• Patrícia Merlo
    Colunista

    Doutora em História Social/UFRJ, Professora da UFES, especialista em História da Alimentação.

Vitória, uma ilha cheia de sabores e memórias

Publicado em 05/09/2025 às 07h00
Festival de Pescado e Frutos do Mar de Jesus de Nazareth

Arroz de mariscos do Restaurante do Bigode, às margens da Baía de Vitória. Crédito: Fernando Madeira

No próximo 8 de setembro, Vitória comemora 474 anos. O centro mais antigo da Capital ficou conhecido como cidade-presépio: espremida entre o mar, o mangue e o maciço rochoso central, erguia-se como cenário de fé e resistência.

Suas ruas estreitas e irregulares, como em tantas vilas do território conquistado, guardaram amores e disputas, enfrentaram piratas e acolheram forasteiros. E, no compasso da vida, deixaram marcas que ainda hoje se reconhecem no modo de comer, de festejar, de ser capixaba.

A moqueca, rainha da mesa, traduz esse espírito. Na panela de barro ancestral, em que se mistura o peixe fresco da pesca artesanal, o urucum que pinta de vermelho o caldo e o coentro que embriaga a vizinhança. É prato e é poesia. É domingo em família, encontro de gerações, símbolo de uma ilha que aprendeu a transformar simplicidade em identidade.

Mas Vitória é também o ritual quase sagrado de comer caranguejos: cascas quebradas, dedos mergulhados no tempero, risos que ecoam como cantiga. É o mangue fértil sustentando marisqueiras, é a mandioca que nunca abandona o pirão, o milho que vira polenta, o açúcar — nascido da dor escravizada — que persiste em compotas, bolos e cocadas. É Portugal ainda presente no quindim, no azeite doce, no alho, na cebola e nos ovos em neve que coroam a torta capixaba.

E ao longo dos séculos, tantos outros chegaram e trouxeram seus temperos: italianos, alemães, gregos, sírios e libaneses, japoneses, nordestinos de diversos locais. Cada povo, um aroma. Cada sotaque, um sabor.

Hoje, essa diversidade se revela nos empórios onde especiarias parecem saídas das Mil e Uma Noites; nas casas de sushi, onde a precisão japonesa dialoga com o frescor dos nossos peixes e vegetais; nas cantinas italianas, onde o trigo se abraça ao manjericão; nas cervejarias artesanais, que reinventam o prazer de estar junto.

Vitória é, assim, múltipla e singular. Uma cidade de muitos rostos e muitos sabores, mas com uma identidade que persiste como fio condutor. Cosmopolita e moderna, mas ainda simples como uma ilha que guarda em cada esquina a memória de sua origem.

Quase tão antiga quanto a própria invenção do Brasil, Vitória celebra-se em cada bocado de moqueca, em cada caranguejada festiva, em cada doce colherada de pudim. Porque aqui, no coração dessa cidade-presépio, a cozinha é mais que tradição: é eternidade servida à mesa.

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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