Publicado em 31 de outubro de 2025 às 14:32
Pedro Paulo Rocha>
Essa frase de Rodrigo Aragão carrega o ponto de partida de uma vida dedicada à fantasia e ao medo. Nascido em Guarapari, o diretor de 48 anos cresceu cercado por truques de ilusionismo. Quando criança, não tinha câmera, mas improvisava. Ele conta que usava cola branca e guardanapos para criar ferimentos falsos e assustar os vizinhos. O menino curioso acabou se tornando um dos cineastas mais conhecidos do Espírito Santo e um dos principais nomes do cinema de terror no Brasil. >
Aos 17 anos, Rodrigo foi chamado para seu primeiro trabalho profissional, responsável pelos efeitos especiais do curta “A Lenda de Proitner”, filmado em Santa Leopoldina. “Virei o cara dos efeitos especiais”, diz. Os efeitos práticos como maquiagens, explosões e truques feitos no próprio set se tornariam uma de suas marcas mais fortes. >
Antes de chegar às telas, o diretor viveu o medo de perto trabalhando no espetáculo de terror “Mausoléu”, apresentado entre 2000 e 2004. A montagem rodou cidades como Guarapari, Belo Horizonte e Salvador. “Eu montava o cenário, fazia as maquiagens e ainda atuava”, revela Rodrigo. >
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“A gente recebia grupos de sete em sete pessoas e assustamos mais de 30 mil nesse período. Foi a minha grande escola de susto”, brinca. Essa experiência foi essencial para compreender o comportamento do público diante do medo, um aprendizado que mais tarde levou ao cinema.>
De volta a Guarapari em 2005, Aragão começou a filmar “Mangue Negro”, seu primeiro longa. “Foi feito literalmente no quintal de casa, sem grana nenhuma. Um filme muito pobre, muito precário mesmo”. Inspirado em “Fome Animal”, de Peter Jackson, e "Evil Dead", de Sam Raimi, o projeto unia humor, sangue e improviso. >
O longa foi lançado em 2008 e se tornou um marco do cinema de gênero no Brasil. “Eu nunca quis fazer um terror realista, de violência urbana. Gosto da fantasia e de fazê-la o mais regional possível. Isso torna meus filmes originais em relação ao mercado internacional”, conta Rodrigo. >
Rodrigo cresceu vendo o cinema estadunidense dominar o imaginário popular. “Sempre fiquei frustrado de ver todas as coisas legais acontecendo com americanos. Queria ver coisas incríveis acontecendo aqui, com uma cara brasileira”. Essa busca pela autenticidade o levou a criar um universo próprio, com zumbis do manguezal, personagens tropicais e espíritos das matas.>
O diretor lembra que, quando lançou “Mangue Negro”, quase não se produzia terror no país. “Em 2008, diziam que no Brasil não se fazia terror.” Hoje o cenário é outro. “Em 2018 foram lançados 37 filmes de terror no Brasil. Em 2025, com certeza é mais. Toda produtora tem um”, afirma.>
Além de inspiração, o Espírito Santo é personagem central na obra de Rodrigo Aragão. “O Espírito Santo é um dos melhores lugares do mundo para fazer cinema. Temos praias, montanhas, florestas e uma colonização riquíssima. O diretor vê potencial tanto na natureza quanto na cultura. “Acho que temos um ambiente quase paradisíaco para o cinema”, diz.>
Entre as influências de Aragão estão Peter Jackson, Sam Raimi e Guillermo del Toro. Também faz questão de citar José Mojica Marins, o criador do Zé do Caixão, personagem sombrio que marcou o cinema nacional desde os anos 1960 com suas unhas compridas, capa preta e discursos sobre destino e morte. “Esses caras são meus heróis. E acredito que todo mundo que faz terror no Brasil deve um pedágio ao Mojica,” ressalta. >
O encontro entre Rodrigo e Mojica marcou a carreira do capixaba. “Tive a honra de fazer o Mojica sentar na cadeira de diretor pela última vez. Ele guarda com carinho a lembrança: “Foi a última vez que ele dirigiu antes de ficar doente. É uma felicidade que carrego. O Mojica ensinou a toda uma geração que é possível fazer um terror com espírito brasileiro”, declara Rodrigo.>
Mais do que filmar, Rodrigo passou a ensinar. Seus últimos projetos foram criados como filmes-escola. “Quando fiz ‘Cemitério das Almas Perdidas’, percebi lacunas técnicas no estado. Dei oficinas de cenografia e iluminação. ‘O Prédio Vazio’ nasceu como filme-escola e deu oficina para 280 pessoas. Metade da equipe pisava num set pela primeira vez.” >
Ele se diz otimista com o futuro: “Vejo muitos jovens talentosos e apaixonados por cinema. O futuro do Espírito Santo é promissor.”>
O sétimo longa do cineasta, Prédio Vazio, lançado em 2025, foi filmado em Guarapari e é seu único filme urbano. “É meu primeiro filme de fantasmas e foi praticamente todo feito de forma artesanal. O mar é de plástico, o céu é de tela de galinheiro. Não usamos efeitos de computador. Isso cria uma energia diferente que o público sente.” >
Para ele, essa escolha estética é também um gesto de resistência. “A computação gráfica hoje é o arroz com feijão. Estar usando outra coisa me coloca num lugar diferente”, diz.>
Rodrigo está finalizando seu primeiro filme infantil, “Folclórica”, feito com bonecos. “É a história de um sacizinho chamado Pequê, que nasce com o pé esquerdo em vez do direito e tenta mudar de pé. É todo artesanal e também filme-escola”, explica.>
Ele já prepara o próximo: “Meu novo filme será sobre o Corpo Seco, lenda do folclore brasileiro que descreve um cadáver amaldiçoado e rejeitado pela terra, pelo céu e pelo inferno. Espero filmar no próximo ano”, revela Rodrigo. >
Além disso, tem trabalhado em produções no Brasil e fora do país. “Meu objetivo de vida é lançar um filme por ano, nos moldes do Mazzaropi. Esse é um grande herói pra mim”, conta Rodrigo.>
Para Rodrigo, o terror é uma forma de brincar com o desconhecido. “Acho o terror extremamente divertido. Ele lida com nosso lado infantil e criativo. Datas como o Halloween despertam essa parte das pessoas.”>
* Este conteúdo é uma produção do 28º Curso de Residência em Jornalismo. A reportagem teve orientação e edição do editora Marcella Scaramella. >
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