Publicado em 31 de dezembro de 2025 às 09:10
A Rússia, os Estados Unidos e a Ucrânia concordam que o acordo para pôr fim a quase quatro anos de guerra está próximo. Mas, segundo o presidente americano, Donald Trump, "uma ou duas questões muito difíceis, muito espinhosas" ainda permanecem sem solução.>
Dois dos temas mais delicados do plano de 20 pontos de Washington envolvem questões territoriais e o destino da usina nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa, atualmente ocupada pela Rússia.>
O Kremlin concorda com Trump que as negociações estão "em estágio final". E o próximo passo do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é se reunir com líderes europeus na França, no dia 6 de janeiro.>
Mas qualquer um daqueles pontos espinhosos pode vir a prejudicar o acordo.>
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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não abandonou sua exigência maximalista de manter toda a região industrial ucraniana de Donbas sob controle russo. Mas Zelensky ofereceu um meio-termo.>
As forças russas ocuparam a maior parte da região de Luhansk, a leste, mas pouco mais de 75% de Donetsk. Putin quer ter a região inteira, incluindo as cidades restantes de Sloviansk e Kramatorsk, no chamado "cinturão da fortaleza".>
"Não podemos simplesmente nos retirar, é contra a nossa legislação", afirma Zelensky. "Não é apenas a legislação. Pessoas moram ali, 300 mil pessoas... Não podemos perder aquelas pessoas.">
Ele propôs a retirada das forças ucranianas da região, para criar uma zona econômica livre ou desmilitarizada, fiscalizada pela Ucrânia, desde que os russos também se afastem na mesma distância. A atual linha de contato seria fiscalizada por forças internacionais.>
É difícil imaginar Putin concordando com esta proposta e os generais russos informaram a ele que estão capturando rapidamente o território ucraniano.>
"Se as autoridades em Kiev não quiserem definir esta questão pacificamente, nós resolveremos todos os problemas à nossa frente por meios militares", declarou Putin.>
Os dois lados são considerados exaustos. Analistas do Instituto para o Estudo da Guerra estimaram que as forças russas só conseguiriam conquistar o restante de Donetsk em agosto de 2027, se mantivessem sua velocidade de avanço atual, o que não é uma certeza.>
O meio-termo de Zelensky também exigiria que as tropas russas deixassem outras áreas de território ucraniano, onde mantêm presença limitada. Elas incluem a região de Kharkiv e Sumy, no norte, Dnipropetrovsk, a leste, e Myokolaiv, no sul.>
Sem movimentação em Donetsk, a possibilidade de um acordo de paz não parece realista, mas um meio-termo russo pode não estar fora de questão.>
O enviado do Kremlin, Yuri Ushakov, declarou recentemente que "é totalmente possível que não haja tropas em Donbas, russas ou ucranianas". Mas ele foi categórico ao afirmar que o território seria parte da Federação Russa.>
Desde março de 2022, a Rússia ocupa a maior usina nuclear da Europa em Enerhodar, às margens do rio Dnipro.>
Mas os seis reatores nucleares da usina de Zaporizhzhia não estão produzindo eletricidade. Eles estão em estado de desligamento frio há mais de três anos e usam energia externa, fornecida pela Ucrânia, para manter a usina funcionando para evitar derretimentos.>
Para ligar novamente a usina, é necessário fazer investimentos substanciais, em parte para reconstruir a represa hidrelétrica de Kakhovka, que foi destruída. Ela fornecia água para resfriamento da usina.>
A Ucrânia acredita que a região também deveria ser desmilitarizada e se tornar uma zona econômica livre. A proposta americana, segundo Zelensky, é que os Estados Unidos administrem a usina, em operação conjunta com a Rússia e a Ucrânia.>
Kiev declarou que esta proposta não é realista e que os Estados Unidos e a Ucrânia poderiam administrar a usina conjuntamente, de forma igualitária. E os Estados Unidos decidiriam para onde iria metade da energia — implicitamente, para a Rússia.>
O problema da Ucrânia é que a Rússia não irá permitir isso e o chefe da agência nuclear russa Rosatom, Alexei Likachev, destacou que apenas uma nação — a Rússia — pode administrar a usina e garantir sua segurança.>
Ele defendeu a possibilidade de que a Ucrânia possa usar a eletricidade gerada pela usina, no contexto da cooperação internacional.>
Chegar a um meio-termo sobre esta questão pode não ser impossível, mas exigiria um nível de confiança hoje inexistente entre os dois Estados vizinhos.>
É difícil imaginar que possa haver progressos significativos sobre os pontos mais espinhosos, com tão pouca confiança entre os dois países.>
Quando Trump indicou, nesta semana, que Putin "quer ver a Ucrânia ter sucesso... até fornecendo energia... a preços muito baixos", Zelensky claramente não acreditou em uma palavra. Ele não acredita que Putin fale sério sobre a paz na região.>
"Não confio nos russos e... não confio em Putin e ele não quer o sucesso da Ucrânia", declarou o presidente ucraniano.>
A Rússia também demonstrou pouca fé em Kiev. Moscou acusa as forças ucranianas de direcionar drones a uma residência de Putin na região russa de Novgorod, mas não forneceu evidências do ataque.>
A Ucrânia nega que isso tenha acontecido e acredita que seja um pretexto russo para lançar novos ataques da Rússia a edifícios governamentais ucranianos em Kiev.>
Kiev pediu aos Estados Unidos e aos líderes europeus garantias de segurança que levem a uma reação similar à da Otan, no caso de um novo ataque russo. A Ucrânia também busca manter suas forças armadas em 800 mil soldados.>
A Europa e os Estados Unidos podem assinar um acordo sobre segurança, mas a Rússia não aceitará tropas europeias em território ucraniano.>
O prejuízo financeiro para a Ucrânia foi estimado em US$ 800 bilhões (cerca de R$ 4,4 trilhões). Por isso, outra questão importante é o valor da contribuição russa a este respeito.>
Os Estados Unidos falam em um fundo de investimento conjunto com a Europa e a Rússia detém 210 bilhões de euros (cerca de R$ 1,35 trilhão) em ativos no continente europeu. Mas, até agora, Moscou se recusou a permitir que eles sejam utilizados.>
A Rússia também rejeita o pedido da Ucrânia de entrar para a Otan. Esta talvez não seja uma questão muito espinhosa, já que não é provável que isso aconteça por enquanto.>
Mas este ponto faz parte da Constituição ucraniana, de forma que será difícil chegar a um acordo a respeito.>
A entrada da Ucrânia na União Europeia é outro possível ponto de discórdia, talvez menos para a Rússia do que para outros países, que estão à frente da Ucrânia na fila para fazer parte do bloco. Poucos acreditam que isso aconteça muito em breve.>
Zelensky mencionou pesquisas de opinião indicando que 87% dos ucranianos desejam a paz. Paralelamente, 85% rejeitam a retirada da região de Donbas.>
Por isso, ele acredita que nenhuma decisão, seja sobre o destino de Donetsk ou sobre o plano de 20 pontos como um todo, pode ser tomada sem o voto popular e um cessar-fogo de 60 dias para preparar o sufrágio.>
"O referendo é o caminho para aceitar ou não o acordo", segundo o presidente ucraniano.>
Este também pode ser um ponto de discórdia. O Kremlin defende que o cessar-fogo temporário só prolongaria o conflito e levaria à renovação das hostilidades. E Trump declarou que entende a posição de Putin.>
Mas, sem o referendo, Zelensky acredita que o acordo não teria validade, o que só aumenta a lista de questões espinhosas a serem resolvidas.>
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