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Os fragmentos de cérebros usados na corrida para achar cura do Alzheimer

Os fragmentos de cérebros usados na corrida para achar cura do Alzheimer

O correspondente de saúde e ciência da BBC, James Gallagher, investiga se é cientificamente possível curar a doença de Alzheimer

Publicado em 26 de dezembro de 2025 às 10:44

Imagem BBC Brasil
James Gallagher, correspondente de saúde e ciência Crédito: James Gallagher / BBC

Curar a doença de Alzheimer é um desafio impossível ou podemos chegar lá?

Fui convidado para assistir a uma cirurgia cerebral na vanguarda da pesquisa sobre demência.

Estou usando uma bata cirúrgica nos fundos de uma sala de cirurgia do Edinburgh Royal Infirmary, um tradicional hospital escocês. A intensa atenção das dezenas de pessoas na sala passa uma aura de calma, apesar do barulho dos aparelhos médicos.

O paciente está sedado e coberto na mesa de operação. Posso ver a ressonância magnética do seu cérebro em grandes telas. É impossível não notar a grande massa branca e brilhante do tumor. O câncer começou no cólon e se espalhou profundamente pelo cérebro.

"Não está na superfície do cérebro, por isso precisamos fazer um orifício no córtex", explica Paul Brennan, professor de neurocirurgia, "o menor possível, mas grande o suficiente para que possamos chegar ao tumor".

O córtex é a camada externa do cérebro envolvida na linguagem, na memória e no pensamento. As partes internas do cérebro são mais macias, mas o córtex precisa ser cortado.

Brennan usa uma broca cirúrgica para remover uma parte do crânio. O cérebro exposto é rosado, irrigado pelo sangue e pulsa suavemente ao ritmo do coração.

Ao meu lado está Claire Durrant, pesquisadora de Alzheimer da Universidade de Edimburgo.

Ela está segurando um recipiente com líquido cefalorraquidiano artificial gelado, que imita o líquido que banha o cérebro e a medula espinhal.

Na maioria das cirurgias cerebrais, a parte removida do córtex é considerada resíduo médico e seria descartada. Mas Edimburgo é um dos poucos centros no mundo onde ela é coletada, com permissão, para pesquisas sobre demência.

Quando chega a hora, tudo acontece muito rápido. O professor Brennan coloca uma parte do cérebro — do tamanho da minha unha do polegar — no frasco para preservá-la.

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Um pequeno pedaço de tecido cerebral mantido dentro de líquido cefalorraquidiano artificial gelado. Crédito: James Gallagher / BBC

Então, com um rápido agradecimento, nos trocamos e atravessamos a cidade até a universidade.

No banco de trás do carro, me impressiona como, apenas alguns minutos atrás, esse pedaço de cérebro ainda fazia parte dos pensamentos e medos de um homem em relação à cirurgia que ele estava prestes a enfrentar.

"Estou sempre ciente, em todos os momentos, de que o que estamos recebendo é um presente precioso no que provavelmente é o pior dia da vida dessa pessoa", diz Durrant.

Seu laboratório é um dos poucos que trabalha com tecido cerebral adulto vivo para tentar compreender a demência e outras doenças.

"Ao desenvolver essas técnicas, esperamos avançar para um mundo livre de muitas doenças neurológicas diferentes e horríveis", afirma ela.

Cerca de um milhão de pessoas no Reino Unido sofrem de algum tipo de demência, sendo a doença de Alzheimer a mais comum.

Mas será que o Alzheimer pode ser curado?

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O tecido cerebral é removido do recipiente... Crédito: James Gallagher / BBC
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... e será colocado em gelatina de ágar para mantê-lo no lugar... Crédito: James Gallagher / BBC
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... antes de ser delicadamente cortado em fatias mais finas do que um fio de cabelo humano. Crédito: James Gallagher / BBC

A equipe do laboratório de Durrant está tentando descobrir a resposta, aprendendo sobre a a biologia fundamental da doença de Alzheimer.

Ainda existem incógnitas cruciais — não há uma explicação definitiva para o motivo pelo qual as conexões entre os neurônios, chamadas sinapses, são perdidas na doença de Alzheimer.

Os quatro cientistas que preparam o tecido cerebral no laboratório trabalham em sincronia, como uma equipe de pit stop — o que é muito adequado, já que a pesquisa é patrocinada pela instituição de caridade Race Against Dementia, criada por Jackie Stewart, da Fórmula 1.

Primeiro, a amostra do cérebro é colocada em gelatina. Em seguida, é cortada em fatias com 10 a 20 células cerebrais de profundidade, antes de ser armazenada em incubadoras especializadas para manter o tecido vivo.

A equipe então expõe as fatias do cérebro a proteínas tóxicas chamadas amilóide e tau, que se acumulam no cérebro de pessoas com doença de Alzheimer. Isso permite que eles testemunhem a destruição das sinapses e vejam se há uma maneira de impedi-la.

Tudo o que Durrant tem visto até agora a convence de que curar o Alzheimer não é um desafio impossível.

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Claire Durrant afirma que há mais esperança do que nunca na pesquisa sobre a doença de Alzheimer. Crédito: James Gallagher / BBC

"As evidências que temos no momento indicam que se trata de uma doença e, com base em experiências anteriores, sabemos que doenças podem ser curadas. Talvez um dia encontremos evidências de que a doença de Alzheimer é inerente ao ser humano, mas, no momento, não vejo isso", afirma.

"Nunca vi tanta esperança na pesquisa sobre a doença de Alzheimer como vejo agora. Tenho muita esperança de que veremos mudanças significativas ainda durante a minha vida."

Dois medicamentos chamados lecanemab e donanemab trouxeram um vislumbre de esperança, pois retardam o avanço da doença de Alzheimer.

Eles foram uma conquista científica, mas o seu impacto real nos pacientes foi considerado por alguns como pequeno para ser percetível. Nenhum deles é financiado pelo Serviço Nacional de Saúde (NHS), o SUS inglês.

Mas a professora Tara Spires-Jones, diretora do Centro de Ciências do Cérebro da Universidade de Edimburgo, acredita que esses dois medicamentos "realmente abriram as portas" para a cura do Alzheimer.

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A professora Tara Spires-Jones prevê que poderá haver desenvolvimentos revolucionários neste campo de estudos sobre Alzheimer Crédito: James Gallagher / BBC

Ela me cumprimenta por trás de uma cortina teatral gigante em seu laboratório, que bloqueia a luz para que ela possa trabalhar em um microscópio confocal altamente sensível, que usa lasers para iluminar amostras do cérebro.

A professora está estudando o papel das células imunológicas em forma de estrela, chamadas astrócitos, na doença de Alzheimer.

Isso faz parte de um reconhecimento crescente de que a doença de Alzheimer deve ser combatida de várias maneiras.

O lecanemab e o donanemab têm como alvo a proteína tóxica e pegajosa chamada amilóide. Estão em andamento ensaios clínicos com medicamentos que têm como alvo a outra proteína, a tau.

E a importância do sistema imunológico, a inflamação, a saúde dos vasos sanguíneos e a forma como a genética e o ambiente se combinam estão a aprofundar a compreensão da doença de Alzheimer.

Spires-Jones acredita que haverá três momentos-chave:

A curto prazo, medicamentos que retardem significativamente ou interrompam a progressão da doença; ferramentas para prevenir totalmente a demência; e, a longo prazo, uma forma de curar aqueles que já apresentam sintomas — embora ela reconheça que isso será muito mais difícil.

Ela acredita que estamos a cinco a dez anos de um tratamento que "mudará verdadeiramente a vida" e que chegaremos ao ponto em que poderemos "tornar a sua vida realmente normal", detectando a doença numa fase suficientemente precoce e, em seguida, travando-a.

Mas, embora haja otimismo, ainda serão necessárias pesquisas e ensaios clínicos para provar que é possível curar o Alzheimer.

"O cérebro humano é tão fenomenalmente complexo que só podemos realmente observá-lo nas pessoas", afirma Spires-Jones.

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