Publicado em 30 de abril de 2025 às 04:39
Quem anda com o botânico Gregório Ceccantini pelo bairro de Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, logo se acostuma a vê-lo apontar árvores que estão com a "morte anunciada".>
"A madeira desta aqui já está podre", ele cutuca com um formão o tronco de uma velha sibipiruna. A poucos metros dali, uma figueira pende perigosamente sobre o asfalto.>
"Esta jamais deveria ter sido plantada aqui e precisa ser removida com urgência", afirma Ceccantini.>
Em poucos quarteirões, o diagnóstico de risco de morte iminente — da árvore e, não raro, também de algum pedestre ou motorista — se repete várias vezes.>
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Morador de Pinheiros e professor de botânica na Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado na Universidade Harvard (EUA), Ceccantini conhece bem as árvores do bairro, mas diz que os problemas de arborização ali se repetem em boa parte de São Paulo — assim como em muitas outras cidades brasileiras.>
A BBC News Brasil acompanhou Ceccantini em uma caminhada pela região algumas semanas após uma tempestade provocar a queda de 330 árvores na cidade. Em vários locais, ainda havia galhos nas calçadas, e fios rompidos continuavam presos aos postes.>
Naquele temporal, em 12 de março, São Paulo perdeu o equivalente a um décimo de todas as árvores plantadas no município em um mês inteiro. >
A Defesa Civil afirmou que, naquele dia, os ventos podem ter chegado a 100 km/h, uma intensidade raramente registrada na cidade.>
Na Sé, no Centro de São Paulo, a queda de uma árvore matou o taxista Elton Ferreira de Oliveira, de 43 anos. O carro dele transportava duas passageiras, que sobreviveram.>
Cerca de 500 mil moradores ficaram sem luz, e, em muitas casas, o serviço só foi restabelecido dias depois. Outras tempestades nos últimos meses também provocaram quedas de árvores e apagões em diferentes partes da cidade.>
Meteorologistas afirmam que a força dos últimos temporais é provavelmente uma consequência das mudanças climáticas — e que a tendência é que eventos climáticos extremos se tornem cada vez mais frequentes.>
Ainda assim, Ceccantini diz que os transtornos poderiam ser reduzidos se houvesse mais atenção às árvores da cidade.>
Para o botânico, uma série de erros cometidos pelo poder público, pela concessionária de energia e até mesmo por moradores favorece as quedas de árvores.>
As podas são essenciais na arborização urbana: elas ajudam a moldar a copa das árvores, reduzir assimetrias e evitar quedas. No entanto, Ceccantini diz que, quando mal feitas, podem acelerar a morte das árvores.>
Isso pode ocorrer quando, por exemplo, um galho é serrado sem que o corte fique rente à sua base, ou quando o corte permite a infiltração da água da chuva.>
Segundo o botânico, uma poda ruim pode não cicatrizar, sujeitando as árvores a infecções que podem fazer a madeira apodrecer.>
Podas de galhos muito grossos também podem ser mais difíceis de cicatrizar. Por isso, o ideal é que sejam cortados antes de engrossarem.>
Na caminhada por Pinheiros, Ceccantini apontou vários exemplos de podas feitas pela Prefeitura que, segundo ele, tornaram as árvores mais propensas a quedas e doenças.>
Também mostrou árvores com a saúde comprometida por não terem sido podadas e manejadas a tempo — caso de uma sibipiruna na rua Artur de Azevedo, que corta o bairro de ponta a ponta.>
Essa sibipiruna está sendo estrangulada por uma figueira mata-pau, planta que cresce sobre a hospedeira e suga seus nutrientes, podendo levá-la à morte. >
"Ela [figueira mata-pau] tinha que ter sido removida quando jovem, agora já ficou grande demais", afirma o botânico.>
As podas e avaliações podem ser pedidas por moradores, pelo telefone 156 ou pela internet, e são feitas sob supervisão de um engenheiro agrônomo da Prefeitura.>
Todas as podas em áreas públicas do município precisam ser aprovadas pela Prefeitura e só podem ser feitas pelo poder público.>
Há críticas, porém, à qualidade e ao tempo de espera pelo serviço. Segundo a Prefeitura, no fim de 2024, havia 20.315 pedidos de poda em aberto.>
A Prefeitura diz ter contratado 155 engenheiros agrônomos desde 2021 para reduzir a fila de podas, mas atribui parte da lentidão à concessionária de energia Enel.>
Isso porque, em São Paulo, as podas em árvores próximas à rede elétrica são feitas pela concessionária, ainda que também precisem da aprovação da Prefeitura.>
Já a Enel diz ter dobrado o número de podas em 2024 em comparação com 2023.>
Para Ceccantini, "podas feitas unicamente para proteger a fiação" também podem ampliar o risco de queda.>
Ele cita como exemplo uma mirindiba também na rua Artur de Azevedo. Segundo o professor, podas feitas pela Enel causaram "uma ramificação bastante assimétrica, deixando a árvore totalmente voltada para a via, desequilibrada".>
Parte da árvore tombou numa tempestade recente, e segundo Ceccantini, "é só questão de mais uma tempestade para o resto dela cair".>
A Enel afirmou, no entanto, que seus técnicos são treinados em "arborização urbana e manejo florestal" e que suas podas seguem a legislação municipal.>
Muitas espécies comuns na arborização de São Paulo jamais deveriam ser plantadas em cidades, diz o botânico.>
Uma delas é o Ficus benjamina, uma figueira originária da Ásia bastante popular na decoração de interiores.>
A árvore, segundo Ceccantini, tem "uma madeira de densidade baixa que apodrece facilmente e raízes muito grandes, que levantam casas e destroem as instalações urbanas".>
"É uma árvore que só causa problemas", afirma o botânico.>
A Prefeitura de São Paulo tem um Manual Técnico de Arborização Urbana, onde cita espécies indicadas para o plantio na cidade. A Ficus benjamina não está na lista.>
Mesmo assim, Ceccantini afirma que moradores seguem espalhando a árvore pela cidade.>
"As pessoas têm essa árvore em casa, a árvore vai ficando grande, elas acham que estão fazendo uma boa ação em libertar a árvore, e então as plantam em qualquer lugar", diz o botânico.>
Outras espécies contra-indicadas para o plantio em calçadas, mas comuns em São Paulo, são a falsa-seringueira (Ficus elastica), o alfeneiro (Ligustrum lucidum) e o eucalipto (Eucalyptus sp).>
Questionada sobre a presença de árvores inadequadas na cidade, a Prefeitura disse ter feito um levantamento sobre espécies nativas do município e espécies exóticas invasoras.>
Mas não respondeu se tem planos para substituir espécies mais propensas a quedas por outras mais resistentes.>
Árvores que se inclinam na direção do asfalto estão sujeitas a batidas de veículos, especialmente caminhões.>
Essas colisões, segundo Ceccantini, geram ferimentos que podem ser a porta de entrada para infecções e o apodrecimento da madeira.>
O botânico explica que árvores se inclinam na direção do asfalto em busca de luz e para fugir da sombra de edifícios.>
Mas ele afirma que é possível corrigir esse deslocamento com "podas de condução", cortando os galhos inclinados para a via.>
Também se deve evitar plantar árvores muito perto do meio fio. Canteiros inadequados são outro fator capaz de acelerar a queda de árvores, diz Ceccantini.>
Canteiros elevados, por exemplo, estimulam a árvore a formar raízes superficiais, dificultando o ancoramento da planta ao solo.>
Essas árvores estão mais sujeitas a serem arrancadas do chão pela raiz durante uma ventania, afirma o botânico.>
Outro problema são canteiros muito pequenos, canteiros sobre lajes ou canteiros nos quais a árvore é cimentada.>
Nesses casos, a árvore pode ter dificuldade para acessar a água, ficando mais sujeita ao ressecamento e outras doenças.>
Na cidade de São Paulo, calçadas e canteiros são responsabilidade dos donos dos imóveis onde se localizam e devem seguir normas definidas pelo município.>
Já a Prefeitura tem a atribuição de fiscalizar as calçadas e multar imóveis que descumpram as regras.>
No entanto, segundo Ceccantini, raramente a fiscalização leva em conta os padrões dos canteiros.>
Questionada pela BBC News Brasil sobre o que tem feito para corrigir canteiros e substituir árvores em locais impróprios, a Prefeitura não respondeu.>
A Prefeitura de São Paulo disse que a cidade conta com um Plano Municipal de Arborização Urbana vigente até 2040 e que busca aumentar a resiliência das árvores frente às mudanças climáticas.>
A Prefeitura afirmou ainda contar com 129 equipes para podas de árvores — cada uma com cerca de 10 membros e supervisionada por um engenheiro agrônomo.>
"O número de engenheiros agrônomos cresceu na cidade na atual gestão de 239 em 2021 para 394 atualmente", diz a Prefeitura.>
Entre janeiro e fevereiro de 2025, a Prefeitura diz ter feito 23.590 podas e removido 2.835 árvores.>
A Enel, por sua vez, afirma que suas podas seguem as diretrizes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A companhia afirma ainda trabalhar em parceria com a Prefeitura de São Paulo e conforme a legislação municipal.>
"A empresa faz a chamada 'poda de adequação', que consiste em afastar os galhos menores de árvore da rede elétrica, sem comprometer a saúde da árvore", diz a Enel.>
A companhia afirma que seu objetivo é "reduzir o impacto no fornecimento de energia à população".>
A Enel diz ter feito "638 mil podas preventivas em toda a área de concessão (sendo 217 mil na capital), praticamente o dobro do realizado em 2023".>
Em 2025, até fevereiro, houve 104,7 mil podas, segundo a empresa.>
Com a perspectiva de que São Paulo seja atingida por temporais cada vez mais intensos, a presença de árvores altas na cidade não se tornou arriscada demais?>
Para Ceccantini, não. Ele afirma que muitos só se lembram das árvores quando elas causam transtornos, mas se esquecem dos benefícios que elas trazem quando estão sãs: sombra, bem-estar, beleza, valorização de imóveis e filtragem da poluição.>
Para Aline Cavalari, professora de Fisiologia Vegetal da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), "a árvore grande não pode ser tratada como a vilã da história".>
Cavalari coordena um curso sobre arborização urbana oferecido para órgãos públicos e empresas que atuam no setor.>
Segundo ela, "as árvores têm um papel ecossistêmico e, quanto maiores, maior será esse papel".>
Para Cavalari, aliás, o aquecimento global torna as árvores grandes ainda mais necessárias nas cidades, já que são capazes de resfriar o ar e suas copas amortecem o impacto das chuvas.>
Ela afirma, no entanto, que as mudanças climáticas exigem uma escolha ainda mais criteriosa das espécies plantadas na cidade, para evitar árvores mais propensas a quedas e doenças.>
Cavalari também defende mais investimentos em tecnologia, capacitação e contratação de pessoas para melhorar o monitoramento das árvores urbanas.>
"Temos que olhar árvore por árvore, especialmente as mais idosas, e lembrar que elas são seres vivos: ficam idosas, têm comorbidades, adoecem, perdem imunidade e acabam tendo patógenos.">
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