tratamento precoce possa até impedir o surgimento dos sintomas.>
Tabrizi é diretora do Centro de Doença de Huntington do University College de Londres (UCL). Ela descreveu os resultados como "espetaculares".>
"Nunca, nem nos nossos sonhos mais extravagantes, teríamos esperado uma redução de 75% da velocidade de progressão clínica", declarou ela.>
Os pacientes tratados não foram identificados, mas um deles foi aposentado por razões médicas e voltou a trabalhar. Outros participantes do teste continuam andando, quando já era esperado que eles precisassem de cadeira de rodas.>
O tratamento provavelmente será muito caro. Mas este é um momento de real esperança para o tratamento de uma doença que atinge as pessoas no melhor momento da vida, devastando famílias em todo o mundo.>
A doença de Huntington é uma presença na família de Jack May-Davis. Ele tem o gene que causa a enfermidade, como ocorreu com seu pai, Fred, e sua avó, Joyce.>
Ele conta que foi "realmente terrível e assustador" assistir ao inexorável declínio do seu pai.>
Os primeiros sintomas de Fred May-Davis surgiram com pouco menos de 40 anos de idade. Eles incluíram mudanças de comportamento e dos seus movimentos.>
Ele chegou a precisar de cuidados paliativos 24 horas por dia, sete dias por semana, antes de morrer em 2016, com 54 anos.>
Jack May-Davis tem 30 anos de idade. Ele trabalha como auxiliar em um escritório de advocacia, ficou recentemente noivo de Chloe e participou da pesquisa do UCL .>
Ele sempre soube que estava destinado a passar pelo mesmo processo do pai, pelo menos até hoje.>
Ele conta que esta descoberta "absolutamente incrível" o deixou "maravilhado". Agora, ele pode olhar para um futuro que "parece um pouco mais alegre e me permite pensar que a minha vida poderá ser muito mais longa".>
A doença de Huntington é causada por um erro de DNA chamado gene huntingtino.>
Se um dos seus pais tiver a enfermidade, existe 50% de possibilidade que você herde o gene alterado e acabe também desenvolvendo a doença.>
Esta mutação transforma uma proteína normal, necessária para o cérebro — a proteína huntingtina —, em um assassino de neurônios. O objetivo do tratamento é reduzir permanentemente os níveis dessa proteína tóxica, em uma única dose.>
A terapia faz uso de medicina genética de ponta. Ela combina a terapia genética com tecnologias de silenciamento de genes.>
Tudo começa com um vírus seguro, que foi alterado para conter uma sequência de DNA especialmente projetada.>
Ele é introduzido profundamente no cérebro, usando imagens de ressonância magnética para orientar um microcateter em duas regiões do cérebro, o núcleo caudado e o putâmen. A neurocirurgia leva entre 12 e 18 horas. >
O vírus age, então, como um carteiro microscópico, fornecendo o novo trecho de DNA para o interior das células cerebrais, onde é ativado.>
Este procedimento transforma os neurônios em uma fábrica produtora da terapia, evitando sua própria morte.>
As células produzem um pequeno fragmento de material genético (chamado microRNA), projetado para interceptar e desativar as instruções enviadas pelo DNA das células (RNA mensageiro), para construir huntingtina mutante.>
O processo resulta na redução dos níveis de huntingtina mutante no cérebro.>
O teste envolveu 29 pacientes e os resultados foram divulgados em uma declaração da empresa uniQure. Mas eles ainda não foram completamente publicados para análise por outros especialistas.>
Os dados demonstram que, três anos após a cirurgia, houve, em média, 75% de redução da velocidade de avanço da doença, com base em uma medição que combina a cognição, funções motoras e a capacidade de se autogerenciar no dia a dia.>
Os dados também demonstram que o tratamento está salvando as células cerebrais.>
Os níveis de neurofilamentos no fluido espinhal (um claro sinal da morte de células do cérebro) deveriam ter aumentado em um terço, se a doença continuasse a progredir. Mas, na verdade, eles são inferiores aos do início do teste.>
"Este é o resultado que estávamos esperando", segundo o professor Ed Wild, consultor em neurologia do Hospital Nacional de Neurologia e Neurocirurgia do UCL.>
"Havia uma grande possibilidade de nunca observarmos um resultado como este. Por isso, viver em um mundo em que não só sabemos que isso é possível, mas podemos observar a real magnitude dos seus efeitos, é de tirar o fôlego. É muito difícil reprimir completamente a emoção.">
Wild declarou que pensar nos impactos que esta técnica pode ter sobre as famílias "traz algumas lágrimas".>
O tratamento foi considerado seguro, mas alguns pacientes, de fato, desenvolveram inflamações causadas pelo vírus, gerando confusão e dores de cabeça. Estes sintomas se resolveram sozinhos ou exigiram tratamento com esteroides.>
Wild prevê que a terapia "deverá ser duradoura", pois o corpo não substitui as células cerebrais da mesma forma que ocorre com o sangue, os ossos e a pele, que são constantemente renovados.>
Cerca de 75 mil pessoas sofrem da doença de Huntington no Reino Unido, nos EUA e na Europa. E centenas de milhares carregam a mutação, o que significa que elas irão desenvolver a doença.>
No Brasil, não existem estatísticas oficiais, mas o Ministério da Saúde estima a existência de "13 mil a 19 mil portadores do gene e de 65 mil a 95 mil pessoas em risco".>
A uniQure afirma que irá solicitar a licença nos Estados Unidos no primeiro trimestre de 2026. O objetivo é lançar o medicamento no final do ano que vem.>
Os contatos com autoridades britânicas e da União Europeia serão iniciados no próximo ano, mas o foco inicial serão os Estados Unidos.>
O responsável médico da uniQure, Walid Abi-Saab, declarou estar "incrivelmente entusiasmado" com o significado desses resultados para as famílias. Ele destacou que o tratamento tem "potencial de transformar fundamentalmente" a doença de Huntington.>
Mas o medicamento não será disponível para todos, devido à alta complexidade da cirurgia e aos custos já calculados. "Certamente, será caro", segundo ele.>
Não há um preço oficial para a medicação. As terapias genéticas, muitas vezes, têm altos custos, mas seus impactos a longo prazo fazem com que elas ainda possam ser acessível.>
No Reino Unido, o serviço público de saúde NHS paga 2,6 milhões de libras (cerca de R$ 18,6 milhões) por paciente, para oferecer terapia genética contra a hemofilia B.>
Tabrizi afirma que esta terapia genética "é o começo" e irá abrir as portas para terapias que possam atingir mais pessoas.>
Ela destaca os voluntários "muito corajosos" que participaram do teste e conta que ficou "exultante pelos pacientes e pelas famílias".>
Tabrizi já trabalha junto a um grupo de jovens que sabem que têm o gene, mas ainda não apresentam sintomas. Eles têm o que é conhecido como Huntington em estágio zero.>
Ela pretende realizar o primeiro teste de prevenção, para observar se a doença pode ser significativamente retardada ou até suspensa por completo.>
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