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A atriz de 'O Agente Secreto' que começou no cinema aos 72 e chegou ao radar do Oscar

A atriz de 'O Agente Secreto' que começou no cinema aos 72 e chegou ao radar do Oscar

Do sertão do Rio Grande do Norte, a costureira nunca tinha ido ao cinema até ser descoberta em Bacurau e hoje é cotada para prêmios internacionais por atuação em novo longa de Kléber Mendonça Filho

Publicado em 26 de dezembro de 2025 às 13:44

Imagem BBC Brasil
null Crédito: Victor Jucá/Divulgação

Até os 72 anos, Tânia Maria nunca tinha assistido a um filme no cinema.

Moradora de Santo Antônio da Cobra, um povoado com menos de mil habitantes em Parelhas, no semiárido do Rio Grande do Norte, ela passava os dias trabalhando como artesã e costureira.

"Eu só pensava na costura. Não pensava em mais nada", diz.

Hoje, aos 78 anos, ela é citada pela imprensa internacional como uma possível candidata ao Oscar.

O jornal The New York Times destacou sua atuação como uma das melhores de 2025, e revistas especializadas como Variety e The Hollywood Reporter passaram a incluí-la em listas de apostas para a categoria de Melhor Atriz Coadjuvante.

Ela interpreta Dona Sebastiana em O Agente Secreto, novo filme de Kleber Mendonça Filho, indicado ao Globo de Ouro e representante do Brasil na disputa por uma vaga no Oscar 2026.

Imagem BBC Brasil
null Crédito: Reprodução/Instagram/@canalbrasil

A atuação de Tânia, marcada pela naturalidade e pela força do cotidiano, foi descrita pela crítica como "magnética" e de "talento natural". "Nunca imaginei ser atriz. Nunca", afirmou em entrevista à BBC News Brasil.

A entrada no cinema aconteceu por acaso. Em 2018, a equipe de Bacurau, filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles que estrearia no ano seguinte, estava na região do Seridó em busca de figurantes locais. A produtora de elenco Renata Roberta entrou na casa de Tânia.

"Eu tava costurando e escutei umas conversas na sala de jantar. Quando chego e digo 'boa noite', ela 'é dela que estou precisando' e me perguntou se eu toparia ser figurante. Ganhando R$ 50 todo dia, eu achei bom demais", lembra.

Depois do sucesso de Bacurau, vieram outros convites. Hoje, ela soma seis filmes no currículo — todos iniciados depois dos 70 anos.

'Quem é esse?'

Antes do cinema, Tânia Maria nunca tinha visto um filme inteiro ou ido ao cinema. O contato com a televisão também era mínimo.

Quando foi avisada de que contracenaria com Wagner Moura, por exemplo, sua reação espontânea foi soltar a pergunta: "Quem é esse?".

A única novela que lembra de ter acompanhado foi Pai Herói, exibida em 1979, mais de quatro décadas antes. "Fiquei apaixonada por Tony Ramos desde esse tempo."

Informações sobre a ditadura militar também eram restritas para ela, que morou boa parte da vida em Santo Antônio da Cobra. "Não tinha energia nem televisão tinha, eu não sabia nem o que era ditadura", afirmou.

Em O Agente Secreto, sua personagem, Dona Sebastiana, acolhe perseguidos políticos e atua como ponto de apoio em um Brasil marcado pela repressão.

"Meu pai era agricultor, também não sabia de nada. Sei que a gente só escutava a rádio, mas não sabia de nada. Aqui a ditadura aqui passou despercebida."

Aos 27 anos, em 1975, decidiu ser mãe solteira no interior do Rio Grande do Norte, o que levou a costureira ser alvo de forte estigma.

"Fui muito discriminada. O povo não queria saber de mãe solteira, era mulher sem futuro, né? Mas eu queria ser mãe."

Naquele período, ela trabalhava como orientadora de saúde em uma UBS (Unidade Básica de Saúde), quando engravidou. Até um abaixo-assinado foi organizado na cidade, exigindo sua saída do cargo.

"Um chefão fez um abaixo assinado para me tirar", lembra. "Fui lá na prefeitura e pedi demissão. Ele quebrou a cara."

Criou a filha sozinha, sustentando a casa com o trabalho de costura, sem apoio do pai da criança. Hoje, vive cercada pela família — filha, neta, bisneta e genro —, que acompanha de perto essa virada inesperada em sua vida.

Imagem BBC Brasil
null Crédito: Reprodução/Instagram/@taniamariaatriz

Em Natal, seus familiares acompanharam a pré-estreia de O Agente Secreto, a primeira vez de muitos em uma sala de cinema.

"Reservaram uma sala VIP para a minha família. Quando eu olhei minha família todinha na plateia, com minhas camisetas, eu chorei. Era para agradecer, eu não agradeci, eu chorei. Aí fui aplaudida porque chorei. É muito emocionante."

Sobre a personagem de dona Sebastiana, que encantou telespectadores pelo Brasil, ela diz: "Sou eu mesma."

"Quem passa na minha frente, eu acolho. Se precisar de ajuda, eu ajudo. Se precisar de uns cascudinhos, também dou."

'Vida de atriz é melhor'

Neste ano, o jornal The New York Times destacou a presença de Tânia Maria em cena. Um crítico incluiu a brasileira na lista das melhores atuações de 2025 e chamou atenção para um detalhe específico: a naturalidade com que ela fuma diante da câmera.

Fumante por mais de 60 anos, Tânia decidiu abandonar o cigarro justamente depois que o reconhecimento internacional passou a exigir deslocamentos e viagens longas. Ela chegou a recusar um convite para ir ao Festival de Cannes, na França, por não suportar as horas de voo sem fumar.

"Eu fumava três carteiras por dia. Quer dizer que não tirava o cigarro da boca, né", conta. "O médico que me acompanha disse, 'pode ir, eu lhe acompanho, mas a senhora vai entrar em pânico por passar duas horas sem fumar, no mínimo, no avião'. Aí não fui, desisti."

A decisão veio em maio, com um objetivo: não perder mais oportunidades. Inclusive, o Oscar. Com passaporte pronto, a atriz aguarda agora o visto americano para viajar.

"Meu sonho agora é ir para o Oscar. Botei isso na cabeça. Eu quero ir, eu vou."

"Com a carreira apenas começando aos 78 anos, Tânia Maria rejeita limitações de idade. "Idade não tem validade. Eu não sou velha", afirma. "Tenho facilidade de decorar, eu não sou surda. Eu só tenho uma dificuldadezinha de caminhar, mas segurando a minha mão, melhora."

Longe de se aposentar, ela está no elenco de Yellow Cake, filme de ficção científica dirigido por Tiago Melo que estreia mundialmente no Festival de Roterdã, na Holanda, em janeiro de 2026.

Ela também estará na série policial Delegado, prevista para 2026 no Canal Brasil, onde interpreta uma personagem "namoradeira" que flerta com o protagonista vivido por Johnny Massaro.

Apesar da projeção internacional, Tânia mantém hábitos simples e continua morando em Santo Antônio da Cobra. A principal diferença é que a costura, antes centro do seu dia a dia, vem sendo deixada de lado para dar espaço às filmagens e viagens. "A vida de atriz é melhor."

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