Repórter de Política / [email protected]
Publicado em 29 de junho de 2021 às 02:00
- Atualizado há 4 anos
A vacina indiana Covaxin esteve no centro das atenções nas últimas semanas, mas não por ter chegado ao Brasil, e sim devido a suspeitas de irregularidades no contrato firmado entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, intermediadora da fabricante indiana Bharat Biotech. >
A negociação de 200 milhões de doses por R$ 1,6 bilhão é alvo de investigação do Ministério Público Federal, que vê indícios de crimes na compra, e se tornou o foco da CPI da Covid no Senado, que investiga atos e omissões do governo federal no combate à pandemia. >
O caso ganhou uma nova dimensão após o depoimento, na última sexta-feira (25), dos irmãos Miranda, um servidor público do Ministério da Saúde e o outro deputado federal bolsonarista. Eles denunciaram um suposto esquema de corrupção no contrato que envolve, de acordo com o parlamentar, o líder do governo da Câmara e foi comunicado pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em março deste ano. >
Nesta terça-feira (29), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, informou que vai suspender o contrato.>
>
Entenda o que se sabe até agora sobre o caso:>
Em novembro do ano passado, o Ministério da Saúde se reuniu com representantes de cinco fabricantes das vacinas, entre elas a Covaxin, da Índia. Na época, o governo federal já tinha recebido ofertas da Pfizer – mais de 50 e-mails de negociação teriam sido ignorados – e do Instituto Butantan, mas nenhum contrato havia sido assinado.>
Diferentemente das outras vacinas, como a Pfizer e a Coronavac, cujos preços e falta de comprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foram apontados como problemas pelo presidente Jair Bolsonaro para realizar a compra, não houve a mesma preocupação com o imunizante indiano. >
O chefe do Planalto se empenhou pessoalmente em consegui-lo, chegando a enviar uma carta para o primeiro-ministro da índia e uma comitiva para o país asiático, que tinha como um dos membros Francisco Maximiano, sócio-administrador da Precisa Medicamentos, representante no Brasil da Bharat Biotech, que é a fabricante da Covaxin. >
A importação da Covaxin foi viabilizada por uma emenda apresentada pelo líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), à medida provisória 1026. A proposta permitia que a Anvisa desse "autorização para a importação e distribuição de quaisquer vacinas" e medicamentos não registrados na agência, desde que aprovadas por autoridades sanitárias de outros países. A MP foi aprovada no dia 23 de fevereiro. >
A aquisição de 200 milhões de doses por R$ 1,6 bilhão foi fechada no dia 25 de fevereiro, dois dias depois de a Medida Provisória ser aprovada pela Câmara dos Deputados. O contrato foi assinado entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, e foi a única negociação que contou com uma intermediária no processo. >
Cada dose da Covaxin custou US$ 15, o que na época equivalia a R$ 80,70. O preço foi o maior já negociado pelo Ministério da Saúde para um imunizante no Brasil. O dinheiro foi empenhado, ou seja, reservado para a aquisição de vacinas três dias depois da assinatura do termo. Por causa disso, não pode ser utilizado para outro fim até que o contrato seja cancelado.>
O preço pago por outras vacinas foi: Coronavac: R$ 58,30; Pfizer e a Janssen US$ 10 (R$ 56,30) cada uma; Sputnik V R$ 69,36; e a AstraZeneca US$ 3,16 (R$ 19,87). >
No dia 31 de março, a Anvisa rejeitou o pedido de importação de doses da Covaxin por falta de documentos básicos por parte da empresa responsável que garantia segurança e qualidade do imunizante. >
Dois pontos do contrato chamaram a atenção do Ministério Público: o alto preço do imunizante, maior do que qualquer outro já negociado pelo Brasil, e a existência da empresa Precisa Medicamentos como intermediária na importação. As suspeitas levaram o MPF a convocar funcionários dos Ministério da Saúde a prestar depoimento, entre eles o chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda.>
Em depoimento ao Ministério Público, no dia 31 de março, o servidor relatou que havia sofrido pressão incomum e exagerada por superiores para liberar a compra da Covaxin. Ele contou ter recebido diversas mensagens e ligações, inclusive nos fins de semana.>
Miranda também relatou ter encontrado inconsistência nas notas fiscais, que estavam no nome de uma outra empresa, com sede em Singapura, e não da fabricante, algo incomum na compra de vacinas. Além disso, ele revelou ter se recusado a assinar uma autorização de pagamento antecipado no valor de US$ 45 milhões por 300 mil doses.>
Antes de relatar o caso ao MPF, contudo, o servidor entrou em contato com o irmão, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), e comunicou as supostas irregularidades. Por ser da base bolsonarista e próximo ao presidente, o parlamentar disse que foi junto do servidor até o Palácio da Alvorada procurar por Bolsonaro e relatar suspeitas de corrupção no governo, no dia 20 de março.>
Segundo Luís Miranda, ele e o irmão fizeram a denúncia pessoalmente ao presidente, que se comprometeu a acionar a Polícia Federal e abrir um inquérito. Ainda segundo o deputado federal, o presidente citou o nome do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), como alguém que poderia estar envolvido no esquema. A visita aconteceu em março, mas a Polícia Federal não recebeu nenhum pedido para investigar o caso.>
O caso se tornou público após o jornal Folha de São Paulo divulgar, no dia 18 de junho, que o MPF investigava supostas irregularidades e via indícios de crimes no contrato firmado entre o Ministério da Saúde e a Precisa. O órgão enviou a investigação para ofício que cuida de combate à corrupção. A reportagem também relevou o conteúdo do depoimento de Luís Ricardo Miranda ao Ministério Público, relatando inconsistências no acordo e pressão para assiná-lo.>
O governo federal reagiu às denúncias. Em pronunciamento à imprensa, o ministro Onyx Lorenzoni acusou o servidor do Ministério da Saúde de apresentar documentos falsos e mentir. Ele determinou a abertura de uma investigação na Polícia Federal contra os irmãos Miranda e também pediu que a Controladoria-Geral da União investigue o servidor público por ter feito a denúncia. >
No dia em estava marcado o depoimento dos irmãos Miranda na CPI da Covid, o presidente Jair Bolsonaro disse que a Polícia Federal ia abrir inquérito para investigar a compra da Covaxin. O presidente, contudo, alegou que não havia corrupção porque a vacina não havia sido comprada, já que o dinheiro não tinha sido repassado, apenas empenhado. >
Os irmãos Miranda foram convocados para depor na CPI da Covid, que apura atos de omissão do governo federal na condução da pandemia de Covid-19. O depoimento aconteceu na última sexta-feira (25).>
O servidor Luís Ricardo Miranda confirmou o conteúdo do depoimento dado ao MPF, disse ter visto inconsistências nas notas fiscais do contrato, entre elas divergência no número de doses (que foi retificado três vezes), pagamento a uma empresa que não era a fabricante, além de indicação de pagamento antecipado. Ele também relatou pressão anormal para liberar a compra.>
Já o deputado Luís Miranda confirmou ter procurado o presidente Jair Bolsonaro para contar sobre suspeitas de corrupção no governo e disse estar decepcionado com a omissão do chefe do Planalto. Só no fim da sessão ele revelou o nome do deputado que Bolsonaro ligou às suspeitas de irregularidades: o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).>
Nesta segunda-feira (28), os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Jorge Kajuru (Podemos-GO) e Fabiano Contarato (Rede) apresentaram uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a investigação do presidente Jair Bolsonaro por suposto crime de prevaricação. A relatora do caso é a ministra Rosa Weber.>
Bolsonaro diz que se encontrou com o deputado federal Luís Miranda, mas nega ter recebido as denúncias sobre supostas irregularidades nos contratos. O presidente também disse que não tem como saber o que acontece nos ministérios do governo e que não sabiam como estavam as tratativas com a Covaxin.>
O prazo estipulado no contrato para a entrega de doses da Covaxin era o dia 06 de maio, mas nenhuma vacina foi enviada ao Brasil até o momento. O pedido de importação do imunizante foi aprovado em caráter excepcional pela Anvisa no dia 04 de junho. As vacinas podem ser utilizadas, mas com restrições. O Ministério da Saúde não pagou nenhum lote, apesar de ter empenhado o dinheiro. >
Nesta terça-feira (29), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou que vai suspender o contrato. >
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta