> >
Secretários de Vila Velha receberam extra de R$ 8 mil fora da folha de pagamento

Secretários de Vila Velha receberam extra de R$ 8 mil fora da folha de pagamento

Análise do Tribunal de Contas aponta irregularidades no pagamento de R$ 359 mil em jetons de janeiro a julho de 2023, como falta de transparência e o não recolhimento de contribuições; prefeitura contesta

Publicado em 18 de abril de 2024 às 08:06

Ícone - Tempo de Leitura 8min de leitura
Sede da Prefeitura de Vila Velha, ES
Sede da Prefeitura de Vila Velha. (Felix Falcão/Divulgação)

Uma análise técnica do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES) apontou que a Prefeitura de Vila Velha teria pagado de forma irregular R$ 359 mil em benefícios para servidores do alto escalão da administração municipal. Além de não serem recolhidas contribuições sobre o valor (INSS e Imposto de Renda), foi constatada falta de transparência na divulgação: o recurso extra não aparece na folha de pagamento dos beneficiados. A prefeitura contesta o resultado dessa análise, mas afirma que já interrompeu  de forma voluntária os pagamentos desde agosto do ano passado até que a questão seja resolvida pela Corte de Contas.

O pagamento, chamado de jeton, engordou os salários de cinco secretários e do procurador-geral municipal durante sete meses em 2023. Eles receberam, entre janeiro e julho do ano passado, cerca de R$ 8,3 mil por mês para participar de reuniões semanais do Comitê de Administração Financeira e Orçamentária (Comafo).

Como a prefeitura classificou esse jeton como verba indenizatória, não incidem sobre ele descontos de INSS, Imposto de Renda  nem o abate-teto. Esse último é um mecanismo constitucional para garantir que, na administração municipal, ninguém tenha salário maior que o do prefeito.

Contudo, como o jeton não entra nessa conta, no fim do mês, os membros do Comafo acabavam recebendo cerca de R$ 20 mil, efetivamente mais que o prefeito Arnaldinho Borgo, que ganha R$ 11,3 mil.

Secretários de Vila Velha receberam extra de R$ 8 mil fora da folha de pagamento

As informações constam em uma Instrução Técnica Conclusiva da Corte de Contas datada do final de fevereiro deste ano. O caso ainda não foi analisado pelos conselheiros ou julgado em plenário, ou seja, não se sabe se o entendimento da área técnica será ou não seguido pelos conselheiros do TCES. 

A prefeitura contesta os achados da área técnica do tribunal e afirma que os pagamentos foram feitos dentro da legalidade (leia sobre o posicionamento da prefeitura mais abaixo na matéria). 

Foram beneficiados com o jeton em 2023 os seguintes integrantes do Comafo:

  • Maria do Carmo Neves Novaes - secretária de Governo e Coordenação Institucional
  • Adinalva Maria da Silva Prates - secretária Municipal de Finanças
  • Rodrigo Magnago de Hollanda Cavalcante - secretário Municipal de Administração
  • Menara Ribeiro Santos Magnago de Hollanda Cavalcante - secretária Municipal de Obras e Projetos Estruturantes
  • Otávio Junior Rodrigues Postay - secretário Municipal de Controle e Transparência
  • Vitor Soares Silvares - procurador-geral

A denúncia relativa aos pagamentos desses jetons foi aceita pelo TCES em junho do ano passado. Uma análise preliminar apontou a necessidade de uma decisão liminar (temporária) para que os pagamentos fossem interrompidos. Contudo, o município suspendeu preventivamente os pagamentos e, assim, o processo seguiu o rito normal.

A Instrução Técnica Conclusiva apontou que alguns dos integrantes do Comafo faziam parte também da Comissão Especial de Proposição, Revisão e Consolidação de Atos Normativos Municipais, também remunerada. O pagamento pela participação nessa Comissão Especial aparece na folha de pagamento, com o valor de R$ 3,5 mil. Já a remuneração pela participação no Comafo, não.

Como é possível ver em cópia do documento abaixo, retirado do site da transparência da Prefeitura de Vila Velha referente a abril de 2023, o secretário municipal de Transparência, Otávio Junior Rodrigues Postay, por exemplo, recebeu salário de R$ 12 mil, auxílio-alimentação de R$ 450 e um extra de R$ 3,5 mil por participação em comissão. Não há menção aos R$ 8,3 mil recebidos por integrar o Comafo.

Folha de pagamento de secretário de Vila Velha mostra que rendimentos já ultrapassam o teto
Folha de pagamento de secretário de Vila Velha mostra que rendimentos já ultrapassam o teto. (Reprodução/ Transparência Vila Velha)

O pagamento dos jetons do Comafo aparece fora dos gastos com pessoal da prefeitura e sem identificação dos beneficiários. Como mostra o documento abaixo, o favorecido com o recurso é identificado apenas como “****00.000** - L. 6.563 art. 78”. O nome faz referência ao artigo 78 da Lei 6.563/2022, que tem a seguinte redação: “Fica concedido aos integrantes dos Comitês do Conselho Superior de Governo, pelo efetivo comparecimento à cada reunião, o jeton no valor de 500 (quinhentos) VPRTM (Valor Padrão de Referência do Tesouro Municipal).”

Pagamento de jetons foi feito sem identificar individualmente os beneficiários
Pagamento de jetons foi feito sem identificar individualmente os beneficiários. (Reprodução/ Transparência Vila Velha)

Ou seja, a remuneração foi feita em bloco, sem a individualização dos valores recebidos e fora da folha de pagamento.

Junto a esse pagamento há um anexo em que aparece o detalhamento referente aos meses de março e abril. Nele, é possível ver os nomes, valores e até dados bancários e pessoais dos secretários e do procurador-geral. A relação de pagamento foi feita pela Secretaria da Fazenda municipal, cuja titular, Adinalva Maria da Silva Prates, também é beneficiária do jeton.

Lista dos beneficiários do jeton do Comafo anexada ao pagamento sem identificação
Lista dos beneficiários do jeton do Comafo anexada ao pagamento sem identificação. (Reprodução/ Transparência Vila Velha)

Para prefeitura, denúncia comprova transparência

Como a área técnica do TCES observou, para identificar o pagamento dos jetons é preciso consultar a lei que institui o jeton, o decreto de nomeação dos membros da comissão, buscar no rol de fornecedores da prefeitura pelo número da lei e dividir o valor global da despesa pelo número de membros beneficiários para, assim, concluir o valor e quem de fato o estava recebendo.

Em resposta à análise inicial, a prefeitura havia informado que, em 2022, recebeu o Selo de Ouro de Transparência Pública e, em 2023, ficou em primeiro lugar no ranking da Transparência Capixaba. Disse ainda que as leis que criam o jeton e a comissão foram publicadas no Diário Oficial e que a própria denúncia é “prova” de que o pagamento é transparente.

Esses argumentos, porém, foram considerados insuficientes pela análise técnica. “Não obstante todo esmero em demonstrar altos índices de aprovação da transparência municipal, é incontroverso que os responsáveis, ordenadores de despesas, não divulgaram a relação de beneficiados da vantagem jeton, seja em valor discriminado auferido por cada qual, seja dando transparência aos beneficiários”, apontou.

Ao recomendar que a prefeitura consolide os pagamentos dos servidores em uma única folha de pagamento mensal, o órgão ressaltou a gravidade da conduta e recomendou que a irregularidade seja reconhecida, e os responsáveis, multados.

Pagamentos deveriam ser remuneratórios, segundo TCES

Ao instituir o Comafo, a prefeitura determinou que a verba recebida como jeton pela participação nas reuniões fosse indenizatória e não remuneratória. Existe uma diferença importante entre as duas: sobre as verbas remuneratórias incidem os descontos de INSS e de Imposto de Renda, além do abate-teto, caso o total recebido seja mais alto que o salário do prefeito. Já as remuneratórias são isentas de tudo isso.

Segundo o relatório técnico do TCES, tanto a Corte de Contas estadual quanto a da União entendem que a verba é remuneratória. A prefeitura discorda desse entendimento.

“Fica reluzente a conduta irregular de ordenar o próprio pagamento de verbas (jetons) de natureza remuneratória como se fosse indenizatória, deixando de realizar o abate-teto e os descontos devidos a título de retenção de Imposto de Renda”, diz a análise.

Ainda de acordo com o documento do TCES, a ação dos secretários “culmina no dever de devolução de todo o valor recebido acima do valor do teto constitucional, o subsídio do Prefeito Municipal, em atenção ao inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal, e recolhimento do imposto de renda, caso haja valor a ser recebido”.

A exceção é em relação ao procurador-geral do município, já que, no caso dele, o salário de referência para o abate-teto é o do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda assim, há a recomendação para que ele devolva o valor referente ao desconto no imposto de renda.

Prefeitura contesta denúncia e diz que pagamentos são regulares

A Prefeitura de Vila Velha contesta o resultado da análise técnica feita pelo TCES. Segundo o secretário municipal de Controle e Transparência, Otávio Junior Rodrigues Postay, o pagamento dos jetons foi feito no mesmo modelo de outros entes federados.

"Vila Velha seguiu a linha que todos seguem com relação aos jetons, porque ele é de natureza indenizatória. Se você pegar as remunerações (de jetons) de outras cidades, as do governo do Estado, Bandes, Cesan, todo mundo, você vai ver que é sempre indenizatória", diz. 

Sobre o fato de não incidir desconto de Imposto de Renda, INSS e abate-teto sobre verbas indenizatórias, ele ressalta que, no caso da Serra, cidade que tem processo similar em tramitação no TCES (leia mais sobre o caso abaixo), uma decisão cautelar (emergencial) autorizou que o município continuasse pagando o benefício enquanto a questão não é julgada definitivamente pelos conselheiros. Já Vila Velha, afirma o secretário, interrompeu voluntariamente os pagamentos em agosto de 2023 até que a questão seja resolvida pela Corte de Contas. 

Em relação à questão da transparência, o secretário aponta que pode ter havido um erro no Portal da Transparência de Vila Velha, que ocultou os nomes dos beneficiados pelo jeton. Segundo ele, houve uma mudança no sistema entre 2022 e 2023 que pode ter desencadeado o erro. 

Postay lembra que o processo no TCES ainda não foi concluído e falta o parecer do Ministério Público de Contas, o voto do conselheiro relator – nesse caso, Rodrigo Chamoun – e o voto dos demais membros em plenário para que a questão seja sanada. 

Jeton pago a secretários na Serra também é alvo do TCES

No ano passado, após matéria de A Gazeta, o Tribunal de Contas do Espírito Santo passou a apurar o pagamento de jetons de R$ 8 mil para secretários da Prefeitura da Serra. 

Em análise preliminar, a área técnica pediu que fosse dada uma decisão cautelar (emergencial) para que os valores passassem a ser considerados remuneratórios, o que acarretaria a aplicação dos descontos de IR e INSS. Em plenário, os conselheiros divergiram do entendimento técnico e determinaram que o processo seguisse o rito normal. Ou seja, não foi determinada suspensão ou modificação dos pagamentos até que haja decisão definitiva sobre o caso.   

O processo de denúncia 5733/2023 teve um pedido de medida cautelar feito pelo denunciante, para a imediata suspensão dos pagamentos, o qual foi indeferido pelo Tribunal, em novembro de 2023. O processo já recebeu a manifestação da área técnica por meio da Instrução Técnica Inicial e a prefeitura já se manifestou nos autos. Ainda não houve o julgamento do mérito.

Ministério Público investiga caso na Serra

Ministério Público do Espírito Santo (MPES) também passou a investigar a legalidade e constitucionalidade do pagamento de jetons na Serra. Em outubro do ano passado, os procedimentos instaurados pela 5ª Promotoria de Justiça Cível estavam em fase de instrução e não havia prazo para conclusão. Procurada na última semana para esclarecer o quadro atual, a instituição informou, por meio de nota nesta terça-feira (16), que foi constatada a existência de uma lei municipal que autoriza o pagamento de jetons. 

"Diante disso, o promotor de Justiça fez uma representação à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), que tem a atribuição para avaliar a inconstitucionalidade da referida lei. A representação está sendo analisada na PGJ e o procedimento para apurar o caso segue em andamento na Promotoria de Justiça de Serra, a fim de verificar se todos os servidores que receberam a verba participaram das atividades que a lei menciona como condição para o recebimento", diz a nota, em relação aos procedimentos de investigação na Serra. 

Em relação a Vila Velha, o Ministério Público aponta que foi verificado que o município não paga, no momento, jetons aos secretários. Mas o órgão não esclareceu sobre a remuneração efetivada no ano anterior.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais