Publicado em 17 de dezembro de 2025 às 14:44
O relator do PL da Dosimetria no Senado, senador Espiridião Amin (PP-SC), deu parecer favorável ao projeto aprovado na Câmara dos Deputados, mas acatou uma emenda apresentada pelo senador Sergio Moro (União-PR) para limitar o alcance da proposta aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.>
No parecer apresentado nesta quarta-feira (17/12), Amin afirma que o texto, que reduz as penas de condenados pelos crimes relacionados aos atos de 8 de janeiro, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), não beneficia "crimes comuns" nem representa uma "blindagem ampla".>
Esse ajuste é uma resposta às brechas do texto aprovado na Câmara, que, segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil, beneficia condenados por uma série de outros delitos, inclusive do crime organizado.>
"Há um impacto inegável em outros crimes relacionados à corrupção, de colarinho branco, e até mesmo em crimes sexuais que não são hediondos", afirma Rodrigo Azevedo, professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e membro do Fórum de Segurança Pública. >
>
"Para crimes relacionados com organizações criminosas e facções, há previsão para reduzir cumprimento de pena em regime fechado, indo no sentido contrário do que foi aprovado no PL Antifacção, de endurecimento de penas", acrescenta.>
Antes da apresentação da emenda de Amin, o principal ponto mencionado por juristas estava na mudança do artigo 112 da Lei de Execução Penal, que define as regras para a progressão do regime das penas de prisão. >
Pela legislação atual, condenados por crimes com violência e grave ameaça — nos quais se incluem os crimes contra instituições democráticas —, só tem possibilidade de mudança de regime — do fechado para o semiaberto, ou do semiaberto para o aberto — após o cumprimento de 25% da pena. >
A proposta aprovada pela Câmara diminui esse percentual para um sexto da pena — cerca de 16% —, mas coloca como exceção apenas os crimes contra a pessoa e contra o patrimônio listados nos títulos 1 e 2 do Código Penal, como feminicídio, latrocínio, homicídio.>
O projeto, entretanto, ignora uma gama de outros crimes cometidos com violência e grave ameaça que não estão contemplados nos títulos 1 e 2, explica Luisa Moraes Abreu Ferreira, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). >
Ela cita, por exemplo, delitos como coação no curso do processo — crime pelo qual o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é réu —, fuga de prisão e o embaraço a investigação de organização criminosa. >
Esse último crime inclui situações em que investigados intimidam testemunhas, destroem provas, ocultam bens ou dificultam o trabalho da polícia e da Justiça em processos envolvendo facções.>
"Seria impossível não beneficiar condenados por outros crimes, até porque a lei tem que ser genérica", afirma Ferreira.>
"Seria discutível a constitucionalidade de um projeto exclusivo para os condenados pelos atos golpistas do 8 de janeiro. Não haveria justificativa para que somente esse tipo penal progredisse de forma diferente." >
Outro ponto do projeto que chama a atenção do advogado criminalista Guilherme Furniel é a mudança na forma de aplicação das penas para crimes contra as instituições democráticas. >
O texto do PL da Dosimetria determina que, nesses casos, seja aplicado o chamado concurso formal, em vez do concurso material, aos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.>
Na prática, isso significa que o condenado cumpriria a pena do crime mais grave, de golpe de Estado, que tem pena de até 12 anos, e com um acréscimo de um percentual da pena do outro crime, e não a soma integral das condenações.>
Segundo Furniel, essa alteração, por si só, já reduziria a pena dos condenados pelos atos golpistas, mas também abriria margem para beneficiar condenados por outros crimes.>
"No Direito Penal, normas mais benéficas ao réu não podem ser aplicadas de forma restrita a um grupo específico. Então quando surge uma norma em benefício do réu, ela automaticamente se estende a situações análogas", diz o criminalista.>
A iniciativa do relator de acatar uma emenda de redação para restringir o alcance do projeto é uma estratégia regimental para evitar que o texto retorne à Câmara para uma nova votação dos deputados. >
Pelo rito legislativo, qualquer alteração no mérito do texto feita pelo Senado obrigaria o projeto a voltar a outra Casa legislativa.>
O PL da Dosimetria vai ser analisado nesta tarde pela Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado. Se aprovado, ele pode ser votado no plenário ainda nesta quarta. >
A proposta chega à Casaapós uma votação tumultuada na Câmara e críticas sobre a abrangência do texto, que mobilizou diversos senadores para tentar salvar o projeto.>
Em entrevista à BBC News Brasil na segunda-feira (15/12), o senador Otto Alencar (PSD-BA), que preside a CCJ, adiantou que a proposta não seria aprovada na forma como chegou da Câmara. >
Assim como Moro, ele também apresentou uma emenda para que lei se restringisse aos condenados por crimes relacionados ao 8 de janeiro. >
"Dentro desse projeto foram colocados vários artigos que ampliam [a progressão de pena] também para outros condenados em várias outras modalidades. Essa matéria não terá votos para ser aprovada como veio da Câmara", disse, reconhecendo que a proposta "vai de encontro ao combate a organizações criminosas". >
Na terça-feira (16/12) o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que é ex-delegado de polícia, protocolou seu voto pela rejeição do projeto na CCJ. >
No voto, ao qual o portal de notícias g1 teve acesso, Vieira diz que o Senado "não pode incorrer na incoerência de endurecer o discurso contra o crime organizado com uma mão, prometendo rigor à sociedade, mas, com a outra, aprovar uma legislação que abre as portas das prisões sem qualquer razoabilidade.">
Para Luisa Ferreira, o problema central do PL da Dosimetria não está, em si, na flexibilização das regras de progressão de regime, mas no contexto político em que a proposta foi construída. >
"Não acho que é um problema flexibilizar regras de progressão de regime considerando a situação prisional no Brasil. Pelo contrário, deveríamos discutir isso para mais crimes", afirma a professora da FGV, em referência à superlotação dos presídios. >
"O problema é o Congresso só se mobilizar quando o destinatário da norma tem nome e sobrenome e sem um estudo sério sobre isso", afirma Luisa, destacando o interesse dos parlamentares em beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão pelo STF pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.>
Na avaliação dela, o projeto segue uma lógica oposta à que historicamente orientou o Legislativo em matéria de lei penal. Ela lembra do pacote anticrimes, proposto pelo então ministro da Justiça e hoje senador, Sergio Moro (União-PR), durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). O pacote endureceu penas para diversos crimes e teve amplo apoio no Congresso. >
Para Furniel, o PL da Dosimetria evidencia uma "benevolência legislativa de ocasião", que não está preocupada em repensar o sistema carcerário ou a progressão de penas para a população em geral. >
"O que a gente sempre viu foi o endurecimento penal, a criação de mais crimes, mais penas, sem um estudo sério do reflexo e resultado disso", diz o criminalista.>
"Esse projeto de lei vai na contramão do que o Congresso faz há décadas, para tentar amenizar a situação jurídica de uma parcela específica de pessoas condenadas.">
O PL 2.162/2023, chamado de PL da Dosimetria, altera pontos do Código Penal e da Lei de Execução Penal, como regras de cumprimento da prisão, e reduz penas de condenados por crimes contra a democracia.>
Parte do projeto diz respeito aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, hoje tipificados no Código Penal.>
A nova regra faz com que as penas por dois crimes — golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito — não sejam mais somadas. Passa a prevalecer apenas a pena maior, para tentativa de golpe de Estado, de 4 a 12 anos.>
Com isso, as penas totais de Bolsonaro e dos demais condenados pelos ataques de 8 de janeiro seriam reduzidas. >
O projeto também prevê uma progressão mais rápida da pena em regime fechado, reduzindo o tempo mínimo para saída após cumprimento de até 1/6 nos casos em que não foi constatado nenhum crime contra a vida. A lei hoje exige 1/4.>
Também estabelece a contabilização dos dias de trabalho ou estudo de detentos em prisão domiciliar para a redução da pena.>
Nesse cenário, o período de cumprimento da pena em regime fechado de Bolsonaro poderia cair para até 2 anos e 4 meses, caso ele trabalhe e estude na prisão, segundo o relator da proposta, deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP).>
A estimativa anterior era de que o ex-presidente cumpriria a pena em regime fechado até abril de 2033, totalizando mais de 7 anos.>
A pena a qual foi condenado em setembro, de 27 anos e três meses de prisão, também seria reduzida por conta da absorção do crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito pelo de golpe de Estado.>
O PL também reduz entre um e dois terços as penas para crimes que forem praticados em contexto de "multidão". Neste caso, a mudança não afetaria Bolsonaro, que foi considerado pela Justiça como um dos líderes da trama golpista.>
Caso vire lei, o projeto deve beneficiar todos os condenados com Bolsonaro em setembro pela tentativa de golpe de Estado: o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira; o ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto; o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; e o deputado federal Alexandre Ramagem.>
Eles foram condenados a penas que variam de 16 a 24 anos em regime fechado.>
Segundo a Agência Câmara, como o projeto prevê que a lei pode retroagir para beneficiar o réu, a nova regra implicaria a revisão das sentenças para dois crimes, prevalecendo a pena do crime maior (de 4 a 12 anos) por tentativa de golpe de Estado. Agravantes e atenuantes ainda seriam aplicáveis sobre o cálculo.>
A conta final das penas de prisão ainda seria definida pelo Supremo Tribunal Federal.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta