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Em meio a retrocessos no combate à corrupção, Câmara quer mudar lei de improbidade

Em meio a retrocessos no combate à corrupção, Câmara quer mudar lei de improbidade

Alterações afrouxariam a legislação e dificultariam a punição de gestores públicos. Projeto de lei tem movimentado a Câmara dos Deputados

Publicado em 11 de março de 2021 às 02:00- Atualizado há 3 anos

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Plenário da Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara dos Deputados: mudança na Lei de Improbidade Administrativa ganha força na Casa. (Najara Araújo/Câmara dos Deputados)
Autor - Iara Diniz
Iara Diniz
Repórter de Política / [email protected]

No momento em que o país passa por vários reveses no combate à corrupção e a ascensão do deputado Arthur Lira (PP) coloca o Centrão no comando da Câmara dos Deputados, uma mudança na Lei de Improbidade Administrativa vem ganhando força na Casa.

Deputados de diferentes partidos têm se articulado para acelerar a votação do Projeto de Lei 10.887, que torna a Lei de Improbidade mais permissiva e afrouxa punições para gestores públicos. As alterações na legislação são endossadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que recentemente declarou que burocracias demais “engessam” o trabalho dos prefeitos.

O movimento na Câmara dos Deputados é visto com certo temor por membros do Ministério Público, conforme registrou o jornal Folha de S. Paulo. Há preocupação que a proposta enfraqueça o poder punitivo e dificulte o trabalho dos órgãos de fiscalização.

Para juristas ouvidos por A Gazeta, a alteração de certos dispositivos da lei é necessária para que haja um entendimento comum entre os tribunais ao julgar os casos. Eles avaliam, contudo, que há riscos do aumento da impunidade, o que é visto como um retrocesso.

A Lei de Improbidade Administrativa foi criada em 1992. Ela pune gestores públicos que praticam atos de improbidade, ou seja, atos que são considerados desonestos e que não se espera de um gestor público.

“É um grande avanço no combate à corrupção, porque dá voz às punições de agentes políticos na esfera cível”, destaca o professor de Direito da FDV Diego Moraes.

Como ela não tem natureza penal, ou seja, os atos praticados não são considerados crimes, uma pessoa não pode ser presa pela Lei de Improbidade Administrativa. As punições, nesse caso, vão desde indenização aos cofres públicos à perda de cargo e dos direitos políticos.

ALTERAÇÕES PROPOSTAS

Da forma como a Lei de Improbidade Administrativa é hoje, três situações podem configurar atos de improbidade: quando há dano ao erário, isto é, prejuízo a um órgão da administração pública, enriquecimento ilícito, ou violação aos princípios administrativos.

São considerados princípios administrativos a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A interpretação do que se configura como violação desses princípios é subjetiva e vai depender de cada situação, de acordo com juristas. No entanto, poderá deixar de se enquadrar como ato de improbidade com a nova redação proposta pelo PL 10.887.

Outra alteração diz respeito ao fim da improbidade em situação culposa, ou seja, quando não há intenção do gestor em cometer o ato.

“Em alguns casos, o gestor agiu sem zelo ou por descuido, mas não teve intenção de causar prejuízo. Na lei atual, ele responde por ato de improbidade, enquanto o projeto de lei retira essa possibilidade. Isso não quer dizer que esse agente não vai ter que compensar o dano que ele causou. Ele não fica sem responder pelo dano, ele só não vai responder a uma ação de improbidade ”, explicou Moraes.

Com essa alteração, prefeitos que, durante a pandemia compraram respiradores com preços muito superior ao do mercado, por exemplo, deixariam de ser responsabilizados por improbidade, caso fosse comprovado que não houve intenção de causar prejuízo aos cofres públicos.

Na visão da especialista em Direito Administrativo Mariana Beliqui, as modificações trazidas pelo projeto de lei são importantes, porque aprimoram dispositivos da legislação e dão mais segurança para a atuação do gestor público.

“O ponto principal dessas mudanças é absorver a jurisprudência. As alterações aproximam um entendimento dos tribunais que, em diferentes Estados, têm uma interpretação diferente sobre os casos. Quando você pacifica essas questões em uma lei, você uniformiza o entendimento sobre aquele assunto”, opina.

AUMENTO DA IMPUNIDADE

Para o professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e Mestre em Direito Processual Civil pela UFES Marcelo Sant’Anna, contudo, "a redução da quantidade de atitudes que poderão ser tipificadas como atos de improbidade administrativa tende a reduzir a quantidade de processos". Ele avalia que isso “abre margem à impunidade de agentes públicos.”

Análise semelhante é feita pelo especialista em Direito Público Eduardo Sarlo. Segundo ele, há graves riscos de enfraquecimento do poder punitivo, já que algumas condutas não poderão ser enquadradas em atos de improbidade.

“Condutas como nepotismo, fraude em concurso público, ausência de prestação de contas, favorecimento em licitações, tortura para obter confissão, entre várias outras restarão sem qualquer punição no âmbito da improbidade”, destaca.

“Penso que além de haver perda do poder de punir em diversos casos, isso ainda dificulta o poder público de atuar na busca da reparação material dos prejuízos sofridos por força de condutas criminosas, antiéticas e imorais que tendem a dilapidar o dinheiro público, o bem público e o patrimônio coletivo de modo geral.”

A discussão sobre mudanças na lei de improbidade não é nova. O PL 10.887 foi apresentado em 2018, com apoio do então presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM). A proposta, porém, foi reformulada e está sob relatoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). A expectativa é que seja votada este ano.

Para Sant’Anna, essa movimentação por parte do Legislativo federal visa “retirar a responsabilização de algumas condutas de agentes públicos” e facilitar atos de improbidade.

“Vejo um intuito de evitar que as condutas praticadas, até pelos próprios congressistas, sejam futuramente objeto de investigação e punição. Considerando que a reputação de uma pessoa que se vincula à administração pública deve ser pautada, sobremaneira, pela ética e a moralidade, a legislação abre margem a diversas atitudes contrárias ao setor público", avalia.

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