Publicado em 17 de dezembro de 2025 às 16:44
A dominatrix profissional Madelaine Thomas não é uma empresária de tecnologia comum.>
Depois de sofrer repetidas humilhações de clientes que vazaram suas imagens explícitas privadas, ela sentiu "raiva suficiente para fazer algo a respeito" e procurou a tecnologia em busca de respostas.>
"Eram fotos bonitas, não tenho vergonha das imagens", explica Thomas. "Tenho vergonha da forma em que elas foram usadas contra mim por alguém que não sei quem é.">
Sua empresa, a Image Angel, emprega marcas d'água forenses invisíveis para rastrear os abusadores.>
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Pouco mais de um ano após sua fundação, ela conquistou vários prêmios e foi indicada este ano como prática recomendada pela parlamentar britânica Baronesa Bertin.>
Trata-se de uma mudança de rumo considerável em relação à sua atividade anterior, em que oferecia encontros sexuais consensuais, dominando clientes com práticas BDSM (sigla em inglês para submissão, dominação, sadismo e masoquismo).>
O abuso de imagens íntimas, muitas vezes chamado de pornografia de vingança, é crime. No Reino Unido, os perpetradores estão sujeitos a dois anos de prisão.>
No Brasil, a lei prevê reclusão de um a cinco anos, se o fato não constituir crime mais grave. Caso o criminoso seja um ex-namorado(a) e a divulgação tenha fim de vingança ou humilhação, essa pena pode aumentar de um a dois terços.>
A prática está longe de ser algo vivenciado apenas pelos trabalhadores do sexo. Um relatório da Linha de Apoio sobre Pornografia de Vingança indica que 1,42% da população feminina do Reino Unido é prejudicada pelo abuso de imagens íntimas todos os anos.>
Thomas tem 37 anos. Ela é de Monmouthshire, no País de Gales, e afirma que as mulheres que passam por esta situação convivem com a vergonha e a estigmatização.>
"Acho que muitas pessoas diriam 'você colocou uma imagem apimentada na internet, o que você esperava?'", declarou ela. "Eu espero dignidade, espero respeito, espero confiança e não acho que isso seja negociável.">
"O fato de que essas imagens possam ser compartilhadas por aí, onde eu moro ou com pessoas que eu amo, e usadas para machucá-las, foge de mim, não é minha escolha, não é erro meu, é alguém que está praticando abuso.">
Thomas trabalhou como dominatrix por 10 anos, principalmente online. Ela sempre considerou seu trabalho empoderador e gratificante.>
"Sou eu como uma mulher dominadora, uma mulher forte e empoderada, oferecendo meu corpo como um presente para alguém porque eu desejo, porque eu quero, porque é o meu corpo e posso fazer com ele o que quiser", ela conta.>
"As pessoas acham estranho, mas não vejo nada diferente de um nutricionista ou um contador oferecendo conselhos.">
Ela aceita de bom grado ser uma espécie de anomalia no mundo da tecnologia.>
"Sei que é bizarro, é uma maluquice pensar que alguém que foi uma dominatrix, agora, é fundadora de uma empresa de tecnologia, mas foi preciso que alguém passasse por isso para conhecer as brechas e as mudanças que precisavam acontecer.">
Thomas destaca que não tinha nenhum conhecimento de tecnologia, mas conseguiu formar sua empresa com muitas noites sem dormir, pesquisas e "perturbando pessoas" com conhecimento tecnológico.>
"Nunca me senti julgada pelo meu trabalho como dominatrix", ela conta. "Eu me senti empoderada porque posso oferecer um nível de experiência e conhecimento deste tipo de mundo que eles nunca poderiam ter.">
Qualquer plataforma online que ofereça compartilhamento de imagens de pessoas pode usar a Image Angel, incluindo aplicativos de namoro, redes sociais e websites.>
Quando um usuário tem acesso a uma imagem, ele recebe automaticamente uma marca d'água forense invisível, exclusiva para ela.>
Isso significa que, se você descobrir que a sua foto foi compartilhada sem o seu consentimento, se a plataforma onde você a postou tiver a tecnologia instalada, as informações da pessoa que a compartilhou estarão ocultas na imagem e poderão ser recuperadas por um especialista em recuperação de dados, para que possam ser tomadas as ações necessárias.>
Até o momento, uma plataforma já adotou a tecnologia e Thomas está em negociação com várias outras.>
Mas como sabemos se ela é eficiente?>
"Esta tecnologia já existe em Hollywood e nas transmissões esportivas, de forma que não é algo totalmente novo", explica ela. "É apenas uma nova aplicação e um novo sistema.">
"Nós a testamos, fizemos parceria com uma empresa com 30 anos de experiência no desenvolvimento de tecnologia e, por isso, sabemos que é algo sólido e que precisamos, agora, testar em escala.">
Thomas espera que a tecnologia também aja para dissuadir possíveis abusadores de imagens íntimas.>
Kate Worthington, da Linha de Apoio sobre Pornografia de Vingança da organização britânica Rede de Aprendizado do Sudoeste (SWGFL, na sigla em inglês), afirma ter observado pessoalmente o pânico, a angústia e a culpa das vítimas de abuso de imagens íntimas.>
"Se aquela culpa for reforçada por um serviço ou amigo mal informado que diga 'bem, por que você tirou aquelas fotos?', essa culpa realmente pode ser reforçada", explica ela.>
"Por isso, é muito importante que a reação das pessoas seja de que elas não fizeram nada de errado.">
Worthington afirma que a decisão de Madelaine Thomas, de usar sua experiência para gerar mudanças, foi fantástica.>
Para ela, "é muito importante ter essa múltipla abordagem para enfrentar o abuso de gênero facilitado pela tecnologia, pois nenhuma ferramenta ou linha de apoio será capaz de lidar com isso sozinha. É preciso haver essa abordagem múltipla.">
A SWGFL conta com uma ferramenta global chamada StopNCII.org. Ela funciona criando um hash (código criptográfico) para imagens e vídeos íntimos de uma pessoa, que é compartilhado com empresas participantes. Com isso, elas podem ajudar a detectar e remover as imagens, impedindo seu compartilhamento online.>
A apresentadora de TV britânica Jess Davies tinha apenas 15 anos quando imagens suas com roupas íntimas foram compartilhadas na sua cidade. Foi o primeiro de diversos incidentes vivenciados por ela na adolescência e na casa dos 20 anos, que viriam a servir de base para sua campanha pelos direitos das mulheres.>
"Levou muito tempo, tempo demais para que alguém me dissesse 'não foi culpa sua' e 'isso não deveria ter acontecido'", relembra ela.>
Davies mora em Penarth, no País de Gales. Ela também defende vigorosamente a transferência do estigma que envolve o abuso de imagens íntimas, das vítimas para os perpetradores.>
"Não é crime enviar consensualmente uma imagem para alguém", declarou Davies, hoje com 32 anos. "Mas é crime distribuir a imagem sem consentimento e acho que é aqui que sempre reside a culpa.">
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