Se o Espírito Santo é uma grande praia para mineiros, Minas é um imenso quintal para capixabas, e nele eu já estendi minha rede. Ok, vamos considerar a Serra do Caparaó como área de uso comum, onde a gente se encontra para beber um bom café enquanto fofoca – típico entre vizinhos.
Nessa simpática intimidade forjada, descobri que mineiro come quieto (ou escondido) porque geralmente come bem: o estado é uma orgia gastronômica organizada por gente que se orgulha do que põe na boca. E quem sou eu para julgar?
Sei que Minas Gerais poderia ser um continente por toda a sua diversidade de causos e doces de leite. Mas talvez exista uma unanimidade: desconheço mineiro que não atue como fiscal do pão de queijo. É tipo o “efeito peixada", para capixabas - farinha pouca, minha moqueca primeiro.
Feijão tropeiro e couve à mineira . Crédito: WS Studio/Shutterstock
Na maior parte do tempo, porém, a cultura alimentar mineira evita disputas e nos convida para sentar à mesa entre broinhas de fubá, biscoitos de polvilho, torresmos com cachaças, quiabos e jilós. “Quem come de tudo está sempre mastigando alguma coisa”, já dizia um antigo ditado.
Há alguns anos venho acreditando com a fé cega e a faca amolada de Milton Nascimento que os belo-horizontinos, por exemplo, têm sido exitosos em construir referência gastronômica regional digna de mesas demoradas entre botecos e bodegas. São capazes de fazer do velho estacionamento um novo mercado e transformam a mineiridade em comida tipo exportação.
Por lá, a gastronomia contemporânea reúne múltiplos adjetivos: caipira, com bossa, honesta, afetiva, nostálgica e familiar. Eu acrescentaria indecente também; os restaurantes da chef Bruna Martins beiram a obscenidade e fazem jus à orgia gastronômica que propõem.
Se mineiro come quieto, quando cozinha faz escândalo.
Percebi que bons cozinheiros saem de Minas mas nunca deixam Minas sair de si; sempre voltam à terra natal com fogo no tacho para perpetuarem receitas construídas com suas memórias.
Para mim, a culinária regional contemporânea só é possível quando as fronteiras não atuam como limites; quando a comida é feita por entes locais que realmente se preocupam com a localização - e isso inclui identificar e valorizar tradições, sem jamais desconsiderar as potencialidades produtivas de quem cuida da terra. Mesmo que isso implique em, de vez em quando, pular a cerca.
Sofro de convergência linguística e às vezes imito sotaques sem nem mesmo perceber. Quando vejo, já estou misturando queijo canastra com azeite de dendê. Oxente, uai. A verdade é que o Espírito Santo está cercado de vizinhos admiráveis que orgulhosamente se mobilizam para usufruir de sua cidadania brasileira.
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