Publicado em 29 de fevereiro de 2020 às 13:45
Ao assumir a presidência da República em 2019, Jair Bolsonaro (sem partido) promoveu uma mudança na relação com o Congresso. Em vez de fazer a coalizão com os partidos, modelo tradicional desde 1988 e seguido por todos os presidentes até então, Bolsonaro resolveu formar sua base por meio dos grupos temáticos da Câmara. >
Os deputados federais optaram, então, por criar frentes para tentar se articular melhor com o presidente e ter mais voz, também, com ministros, que podem ajudá-los a liberar recursos para as bases. >
Entre os grupos temáticos mais próximos de Bolsonaro estão a chamada bancada BBB: do Boi (Frente da Agropecuária), da Bala (Frente Armamentista) e da Bíblia (Frente Evangélica). É o que sustenta a cientista política Joyce Hellen Luz, pesquisadora do Núcleo de Instituições Políticas e Eleitorais (Nipe), do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).>
O problema de dividir a base por temas, segundo ela, é que frentes não são partidos, ou seja, não têm poderes institucionais para indicar comissões no Legislativo ou orientar a votação dos seus membros. >
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Frente não tem coesão de voto. Dois deputados podem estar em uma frente sobre um assunto específico, mas, quando a pauta muda, eles podem ter opiniões totalmente divergentes. O que dificulta articular uma base, analisa.>
Mas, há algo de errado na criação de centenas de frentes parlamentares? Para Luz, não. Segundo ela, os colegiados cumprem o papel de produzir informação, ainda que de temas muito específicos. >
Como o Executivo do país tem, naturalmente, uma dificuldade de focar em temas locais, como a construção de uma rodovia, por exemplo, as frentes assumem a responsabilidade de chamar a atenção do presidente para uma demanda. >
O país é muito grande, o Executivo não consegue estar em todos os lugares. Uma frente pode até não chamar a atenção do presidente, mas chama a dos ministros, arranja um espaço na agenda deles e, por vezes, consegue colocar essa demanda no orçamento, explica.>
Além de tentar ter mais voz, outra hipótese para o aumento do número de colegiados está relacionado com a crise identitária dos partidos, com cada vez menos coesão de ideologias entre os filiados. Os parlamentares, assim, procuram mostrar para o eleitorado o que defendem no Congresso por meio da participação nos colegiados.>
A professora da FGV Brasília e doutora em Ciência Política Graziella Testa sustenta que dificilmente um parlamentar deixa de assinar a lista de uma frente parlamentar, caso ela não tenha nenhum ponto controverso. Ela destaca que há grupos que acabam servindo com fins eleitoreiros e mal saem do papel, mas há frentes que estão ativas há anos e que têm reunião semanal. O que define se o grupo terá ou não atuação efetiva é o empenho dos coordenadores e a cobrança por parte da população.>
Graziella Testa
Professora da FGV Brasília e doutora em Ciência PolíticaOutro papel que as frentes ajudam a cumprir é o de gerar conteúdo para a prestação de contas de parlamentares. A professora explica que a prática é comum para representantes do Legislativo, que estão em um poder coletivo e não possuem realizações individuais.>
Há um discurso de muitos deputados de que a Câmara é ruim e o parlamentar é ótimo. O que é uma pena, pois o Legislativo deveria ser pensado de maneira coletiva e não individual. O que acontece é que muitos deles criam frentes de maneira inócua, para tentar vendê-la como um capital político, alerta Graziella Testa.>
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