Publicado em 12 de março de 2025 às 16:44
Uma nova rodovia de quatro faixas que corta dezenas de milhares de hectares de floresta amazônica protegida está sendo construída para a COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), que acontece em Belém do Pará. >
O objetivo é facilitar o tráfego para a capital paraense, que vai receber mais de 50 mil pessoas — incluindo líderes mundiais — na conferência em novembro.>
O governo estadual promove a rodovia como "sustentável", mas moradores e ambientalistas criticam impacto ambiental.>
A Amazônia desempenha um papel vital na absorção de carbono para o planeta e na preservação da biodiversidade, e críticos dizem que esse desmatamento contradiz o próprio propósito de uma conferência climática.>
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Ao longo da estrada parcialmente construída, a densa floresta tropical se ergue dos dois lados — um lembrete do que já esteve ali. >
Toras de madeira estão empilhadas nas áreas desmatadas, que se estendem por mais de 13 km floresta adentro até Belém.>
Escavadeiras e máquinas abrem caminho pelo chão da floresta, aterrando áreas úmidas para pavimentar a estrada que cortará uma área protegida.>
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Claudio Verequete mora a cerca de 200 metros de onde a estrada vai passar. Ele costumava ganhar a vida colhendo açaí de árvores que antes ocupavam o local.>
"Tudo foi destruído", diz ele, apontando para a clareira.>
"Nossa colheita já foi derrubada. Não temos mais essa renda para sustentar a família.">
Ele afirma que não recebeu nenhuma compensação do governo estadual e que atualmente está vivendo com suas economias. Também teme que a construção da estrada leve a mais desmatamento no futuro, agora que a área se tornou mais acessível para empresas.>
"Nosso medo é que um dia alguém chegue aqui e diga: 'Toma esse dinheiro. Precisamos dessa área para construir um posto de gasolina ou um galpão.' E então vamos ter que sair daqui", diz.>
"A gente nasceu e cresceu aqui na comunidade. Para onde vamos?">
Sua comunidade não terá acesso à estrada, devido aos muros que a cercam em ambos os lados.>
"Para nós, que moramos ao lado da rodovia, não haverá benefícios. Os benefícios vão ser para os caminhões que vão passar por ela. Se alguém ficar doente e precisar ir até o centro de Belém, não vai conseguir usar a estrada.">
A via deixa duas áreas de floresta protegida desconectadas. Cientistas estão preocupados com o risco de fragmentação do ecossistema e de interrupção no deslocamento da fauna.>
A professora Silvia Sardinha é veterinária especializada em vida selvagem e pesquisadora em um hospital universitário de animais que fica de frente para o local onde a nova estrada está sendo construída.>
Ela e sua equipe reabilitam animais silvestres feridos, principalmente por causas humanas ou atropelamentos.>
Depois de recuperados, eles são devolvidos à natureza – algo que, segundo ela, será mais difícil com uma rodovia logo ao lado.>
"Desde o momento do desmatamento, há uma perda. Vamos perder uma área para soltar esses animais de volta à natureza, o ambiente natural dessas espécies", afirmou.>
"Animais terrestres não poderão mais atravessar para o outro lado também, reduzindo as áreas onde podem viver e se reproduzir.">
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmam que esta será uma cúpula histórica por ser "uma COP na Amazônia, não uma COP sobre a Amazônia".>
Lula diz que o encontro será uma oportunidade para focar nas necessidades da região, mostrar a floresta ao mundo e apresentar o que o governo federal tem feito para protegê-la.>
Mas a professora Sardinha diz que, embora essas conversas aconteçam "em um nível muito alto, entre empresários e autoridades governamentais", quem vive na Amazônia "não está sendo ouvido".>
O governo do Estado do Pará já havia proposto a ideia da rodovia, chamada de Avenida Liberdade, ainda em 2012, mas ela foi repetidamente engavetada devido a preocupações ambientais.>
Agora, uma série de projetos de infraestrutura foram retomados ou aprovados para preparar a cidade para a cúpula da COP.>
Adler Silveira, secretário de infraestrutura do governo estadual, listou essa rodovia como um dos 30 projetos em andamento na cidade para "prepará-la" e "modernizá-la", de forma a "deixar um legado para a população e, mais importante, atender bem às pessoas durante a COP30".>
Em entrevista à BBC, ele disse que se trata de uma "rodovia sustentável" e de uma "intervenção importante de mobilidade".>
Ele acrescentou que a via terá passagens para a travessia de animais, ciclovias e iluminação solar. Novos hotéis também estão sendo construídos, e o porto está sendo reformado para que cruzeiros possam atracar e acomodar o excesso de visitantes.>
O governo federal está investindo mais de R$ 470 milhões para ampliar a capacidade do aeroporto, de "sete para 14 milhões de passageiros".>
Um novo parque urbano de 500 mil m², o Parque da Cidade, está em construção. Ele incluirá áreas verdes, restaurantes, um complexo esportivo e outras instalações para uso do público depois do evento.>
Alguns comerciantes do Ver-o-Peso, mercado ao ar livre no centro de Belém, concordam que esse desenvolvimento trará oportunidades para a cidade.>
"A cidade como um todo está sendo melhorada, está sendo recuperada e muita gente está vindo de fora. Isso significa que posso vender mais e ganhar mais", diz Dalci Cardoso da Silva, que tem uma barraca de sapatos de couro.>
Ele diz que isso é necessário porque, quando era jovem, Belém era "bonita, bem cuidada, bem tratada", mas desde então foi "abandonada" e "negligenciada", com "pouco interesse por parte da classe dominante".>
João Alexandre Trindade da Silva, que vende remédios naturais amazônicos no mercado, reconhece que toda obra traz transtornos, mas acredita que o impacto futuro valerá a pena.>
"Esperamos que as discussões não fiquem só no papel e virem ações reais. Que as medidas, as decisões tomadas, realmente sejam colocadas em prática para que o planeta possa respirar um pouco melhor, para que a população no futuro tenha um ar um pouco mais limpo.">
Essa também será a esperança dos líderes mundiais que escolherem participar da cúpula COP30.>
Mas cresce o escrutínio sobre até que ponto o deslocamento de milhares de pessoas de todo o mundo e a infraestrutura necessária para recebê-las pode acabar enfraquecendo a própria causa da conferência.>
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