Publicado em 10 de agosto de 2025 às 10:25
A frase foi escrita na última terça-feira (5/8) pelo presidente colombiano Gustavo Petro na rede social X e, de imediato, surpreendeu o Peru. >
"Lemos com surpresa essas declarações atribuídas a Gustavo Petro. Lamentamos isso, porque claramente o presidente não foi devidamente informado sobre esse assunto", disse à BBC o chanceler peruano Elmer Schialer.>
Ao dizer "esse assunto", Schialer se refere à soberania sobre a ilha de Santa Rosa. >
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Trata-se de uma pequena formação no meio do rio Amazonas, que emergiu na segunda metade do século 20 e é habitada por cerca de 3.000 pessoas. Lima considera parte de seu território na disputa com a Colômbia. >
Assim como Santa Rosa, várias ilhas emergiram nos últimos anos na fronteira colombo-peruana, que foi definida há um século com base no canal mais profundo do Amazonas. >
Especialistas em Relações Internacionais consultados pela BBC Mundo — serviço em espanhol da BBC — concordam que a "ilha é de ninguém", pelo menos até que ambos os países reavaliem seus conjuntamente seus domínios, já que, quando Colômbia e Peru definiram seus limites, essas formações não existiam. >
Em junho, o Congresso peruano aprovou "a criação do novo distrito de Santa Rosa de Loreto", na ilha de Santa Rosa.>
Na última terça-feira, contudo, além de expressar seu repúdio à medida, o presidente Petro anunciou que transferirá a comemoração da Batalha de Boyacá — fundamental para a independência da Colômbia no século 19 — para Leticia, a capital amazônica colombiana situada a poucos metros da ilha em disputa. >
Em 1922, Colômbia e Peru assinaram um tratado de fronteira em que definiram seus limites no Amazonas. >
"O traçado do rio foi dividido entre os dois Estados não pela metade, mas pelo canal de navegação mais favorável, o mais profundo", explica Walter Arávelo, professor de Direito Internacional da Universidade de Rosário, na Colômbia. >
Esse tratado, segundo o historiador colombiano Felipe Arias Escobar, criou uma rejeição em ambos os lados, dando origem à guerra colombo-peruana de 1932, que acabou com a ratificação do acordo assinado em 1922. >
"Foi um conflito a serviço do nacionalismo, que naquela época serviu para reforçar a identidade nacional", afirma Arias Escobar, da Universidade Pontífica Javeriana. >
Peru e Colômbia compartilham 116 quilômetros do rio Amazonas. >
"Quando o tratado foi assinado, só existiam duas ilhas: a de Ronda e a de Chinería, que cresceu e se expandiu", complementa Santiago Duque, professor na Universidade Nacional da Colômbia.>
Ou seja, a fronteira entre Colômbia e Peru é uma fronteira viva, em constante mudança, e ambos os países precisam revisá-la de tempos em tempos. >
O problema é que esses países não fazem isso há anos. >
Enquanto isso, a fronteira mudou: sedimentos provenientes dos Andes e arrastados pelo rio formaram novos territórios, cujo pertencimento ainda precisa ser definido. >
Arévalo defende que a postura mais sensata é reativar uma comissão binacional para inspeção da fronteira, e que "nem o Peru nem ninguém deve aprovar uma lei dizendo, unilateralmente, que uma ilha é sua". >
"Este é o momento para que os países se sentem e revisem a nova situação geográfica e tomem decisões. Há mais de sete ilhas novas, entre elas a de Santa Rosa", destaca Duque. >
O Peru defende que a circunscrição de Santa Rosa está sob sua soberania e jurisdição. >
"O povo de Santa Rosa é parte integrante da ilha peruana de Chinería, atribuída ao Peru em 1929", disse o governo peruano em comunicado divulgado na terça-feira. >
Na mesma linha se pronunciou o chanceler do Peru, que defende que, mesmo que o canal mais profundo do rio Amazonas se desloque, "não significa que a fronteira também se mova".>
"Umas das ilhas atribuídas ao Peru foi Chinería e, por volta dos anos 50, o rio separou uma parte que depois passou a ser chamada de ilha Santa Rosa. Ela não nasceu nem surgiu, já fazia parte de Chinería", afirma Schialer. >
"O que aconteceu é que esse canal do rio logo se secou e a área reintegrou a Chinería. Santa Rosa não apenas foi peruana, como continua sendo peruana", disse o chanceler à BBC. >
Segundo o diplomata, desde 1970 foi construída uma escola, um escritório de migração e outro de administração aduaneira no local e "os colombianos nunca disseram nada". >
"Não devemos perguntar a uma nação amiga o que podemos ou não fazer em nosso território", resume Schialer. >
No entanto, o Ministério das Relações Exteriores da Colômbia anunciou na terça-feira que apresentou contundentes notas de protesto ao governo peruano, solicitando a reativação da Comissão Mista Permanente para a Inspeção da Fronteira Colombo-Peruana (COMPERIF). >
Segundo o ministério, o objetivo é que, "baseado em uma metodologia de atribuição, se decida sobre a soberania das ilhas formadas no curso do rio Amazonas depois de 1929". >
"Durante anos, a Colômbia tem defendido a necessidade de se realizar um trabalho conjunto para a atribuição das ilhas, e reitera sua posição de que a 'ilha de Santa Rosa' não foi atribuída ao Peru", diz o comunicado. >
Petro, por sua vez, afirma que o Peru está tomando uma decisão "unilateral e violadora", que pode "fazer desaparecer Leticia como porto amazônico, tirando-lhe sua vida comercial". >
O presidente colombiano argumentou que "surgiram ilhas que estão ao norte da atual linha mais profunda, e o governo do Peru acabou de se apropriar delas por meio de uma lei, estabelecendo a capital de um município em um território que, pelo acordo, deveria pertencer à Colômbia". >
"O governo usará, antes de mais nada, os meios diplomáticos para defender a soberania nacional", acrescentou. >
A cidade de Leticia enfrenta um desafio enorme.>
Por causa da sedimentação, do desmatamento, e das mudanças climáticas, o rio Amazonas em frente à cidade está perdendo volume de água e se desviando em direção ao território peruano. >
Um estudo da Faculdade de Minas da Universidade Nacional alertou recentemente sobre o risco de que a Colômbia possa perder sua conexão fluvial mais importante. >
"Um modelo desenvolvido pela Marinha Nacional já previa, há alguns anos, que até 2030 o rio Amazons poderia deixar de passar em frente a Leticia durante a maior parte do ano. Hoje, o modelo se tornou uma realidade", diz o estudo. >
"Se não houver uma ação imediata, Leticia deixará de ser uma cidade ribeirinha. As implicações vão além do fator simbólico; são culturais, econômicas e territoriais", disse a professora Lilian Posada Garcia, que está envolvida nas pesquisas sobre o tema.>
Petro teme que as ações do Peru em Santa Rosa e Chinería, de algum modo, "façam Leticia desaparecer como porto amazônico, tirando-lhe sua vida comercial", conforme declarou em uma publicação no X.>
Ao ser questionado sobre essa preocupação, o chanceler peruano garantiu à BBC que o Peru utilizaria os caminhos diplomáticas e de cooperação entre os países para "efetivamente ajudar o povo".>
Com frequência, diversos analistas classificam como "manobras de distração" ou "tentativa de impor a agenda" várias das declarações de Petro, sem que isso necessariamente indique um objetivo além do impacto midiático. >
Contudo, Sandra Borda, especialista em Relações Internacionais da Universidade dos Andes na Colômbia, disse que "desde o ano passado havia pessoas no governo alertando Petro sobre essa situação.">
"Desconheço o motivo dele decidir falar sobre isso agora, porque é uma questão séria. A Colômbia corre o risco de ver Leticia perder acesso ao rio, o que, estrategicamente, seria fatal para o país.">
Em julho de 2024, o então diretor de Soberania Territorial do Ministério de Assuntos Exteriores da Colômbia, Diego Cadena, declarou que a ilha Santa Rosa, localizada na fronteira amazônica, "não pertencia ao Peru" e "estaria ocupada de forma irregular". Depois disso, ele ignorou a autoridade do prefeito de Santa Rosa, o peruano Iván Yovera. >
Por essa razão, o governo do Peru protestou junto ao encarregado de Negócios da Colômbia em Lima e reafirmou "os direitos de soberania e jurisdição sobre a ilha de Santa Rosa">
O então ministro peruano de Relações Exteriores, Javier González-Olaechea, deu a discussão por encerrada em 15 de julho de 2024, ao manifestar sua "satisfação" com a resposta do governo da Colômbia à nota de protesto emitida pelo seu país. >
Petro e a presidente peruana, Dina Boluarte, têm vivido altos e baixos em seu relacionamento diplomático.>
Após a destituição de Pedro Castillo do governo peruano e a chegada de Boluarte em 2022 como presidente constitucional até o fim do mandato em 2026, Petro criticou a legitimidade da nova presidente, o que resultou em um conflito diplomático que levou à retirada mútua de seus embaixadores em ambos os países. >
As relações têm melhorado deste então, mas essa nova disputa ameaça reacender as tensões. >
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