Publicado em 25 de abril de 2025 às 05:39
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava preso havia pouco mais de um ano quando, em maio de 2019, veio à tona uma carta enviada a ele pelo papa Francisco, morto na última segunda-feira (21/4).>
A carta era uma resposta do papa a uma mensagem enviada por Lula cerca de um mês antes, em que então ex-presidente, preso por acusações posteriormente anuladas de corrupção e lavagem de dinheiro, agradecia ao papa pelo seu apoio "ao povo brasileiro pela justiça e pela defesa do direito dos pobres".>
Mas, mais que uma simples troca de mensagens entre líderes, as missivas foram o ápice de um processo de aproximação entre Lula e o papa que se iniciou meses antes e que envolveu reuniões no Vaticano, delicadas costuras diplomáticas, toques de filmes de espionagem e que contou até com a participação do compositor Chico Buarque.>
Na carta que o papa Francisco enviou a Lula, datada de 3 de maio de 2019, o pontífice menciona "as duras provas" que o então ex-presidente vivia, "especialmente a perda de alguns entes queridos". >
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Ele então cita nominalmente a ex-primeira-dama Marisa Letícia (morta em 2017), o irmão Genival Inácio (morto em janeiro de 2019) e Arthur, neto de Lula que havia morrido em 1º de março daquele ano, aos 7 anos de idade.>
"Quero manifestar-lhe minha proximidade espiritual e lhe encorajar pedindo para não desanimar e continuar acreditando em Deus", escreveu o pontífice.>
Embora não tivesse conteúdo político, a carta do papa gerou críticas de bolsonaristas à época, apesar de o então presidente Jair Bolsonaro (PL) não ter se manifestado sobre ela.>
Na então rede social Twitter, o escritor Olavo de Carvalho (morto em 2022) chamou a missiva de "cartinha" que tinha "autoridade zero" sobre os fiéis e que expressava apenas a "opinião de um argentino".>
Logo depois da prisão de Lula pela Operação Lava Jato, em 7 de abril de 2018, apoiadores iniciaram uma campanha para denunciar o que viam como irregularidades nos processos judiciais que pesavam contra ele.>
Eles também protestavam contra o que viam como um tentativa de impedir que Lula fosse candidato nas eleições presidenciais de 2018, quando Bolsonaro acabaria derrotando Fernando Haddad depois de a candidatura de Lula ter sido impugnada com base na Lei da Ficha Limpa.>
Parte desta campanha foi feita no exterior.>
Em julho de 2018, como parte de um evento organizado pela Via Campesina, movimento internacional de camponeses, uma comitiva formada pela jurista Carol Proner, o sociólogo e diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, a pastora luterana Cibele Kuss e a advogada Marinete Silva, mãe de Marielle Franco, foi recebida pelo papa em uma audiência na Casa Santa Marta, residência oficial do pontífice, no Vaticano.>
"Cada um tinha uma espécie de missão, de apresentar algumas das crises do Brasil", diz Proner, que levou ao papa documentos sobre o que é conhecido como lawfare, ou o uso de manobras jurídicas para fins políticos. Os apoiadores de Lula argumentam que sua prisão teria sido fruto desta prática.>
Antes disso, o embaixador Celso Amorim, atual assessor especial da Presidência, também havia tido uma audiência com o papa em que ele discutiu o caso de Lula com o pontífice.>
"Nós tínhamos uma denúncia sobre setores da Justiça brasileira", diz Proner, que entregou ao papa o livro Comentários a uma Sentença Anunciada, que traz críticas de juristas sobre os processos contra Lula e que foi organizado por ela.>
Meses depois, em novembro, uma nova comitiva foi recebida pelo papa em sua residência oficial. Desta vez, Proner estava acompanhada do marido, o compositor Chico Buarque.>
"Eu brinco que o Chico já estava formado em Direito Penal, ele já sabia tudo de Lava Jato", diz Proner à BBC News Brasil. A comitiva era formada também por uma jurista italiana e dois advogados argentinos, entre eles Juan Grabois, que atua junto aos movimentos sociais na Argentina e era uma figura bem próxima ao papa.>
O encontro ocorreu às 7h da manhã, e o grupo entregou ao papa 500 páginas de documentos que indicavam o que eles viam como prática do lawfare não só no Brasil, mas também na Argentina, Equador e outros países latino-americanos.>
"O papa ficou muito impressionado. Ele disse 'isso é muito perigoso', daquele jeito dele, um pouco simpático, um pouco argentino, um pouco impressionado", afirma Proner.>
De fato, a estratégia parece ter surtido efeito. Anos depois, em abril de 2023, o pontífice deu uma entrevista a um canal de televisão argentino em que citou o termo lawfare para criticar a condenação de Lula.>
A reunião no Vaticano ficou registrada em uma foto tirada pelo argentino Juan Grabois, embora ela não estivesse na agenda oficial do pontífice.>
"O Chico [Buarque] estava fascinado, mesmo tendo que acordar cedo. Ele nunca acorda antes das 9h da manhã", lembra Proner.>
Cerca de cinco meses depois do encontro dos brasileiros no Vaticano, Gilberto Carvalho foi contactado por Marco Aurélio Santana Ribeiro, atual chefe do Gabinete Pessoal do Presidente da República e então assessor de Lula, que continuava preso em Curitiba.>
Ex-seminarista, ex-ministro de Dilma Rousseff (PT) e um dos petistas mais próximos de Lula, Carvalho conta que Ribeiro trazia um recado do ex-presidente: ele queria enviar uma carta ao papa.>
E, para isso, Lula queria a ajuda de Carvalho, que é próximo de nomes importantes do clero brasileiro e no Vaticano.>
Carvalho conta que, ao receber a missão, decidiu que o ideal seria não enviar a carta pelos trâmites normais da burocracia do Vaticano. Ele temia que, pelo fato de Lula estar preso, a carta pudesse nunca chegar ao papa.>
Como já tinha uma viagem marcada a Roma, ele decidiu acionar um amigo, que, por sua vez, conhecia um amigo do papa. >
A ideia era encontrar a pessoa próxima ao pontífice e entregar a missiva em mãos para, assim, tentar garantir que ela chegasse ao seu destino.>
"Era um amigo íntimo do papa, alguém que era sempre recebido por ele. Ele me mandou o endereço de uma livraria em Roma e eu fui. Tomamos um cafezinho e eu entreguei a carta a ele, com o pedido que ela chegasse diretamente o papa", diz Carvalho à BBC News Brasil. >
O petista saiu da livraria sem ter ideia de se um dia a carta seria mesmo lida pelo pontífice.>
"Voltei ao Brasil sem saber o que aconteceria. Semanas depois, recebi uma ligação da Nunciatura Apostólica dizendo que eles tinham documentos para me entregar, documentos confidenciais", diz.>
A Nunciatura Apóstólica é a principal representante diplomática do Estado do Vaticano em um país, funcionando com uma espécie embaixada.>
Carvalho, que atualmente é secretário de Economia Popular e Solidária no Ministério do Trabalho, foi à sede da Nunciatura, em Brasília, para buscar os tais documentos. Recebeu, então, a resposta do papa à carta de Lula.>
"Lá eu encontrei o núncio [embaixador do Vaticano no Brasil] e ele me disse que tinha uma carta do Santo Padre ao presidente Lula, mas que tinha uma recomendação de manter absoluto sigilo. Eu compreendi o sigilo, porque, como o Vaticano também é um Estado, isso poderia causar alguma dificuldade com o governo Bolsonaro".>
Com a resposta do papa em mãos, Carvalho organizou uma maneira de enviar ela em segurança a Lula, que estava preso em Curitiba.>
"Mas já comecei a pensar em como poderíamos vazar aquela carta", diz Carvalho, usando o jargão político para quando informações secretas são divulgadas para o público.>
O problema é que divulgar o conteúdo da carta sem autorização do papa poderia deixar o pontífice contrariado. E mais, estremecer as relações diplomáticas entre o Vaticano e o então governo Jair Bolsonaro.>
Era preciso autorização do papa para divulgar a carta.>
Foi aí que, mais uma vez, foi acionado Juan Grabois, o advogado argentino próximo ao papa. O petista queria um sinal verde do Vaticano antes de tornar público o conteúdo da mensagem.>
"O Grabois ligou dias depois afirmando que o papa disse que a carta poderia ser aberta, que não tinha problema nenhum. Mas que não era para criar problemas para a Nunciatura no Brasil.">
Surgiu então a ideia de vazar a carta pela Europa. O conteúdo dela foi então primeiramente divulgado entre movimentos sociais e círculos acadêmicos europeus, para depois ser liberado para a imprensa no Brasil.>
Lula deixaria a prisão em novembro daquele ano. Em fevereiro de 2020, ele faria sua primeira viagem internacional após ser solto, ainda como ex-presidente. Seu destino foi o Vaticano, onde se encontrou com o papa Francisco.>
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