Publicado em 17 de junho de 2025 às 06:39
O domingo que passou (15/6) foi Dia dos Pais nos Estados Unidos, mas a brasileira Caroline Dias Gonçalves, de 19 anos, não pôde comemorar a data com seu pai na casa da família no Condado de Utah, no centro-oeste dos Estados Unidos, país onde vivem há 12 anos.>
Caroline também não pôde estudar para seu curso de enfermagem na Universidade de Utah, onde ela é bolsista por mérito, ou sair com as amigas para os shows de música country que ela gosta.>
Isso porque, em 5 junho, uma quinta-feira, Caroline foi detida pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês).>
A detenção ocorreu após a jovem ser parada por uma pequena infração de trânsito, enquanto dirigia o carro do pai para visitar amigos em Denver, capital do Colorado, Estado vizinho ao Utah.>
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"O que sabemos é que ela estava dirigindo no Colorado e ela tinha uma habilitação para dirigir válida", conta Gaby Pacheco, CEO da TheDream.US, organização sem fins lucrativos dedicada a oferecer bolsas de estudos para jovens imigrantes, através da qual Caroline conseguiu a bolsa para estudar na Universidade de Utah.>
"Ela foi parada por um policial, que disse que ela estava dirigindo próxima demais a um grande caminhão. Esse policial deixou ela ir embora apenas com um aviso, mas pouco depois ela foi parada novamente por um agente do ICE, que então a deteve", completa Pacheco.>
Caroline agora está presa há mais de 10 dias no centro de detenção de imigrantes em Aurora, nas proximidades de Denver, o que foi confirmado à BBC News Brasil por seu advogado, Jonathan M. Hyman.>
Ela deve ter sua primeira audiência judicial nesta quarta-feira (18/6) e sua defesa espera que Caroline possa ser libertada mediante fiança.>
A prisão da brasileira ocorre em meio ao endurecimento da política de imigração nos Estados Unidos que tem marcado o segundo mandato do republicano Donald Trump.>
Cerca de 51 mil imigrantes sem documentados estavam detidos pelo ICE no início de junho — maior número já registrado desde setembro de 2019.>
Embora números precisos e atualizados sobre o total de detenções por imigração desde a posse de Trump, em 20 de janeiro, não estejam disponíveis publicamente, autoridades da Casa Branca disseram esperar que o ICE aumente o número de prisões para 3 mil por dia, ante cerca de 660 durante os primeiros 100 dias de presidência de Trump.>
Inicialmente, as autoridades americanas insistiam que as operações eram direcionadas a criminosos e potenciais ameaças à segurança pública.>
Mas um número significativo de imigrantes detidos pelo governo Trump não tem antecedentes criminais, como é o caso de Caroline.>
Procurado, o Itamaraty afirmou que a família de Caroline ainda não havia entrado em contato com o Consulado-Geral do Brasil em Los Angeles, que atende a região onde ocorreu o caso.>
A pasta, no entanto, disse que buscaria mais informações sobre a situação da jovem, após ser informada sobre o caso pela BBC News Brasil.>
A reportagem também entrou em contato com o ICE por e-mail. O serviço imigratório americano confirmou o recebimento da mensagem, mas não enviou uma resposta aos questionamentos até a publicação desta reportagem.>
A BBC News Brasil tentou ainda contato com os pais de Caroline, através da TheDream.US, que está em contato diário com a família. Mas os pais estão assustados com a situação e também temem ser alvo das autoridades migratórias, após a prisão da filha, e não estão falando com a imprensa.>
Um parente de Caroline falou sobre o caso ao jornal local The Salt Lake Tribune, sob condição de anonimato, por estar em processo de obtenção de visto.>
"Não podemos fazer nada", disse esse parente. "Estamos com medo. Não estamos presos com ela, mas é como se estivéssemos.">
A mais nova de quatro irmãos, Caroline vive nos Estados Unidos desde os 7 anos.>
Segundo a reportagem do The Salt Lake Tribune, a família entrou nos Estados Unidos com um visto turístico de seis meses, mas ficou no país além deste prazo. >
Há três anos, a família entrou com pedido de asilo e ainda aguardava uma decisão.>
Ao solicitar o asilo, Caroline e seus pais receberam permissões para trabalhar, carteiras de habilitação "limitadas" e números de seguridade social (documento americano equivalente ao CPF no Brasil).>
Não está claro sob que argumentos a família entrou com pedido de asilo, mas ao The Salt Lake Tribune o parente de Caroline disse que a família se mudou para os Estados Unidos há 12 anos após passar por situações de violência no Brasil, incluindo assaltos e terem sido feitos reféns por criminosos.>
Após a detenção da estudante, amigas dela organizaram uma coleta de doações para ajudar a família a arcar com os custos com o advogado e a possível fiança de Caroline.>
"Numa fiança comum, é possível ser solto pagando antecipadamente 10% do valor estabelecido. Mas em casos de imigração, é preciso pagar o valor total", diz Pacheco, da TheDream.US. "Além disso, advogados de imigração, especialmente em casos de defesa contra deportação, podem ser muito caros.">
"Então a família está recebendo o apoio dos amigos de Caroline para poder pagar pelo advogado. Como ela está presa no Colorado, que é distante do local onde ela vive e estuda, no Utah, é preciso garantir que ela tenha a devida representação legal e apoio no Colorado.">
A TheDream.US também lançou um comunicado público sobre o caso e realiza uma abaixo-assinado pela liberdade de Caroline, que já conta com mais de 1,8 mil assinaturas. >
Megan Clark, de 20 anos e melhor amiga de Caroline, é uma das organizadoras da campanha de financiamento coletivo e pela liberdade da estudante brasileira.>
Ela conta que estuda com Caroline desde a 7ª série. Elas cursaram juntas os equivalentes americanos ao Ensino Fundamental 2 e ao Ensino Médio e se tornaram colegas de dormitório na universidade.>
Megan conta que foi ela que convenceu Caroline a trocar de graduação, de Administração de Empresas e Marketing — como aparece no perfil da estudante no LinkedIn — para Enfermagem.>
"Ela quer ter uma família e eu disse para ela que a enfermagem é um pouco mais flexível, quando ela tiver filhos um dia", conta Megan, à BBC News Brasil.>
A amiga conta que Caroline é divertida, extrovertida e faz amigos com facilidade.>
"Ela ama fazer o que a maioria dos jovens na América ama, ela se encaixa perfeitamente e todas nós meio que fazíamos as mesmas coisas", diz Megan.>
"Ela ama música country, então fomos a alguns shows juntas; eu, meu noivo e ela saímos para dançar swing na maioria dos fins de semana, porque ela nos ensinou a dançar swing, ela ama esse tipo de coisa. E quanto ela não estava comigo, estava com sua amiga Maddie, elas também são muito próximas e costumam ir para a academia juntas — a Caroline também ama ir para a academia.">
Megan conta que, na quarta-feira (4/6), quando Caroline disse que pretendia viajar ao Colorado para visitar amigos no dia seguinte, disse a ela que não gostava da ideia de a amiga viajar sozinha.>
Na quinta, elas se falaram logo cedo e Megan acompanhou pela localização do celular compartilhada quando Caroline saiu de sua casa em Lehi, Utah.>
Caroline conversava por viva-voz com sua amiga Maddie durante a viagem, pois não gostava de viajar sozinha e gostava de conversar enquanto dirigia.>
Maddie então pôde ouvir todo o diálogo, quando Caroline foi parada pela primeira vez pelo policial que disse que ela estava dirigindo perto demais de um caminhão.>
O policial pediu a ela sua identidade e os documentos de seguro do carro, e ela saiu do veículo e ficou esperando por cerca de 40 minutos enquanto ele checava a documentação.>
Em dado momento, o policial teria perguntado a Caroline de onde ela era, porque ele podia ouvir um sotaque. "Mas ela não tem sotaque algum, ela soa muito, muito americana", observa Megan.>
Caroline disse que era do Utah, mas o policial insistiu, perguntando onde ela nasceu, e Caroline contou então que era do Brasil. Pouco depois, o policial deixou ela ir, apenas com um aviso.>
Caroline então ligou para Megan para contar o que aconteceu. Enquanto as duas ainda conversavam, ela disse que tinha que desligar, pois estava sendo parada novamente.>
Depois disso, o telefone de Caroline foi desligado e sua localização ficou paralisada em meio à rodovia. Após três horas sem notícias da amiga, Megan foi à casa dos pais de Caroline e, enquanto estava lá, a amiga ligou contando que havia sido presa e pedindo desculpas aos pais.>
A família ficou sem notícias da estudante até o sábado, quando descobriram que ela estava detida no centro de detenção de imigrantes em Aurora.>
Desde então, ela tem falado por telefone diariamente com a família — que precisa enviar dinheiro para o centro de detenção para ela poder fazer as ligações.>
"Ela contou que está numa cela com 17 outras pessoas, mas que as pessoas são muito amigáveis. A maioria são mulheres mais velhas, e para ela é um pouco difícil, pois todas falam espanhol e ela não. Apenas algumas pessoas mais jovens falam inglês", conta Megan.>
"Ela também disse que não gosta da comida, porque eles servem apenas tacos e burritos o dia todo e ela não gosta muito disso.">
Segundo uma reportagem da KSL TV sobre o caso, a prisão de Caroline deve gerar uma investigação no Colorado, devido à suspeita de colaboração entre a polícia local e o serviço de imigração.>
"Isso é incomum e beira a ação inconstitucional... Nenhum mandado de prisão foi emitido e o ICE a deteve sem solicitar identificação", disse Jonathan M. Hyman, o advogado de Caroline, à emissora.>
"Detenções inconstitucionais estão sujeitas a moções para encerrar os processos e, neste caso, deter uma estudante universitária sem antecedentes criminais e sem mandado não será bem visto", disse Hyman. >
"A aplicação indiscriminada das leis de imigração é de natureza autoritária e não se baseia nos princípios que criaram nossa democracia.">
Em um comunicado à KSL, o gabinete do xerife do Colorado afirmou: "Não investigamos o status de residência de acordo com a lei do Colorado... e estamos conduzindo uma revisão administrativa completa para garantir que agimos de acordo com nossas políticas e o estatuto do Colorado".>
Com informações da reportagem de Bernd Debusmann Jr, correspondente da BBC News na Casa Branca>
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