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Eleitores do ES na mira de robôs e perfis falsos na internet

Eleitores do ES na mira de robôs e perfis falsos na internet

17% das mensagens em rede social tentam influenciar voto

Publicado em 17 de junho de 2018 às 00:19

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Um monte de memes, críticas à “mídia”, teses mirabolantes para explicar dados da realidade – ou para provocar a descrença em relação a esses mesmos dados – e compartilhamento de links de sites obscuros. A estratégia usada pelos chamados “perfis de interferência” no Twitter é praticamente a mesma. Mas dois, ou mais, podem jogar esse jogo.

Levantamento realizado pela Exata Inteligência em Comunicação Digital, a pedido de A GAZETA, identificou que 17% das publicações na rede social (529 entre 3.103), a partir do Espírito Santo, foram feitas por bots (robôs), perfis falsos ou perfis adeptos. Esses perfis são “construídos exclusivamente para falar de um determinado político ou ideologia política, interferindo, assim, no processo de decisão do voto”, como define a Exata.

Quem lidera entre as publicações de interferência é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), relacionado a 27,8% dos tweets e retweets. Em segundo aparecem mensagens pró-Lula: 19,1%.

Não há evidências de que o parlamentar, o ex-presidente petista ou suas equipes tenham contratado tais serviços. É pouco crível, no entanto, que o movimento seja gratuito. “Sem dúvida é um serviço profissional. Não posso afirmar que é o Bolsonaro que paga ou que é o PT, mas que é profissional, é. É muito hierarquizado, organizado”, afirma o sócio da Exata Sergio Denicoli, que é jornalista e pós-doutor em Comunicação Digital.

Isso não quer dizer que Bolsonaro, Lula e outros pré-candidatos não tenham apoiadores espontâneos no Twitter e em outras redes sociais. Mostra apenas que há uma estratégia para garantir esse apoio dentro e, principalmente, fora da internet.

O deputado, por exemplo, tem se destacado na mobilização nas redes, a ponto de figurar em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto mesmo sem ter estrutura partidária e perspectivas de recursos significativos para a campanha. O nanico PSL deve contar com 0,53% do R$ 1,7 bilhão do fundo eleitoral, o que corresponde a cerca de R$ 9 milhões.

Onipresente

“Ele (Bolsonaro) é basicamente onipresente na internet, mas nas pesquisas ele não é”, pondera Denicoli, destacando que há uma discrepância entre o apoio virtual e o real, mas o primeiro tem alavancado o segundo.

A Exata fez um estudo semelhante para a revista “Veja”. O deputado federal chegou a passar o olho pelas páginas. Não é possível afirmar se ele leu porque, em um vídeo destinado a seus seguidores, abordou pontos que disse estarem no texto, mas que não estavam lá. A partir da repercussão surgiu um novo movimento, jocoso, nas redes sociais chamado “eu sou um robô do Bolsonaro”.

Parte dos perfis que fizeram essas publicações, ironicamente, eram de interferência (robôs mesmo, ou falsos ou adeptos), como identificou a Exata, posteriormente. “Alguns sim (eram de interferência). Muitas pessoas de verdade adotaram isso porque são eleitoras dele e decidiram se manifestar, mas houve uma deturpação do que foi dito na ‘Veja’ porque eu não falei só de robô, eu falei de perfil falso, robô e perfil militante pago”, lembra Denicoli.

Para além dos pré-candidatos em si, os perfis e publicações de interferência tentam dar voz a ideologias, sejam pró-esquerda, pró-direita, pró-militarismo ou “anti” todas essas coisas. Isso sem contar as informações falsas travestidas de notícias, que servem à afirmação dessas ideologias, sempre pautadas por extremismos que, por si só, são polêmicos e ajudam a viralizar as publicações.

No período entre 23/04 e 02/05 de 2018, observado no estudo para A GAZETA, o perfil @BussWaldir, identificado como anti-PT, relaciona o ex-ministro Joaquim Barbosa, algoz do partido no julgamento do mensalão, à ex-presidente Dilma Rousseff e “informa” que “um brigadeiro” proibiu o ministro Gilmar Mendes de voar em jatos da FAB. Já @carlosmlteixeir, pró-Lula, retweeta postagens de petistas e de sites ligados à esquerda, além de memes contra o juiz Sérgio Moro. Há perfis curiosos, como @thiagofc3079, que se apresenta como “Thiago Cidadão de Bem” e @adleras30, que em seu perfil afirma: “Flamengo acima de tudo! Zico acima de todos!”.

Durante e após a greve dos caminhoneiros, que durou dez dias em maio, vários dos perfis identificados pela Exata passaram a falar sobre a paralisação e sobre a possibilidade de uma intervenção militar no país. “Eles (perfis de interferência em geral, na internet) colocaram na pauta a intervenção”, destaca Denicoli. E a imprensa acabou também pautada. Mas no mundo real as faixas pró-intervenção estavam mesmo lá nos protestos.

É DE VERDADE?

Apesar de não serem canais exclusivos de propagação de fake news, muitos dos perfis são eles mesmos falsos, conforme identificado pelo levantamento. Mas não é fácil saber disso. As publicações pró e contra causas ou pessoas estão misturadas a tweets sobre futebol, novelas, piadas e até notícias reais sobre fatos que nada têm a ver com pré-candidatos. Assim, é mais fácil que se passem por pessoas reais na rede. Para encontrar os “robôs” e afins, a Exata utilizou três tipos de inteligência artificial, que analisam padrões e dados matemáticos.

MENSAGENS CRIAM ILUSÃO DE QUE UM TEMA BOMBA NA WEB

Batizados de “perfis de interferência”, até que ponto esses robôs, perfis falsos ou pagos realmente influenciam alguém? São espalhadores de fake news, mas quem já não tem uma “queda” pelo tema que eles tentam emplacar poderia realmente acreditar em coisas estapafúrdias só porque “viu na internet”?

Para o jornalista e pós-doutor em Comunicação Digital Sergio Denicoli, a resposta, muitas vezes, é sim. Até mesmo a imprensa pode ser influenciada pela agenda imposta, natural ou artificialmente, pelas redes sociais. Isso porque os “robôs” e outros replicam publicações a ponto de parecer que “todo mundo” está falando sobre determinado assunto.

Esses perfis de interferência teriam capacidade de influenciar a decisão do eleitor? Se eu (um eu hipotético) não tenho simpatia pelo candidato X, eu não vou acreditar numa “notícia” esdrúxula positiva para ele. Se eu tenho simpatia, vou acreditar. Mas se eu tenho simpatia provavelmente eu já ia votar nele mesmo...

A questão não é só o candidato. É o entorno dele. Existem perfis pró-Lula, pró-Bolsonaro, pró-Ciro, mas também têm pró-direita, pró-esquerda, anti-direita, anti-esquerda, anti-extremos. Hoje, o que se constrói é que se a pessoa é de direita ela é a favor do porte de arma e contra LGBT, por exemplo. Tem todo um contexto. Aí o candidato aparece como representante disso. Não é simplesmente: “Vote no candidato X”. É: “Se você se armar, ninguém vai te assaltar”; e depois aparece o candidato falando: “Sou a favor do porte de arma”.

Apostar tudo na internet dá certo? Nem todo mundo tem acesso à internet, às redes sociais.

Mas há uma disputa pelo domínio da agenda pública. A pessoa pode não ter acesso à internet, mas alguém tem, chega num bar, numa reunião de família e comenta sobre o que ela viu. Há uma influência mesmo sobre quem não está conectado.

Além disso, a própria imprensa, como os jornalistas estão muito na internet, é influenciada por isso. De repente, a pessoa não tem acesso à internet, mas vê na televisão uma reportagem inspirada em algo que está na internet e a pessoa tem acesso a essa informação também. A gente não pode menosprezar a internet. Ela e a televisão têm um peso muito equilibrado na decisão do voto.

O percentual encontrado, de 17% de publicações de interferência no Twitter no Estado, é alto?

De cada dez tweets, quase dois tentam interferir no nosso processo eleitoral. Acho isso muito alto.

Os robôs e os outros perfis de interferência podem publicar não só fake news. O candidato ou seus simpatizantes podem apenas achar que essa é uma estratégia melhor do que a propaganda convencional.

Sim. Quando o assunto surge na rede, ele tem o tempo de vida muito prolongado. Ele começa numa pequena conversa, vai se expandindo, a imprensa absorve aquele assunto, difunde ainda mais e depois tem o declínio do tema. Quando a coisa chega a partir da imprensa, ela chega para todo mundo, mas o tempo de vida é mais curto.

Só que esses perfis espalham também fake news, mentiras. Esses dias, numa palestra, uma pessoa perguntou: “Ah, mas isso não quer dizer que o candidato é esperto?” (ao utilizar essa estratégia de perfis de interferência).

Aí é algo que o eleitor tem que se perguntar: é esse tipo de esperteza que quer para um presidente da República?

É uma coisa muito complexa de se fazer, essa rede de perfis, ou é fácil?

O sistema é caro. A questão não é criar o robô, a questão é manutenção do robô, a estratégia que está por trás dele.

Para além do Twitter: preocupação é com WhatsApp

Para o professor de Marketing da FGV Mmurad José Mauro Gonçalves Nunes, a estratégia desses perfis nas redes sociais, associada ao próprio mecanismo de funcionamento dela, como o algoritmo do Facebook, por exemplo, tem o poder de formar “câmaras de eco”, em que apenas um ponto de vista é reforçado. “O Twitter tem uma base baixa no Brasil. Já o Facebook é muito difundido, mas o que mais me preocupa é o WhatsApp”, pontua.

Para além da campanha dos pré-candidatos, o aplicativo de troca de mensagens instantâneas ganhou destaque na greve dos caminhoneiros e possibilitou a organização horizontal do protesto, tornando difícil a identificação dos líderes e fácil a disseminação de informações falsas. “Passa no jornal, mas ele não acredita porque a ‘notícia’ do WhatsApp confirma a narrativa que ele já construiu. O WhatsApp é mais intuitivo, mais fácil de usar, até pelos idosos. Tem uma capilaridade maior que as redes sociais”, avalia Nunes.

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“As eleições de 2018 vão ser afetadas por isso. As câmaras de eco e os boatos mostram o desalento com a política e os políticos. Deve haver um aumento de votos brancos e nulos. E o reforço de candidatos com mensagens mais fortes. O presidente eleito terá um número pequeno de votos, será como foi a eleição do Trump, nos Estados Unidos”, prevê.

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