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Dia da Consciência Negra: veja roteiros no ES que exploram ancestralidade

De Norte a Sul, turistas encontram não apenas belas paisagens, mas também um território que preserva a força da população negra capixaba

Felipe Khoury

Repórter / [email protected]

Publicado em 20 de novembro de 2025 às 11:00

Roteiros passam por territórios que preservam, com orgulho, a força da população negra capixaba
Roteiros passam por territórios que preservam, com orgulho, a força da população negra capixaba Crédito: Ramon Porto/Secult/Acervo do Instituto Frei Manuel Simón

Viajar pelo Espírito Santo é mais do que percorrer quilômetros de estrada. É atravessar camadas de história, resistência e fé. De Norte a Sul, o turista encontra não apenas belas paisagens de rio e mar, mas também um território que preserva, com orgulho, a força da população negra capixaba

E nesta quinta-feria (20), Dia da Consciência Negra, HZ preparou um roteiro especial para mergulhar na data. Confira:

São Mateus: o porto das memórias negras

Fundada em 1544, São Mateus é uma das cidades mais antigas do Espírito Santo e um dos principais portos da história colonial brasileira. Foi por ali que desembarcaram africanos escravizados que, ao longo dos séculos, deixaram marcas profundas na formação cultural e espiritual da região.

Porto de São Mateus
Porto de São Mateus Crédito: Secult

O Porto de São Mateus, às margens do rio Cricaré, é ponto de partida ideal para entender essa herança. O casario histórico ainda preserva a arquitetura colonial e convida o visitante a imaginar o movimento intenso de embarcações e mercadorias que, durante séculos, cruzaram aquelas águas.

Outro ponto importante é o Museu Municipal de São Mateus, que reúne objetos e registros sobre a colonização, o comércio marítimo e as comunidades negras da região. É um espaço de reflexão e reconhecimento das contribuições afro-brasileiras para a formação da cidade.

Erguido a partir de 1764, o edifício serviu, por mais de dois séculos, como palco da vida política e administrativa da cidade: no andar de cima funcionava a Casa da Câmara, e no térreo, a antiga cadeia municipal. Ali perto ficava o pelourinho - lembrança de um tempo em que o poder e a opressão compartilhavam o mesmo espaço.

Conceição da Barra: rota quilombola e a força das mulheres

Seguindo para o litoral, a cerca de 60 km dali, Conceição da Barra desponta como um dos principais polos do turismo de base comunitária e da valorização da cultura afro no Espírito Santo. A cidade é porta de entrada para o Sapê do Norte, território que abriga dezenas de comunidades quilombolas distribuídas entre Conceição da Barra e São Mateus.

É nessa região que nasceu o Roteiro Quilombola, uma experiência que conecta história, culinária e hospitalidade. Entre os pontos mais marcantes estão as comunidades do Coxi, Linharinho e São Domingos, onde o visitante pode conhecer a produção do beiju, que inclusive ganhou o título de primeira Indicação Geográfica em um território quilombola do Brasil.

O beiju do Sapê do Norte é tradição e ancestralidade
O beiju do Sapê do Norte é tradição e ancestralidade Crédito: Ramon Porto

Outro destaque é o Roteiro Negro Rugério, iniciativa que promove o reconhecimento da contribuição da população negra na formação de Conceição da Barra. O percurso passa por espaços de fé, como igrejas, além de pontos históricos e artísticos que retratam a presença negra na cidade.

Já as mulheres, conhecidas como “Mulheres de Fibra”, são guardiãs da memória quilombola e do modo de vida que atravessou gerações. Participar das oficinas do artesanato com a fibra de bananeira, ouvir suas histórias, como as da Dona Jurema, e compreender o valor do cotidiano das famílias é vivenciar, na prática, a herança africana reinventada no Espírito Santo.

A dona Jurema faz parte do grupo Mulheres de Fibra, em Conceição da Barra
A dona Jurema faz parte do grupo Mulheres de Fibra, em Conceição da Barra Crédito: Ramon Porto

A visita ao roteiro Negro Rugério pode incluir ainda rodas de tambor, oficinas culturais e apresentações de grupos tradicionais, como o Jongo e o Ticumbi, manifestações que sintetizam espiritualidade, música e resistência.

Cachoeiro de Itapemirim - o quilombo urbano e a permanência

No Sul do Estado, em Cachoeiro de Itapemirim, o bairro Zumbi emerge como um território onde a história negra não ficou apenas nos registros - ela pulsa nas ruas, na capoeira e nas conversas que atravessam gerações.

Nomeado em homenagem a Zumbi dos Palmares, símbolo máximo da resistência negra brasileira, o bairro é descrito como “quilombo urbano” por antropólogos: não apenas pela presença expressiva de população negra, mas por reunir comunidades que migraram do interior em busca de trabalho e encontraram ali um espaço de sociabilidade, fé e cultura.

Vista do bairro Zumbi, em Cachoeiro de Itapemirim, a partir do terraço mais alto do Centro Menino Jesus.
Vista do bairro Zumbi, em Cachoeiro, a partir do terraço mais alto do Centro Menino Jesus Crédito: Diogo Bonadiman Goltara

Quando se percorre as ruas do Zumbi, é possível perceber a profusão de casas religiosas de matriz africana - terreiros marcando território, histórias vivas resistentes à invisibilidade. Um levantamento local aponta mais de 20 desses espaços, muitos ainda não formalizados, espalhados silenciosamente entre ladeiras e becos.

Para quem visita no Dia da Consciência Negra, esse bairro oferece uma experiência de reconhecimento: caminhar por ali é encontrar rezas, batuques, celebrações que se mantêm vivas. Isso, não só como memória histórica, mas como presença diária, comunitária. É um lembrete de que a ancestralidade não se resume a objeto de museu; ela se faz rito, voz, corpo e espaço de pertencimento.

Castelo - o casarão e as camadas da história

Em direção ao interior, ao município de Castelo, aparece o imponente Casarão da Fazenda do Centro, situado a cerca de oito quilômetros da sede da cidade. Esse imóvel histórico ostenta 175 anos de existência e relatos que entrelaçam escravidão, trabalho livre, imigrantes e colonização.

Dentro do casarão, 42 cômodos e 79 janelas contam uma história de grandiosidade agrícola: chegou a abrigar cerca de 600 escravizados, que cultivavam café, arroz e cana-de-açúcar antes da abolição.

Fazenda do Centro fica há oito quilômetros de Castelo
Fazenda do Centro fica há oito quilômetros de Castelo Crédito: Acervo do Instituto Frei Manuel Simón Crédito: Acervo do Instituto Frei Manuel Simón

Após 1888, com a liberdade formal e o fim da lavoura extensiva, a propriedade entrou em declínio - foi adquirida por religiosos que a transformaram em seminário, depois virou ponto cultural aberto ao público.

Mas talvez o mais tocante seja imaginar a banda de música formada por escravizados ou libertos: em plena fazenda-cidade do interior capixaba, 18 homens tinham farda e participavam de inaugurações de estradas, recepções oficiais, um testemunho de vida que tanto resistiu.

Visitar o Casarão da Fazenda do Centro no Dia da Consciência Negra significa entrar em uma sala de espelhos da história brasileira: ver onde a opressão se apoiava, mas também onde se firmava terreno para liberdade, organização comunitária, memória coletiva.

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