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Sete comunidades do ES falam da paixão pelas escolas de samba

Sete comunidades do ES falam da paixão pelas escolas de samba

A Gazeta visitou os bairros onde nasceram as escolas do Grupo Especial e mostra como elas ajudam as comunidades

Publicado em 15 de fevereiro de 2020 às 06:01

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Penha Lemos, integrante da escola de samba Imperatriz do Forte. (Vitor Jubini)

São Torquato, Glória, Piedade, Jucutuquara, Forte São João, Itaquari e Caratoíra: comunidades da Grande Vitória que têm cada uma delas as suas peculiaridades, mas que traduzem, sem exceção, a força do samba. Elas mostram que o carnaval é muito maior que o desfile no Sambão do Povo, que acontece neste sábado, dia 15.

A Gazeta percorreu os bairros onde “nasceu” o samba na região e conheceu personagens cujas histórias de vida se misturam à trajetória das escolas, reforçando a importância dessas agremiações para a construção da identidade e o desenvolvimento social e cultural dessas comunidades. O samba transforma a vida desses moradores, como é o caso de Penha Lemos, atual vice-presidente da Imperatriz do Forte, com sede no Forte São João, em Vitória, mas com muita influência no Romão, bairro vizinho.

Penha, hoje com 43 anos, conheceu o poder da batida do ritmo ainda criança e acompanhava os desfiles na Avenida Jerônimo Monteiro, já que até 1985 as escolas de samba se apresentavam no Centro de Vitória. O elo com o samba fortaleceu a ligação dela com a comunidade onde vive. 

“Aqui tem riquezas: samba, pagode no alto, em cima do cruzeiro, vista para o Morro do Penedo e para a Baía de Vitória. E o carnaval ajuda a evidenciar isso tudo com a Imperatriz do Forte. A escola e o bairro estão interligados. Temos vários projetos de capoeira, escolinhas de futebol, uma gruta da onça que é referência de Mata Atlântica. Nossa comunidade é visitada por várias pessoas de fora, inclusive por estrangeiros, que se encantam pelo Forte São João e pelo Romão”, diz Penha, apaixonada pelas duas comunidades ligadas à Imperatriz do Forte.

Membro do Instituto Raízes da Piedade, que atua nos morros da Piedade e da Fonte Grande, em Vitória, Jocelino Júnior, pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), reforça que as agremiações, geralmente, se ergueram em bairros que sofrem com a desigualdade social e com a violência. E o samba, nesse contexto, não deixa de ser um mecanismo para preservar e valorizar a cultura local e para melhorar a autoestima das comunidades.

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A escola de samba surgiu a partir de uma política de segregação, quando o Brasil não permitia as culturas populares, principalmente aquelas do povo negro. Por isso que se fala que o samba é resistência. Onde ficam as agremiações? É na periferia. No carnaval, os papéis se invertem porque o rico compra o camarote para assistir ao pobre mostrar a sua arte

Jocelino Júnior
r, pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo
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Comunidades como a Piedade têm sido frequentemente cenários de confrontos, com mortos e feridos. Ensaios, reuniões e o desejo de representar o bairro no Sambão do Povo podem ajudar os moradores a quebrarem o ciclo de violência. “O samba permite estabelecer relações de sociabilidade e de reinserção e fortalecimento de vínculo familiar e comunitário”, frisa o representante do Raízes da Piedade.

Integrante da escola de samba  Piedade. (Fernando Madeira)

Historiador e mestre em Estudos Urbanos e Regionais, Marcus Vinicius Sant’Ana também pontua que a escola de samba tem um extremo potencial de inclusão social e de saúde psicológica para os moradores.

“Vemos uma forte participação de uma juventude que, consequentemente, se afasta do tráfico e uma participação de pessoas da terceira idade em segmentos como Velha Guarda e Baianas, auxiliando nos problemas peculiares da idade”, afirma o pesquisador.

Um fator bastante comum na maioria das escolas de samba é que elas são oriundas de alguma agremiação, seja ela esportiva ou carnavalesca: times de futebol, blocos ou as batucadas são alguns desses tipos, de acordo com Marcus Vinicius. A consolidação das escolas de samba como principal forma de brincar o carnaval acontece nas décadas de 1960 e 1970. Gradativamente a transformação em escola de samba era o ponto auge dos grêmios que de alguma forma celebrava o carnaval.

Aos poucos, as escolas foram se expandindo, ganhando espaço dentro e fora das comunidades, como referência para os moradores e pontos de origem de casos de amor e pertencimento pelo bairro. Ao longo da reportagem você vai se encantar com algumas dessas histórias.

Ensaio técnico da Jucutuquara . ( Fernando Madeira )

 JUCUTUQUARA: INTEGRAÇÃO É A PALAVRA

“As ações culturais são maiores que o próprio carnaval”, declara Aparecida Vidon,77, que mora há 28 anos em Fradinhos, Vitória. A podóloga acredita que a união das comunidades próximas ao bairro seja a fórmula para o sucesso da Unidos de Jucutuquara, sete vezes campeã do carnaval. “Essa integração é a nossa força. A Unidos de Jucutuquara promove o desenvolvimento do bairro. As pessoas participam o ano todo das atividades, firmando uma identidade, uma troca, que só o samba proporciona.”

Ela diz que os encontros promovidos na quadra - provisoriamente instalada no Clube Anchieta -, com programações culturais, criam um sentimento de pertencimento aos moradores da Grande Jucutuquara. 

“Temos a tradição de fazer bailes e festas comemorativas. Em janeiro, organizamos um baile de máscaras que encheu a quadra, trazendo pessoas novas. Os visitantes conhecem um pouco da história da escola e da tradição da vida noturna”, explica, afirmando que o grupo responsável pela cultura da agremiação está desenvolvendo vários projetos sociais.

Aparecida Vidon, integrante da velha guarda da  Jucutuquara. (Vitor Jubini)

Ainda de acordo com Aparecida, que é uma das componentes mais atuantes da Velha Guarda da Coruja, a integração com os bares e restaurantes elevam a identidade carnavalesca da região. “Temos a Velha Guarda do Samba, que se apresenta em bares muito tradicionais por aqui. Fazemos eventos e encontros sociais, numa integração bem bacana. Esse amor pelo samba e pela comunidade é compartilhado por todos”, sorri, com brilho nos olhos.

Outro projeto é aproximar mais as crianças do samba. “Vamos criar projetos para que elas aprendam a tocar instrumentos musicais, já criando identidade com o samba e com a nossa raiz.”

 Ensaio técnico da Independentes de Boa Vista. (Fernando Madeira)

ESPORTE E SAMBA QUE ABREM PORTAS

Futebol e carnaval: duas paixões brasileiras que juntas movimentam uma massa e conseguem transformar a vida das pessoas. Nesse contexto é que surge a Independente de Boa Vista, escola de samba do bairro Itaquari, em Cariacica, que é a atual campeã do Carnaval de Vitória.

Pentacampeã, a Boa Vista nasceu às margens do campo de futebol da Praça de Esportes Orlando Nogueira, em Itaquari. Um dos seus fundadores, José Carlos Barbosa, era treinador do Esporte Clube Itaquari, time muito tradicional no futebol amador capixaba.

“Minha cunhada me incentivou e disse que eu deveria fazer um bloquinho, principalmente para as mulheres. No início foi muito difícil, não sabíamos nada e precisamos da ajuda do pessoal que faz o carnaval no Rio de Janeiro. Mas a comunidade abraçou o projeto, que deu muito certo”, lembra o fundador, hoje com 76 anos, que é conhecido como Caio, apesar de não saber explicar a origem do apelido.

José Carlos Barbosa,  77, fundador da Escola de Samba Independentes de Boa Vista . (Carlos Alberto Silva)

Uma característica comum às escolas de samba da Grande Vitória é que elas surgiram de alguma agremiação, seja ela esportiva ou carnavalesca. A história quis que a Boa Vista nascesse e crescesse às margens do campo de futebol da Rua Muniz Freire, que acabou se transformando vizinho da quadra da escola.

O time e a escola cresceram juntos, cumprindo um papel de colaborar para o desenvolvimento social da região. O próprio fundador da escola foi o responsável por escolinhas de futebol que davam oportunidade de lazer para crianças e jovens de Itaquari e bairros vizinhos. Jovens que, através de Caio e outros colegas do fundador da Boa Vista, aprenderam a gostar do esporte e da folia: como o atual presidente da escola, Emerson Xumbrega, que chegou a treinar futebol com o treinador.

“O futebol e o carnaval trouxeram mais união não só para Itaquari, mas para outras comunidades que se dedicam também ao carnaval, como o povo de Alto Lage e Jardim América, entre outras. Foi toda uma integração social. E eu fiz essa integração para todo mundo participar, com interesse de que todo mundo brinque, se divirta, e claro corra atrás dos sonhos, caso, por exemplo, queira se tornar um atleta profissional”, destaca Barbosa.

Estelita Gomes, 70, moradora da Piedade, desfila na ala das baianas. (Reprodução/Carlos Alberto Silva)

ELO FORTE COM OS MORADORES NA PIEDADE

Estelita Gomes, 70 anos, e Maria da Glória dos Santos, de 62. A primeira (foto abaixo) é moradora da Piedade. A segunda, da Fonte Grande. As duas, que desfilam na ala das baianas da Unidos da Piedade, são dois bons exemplos de como a escola ajuda na inclusão social e na melhoria da autoestima das duas comunidades. A primeira escola de samba do Carnaval de Vitória carrega o apelido de “mais querida” não é à toa: , fundada em 1955, ela é o xodó dos moradores dos bairros e de comunidades vizinhas.

“É muito bom participar da escola. Todo mundo é acolhedor. É por causa desse acolhimento, seja na escola ou no próprio bairro, que eu não me vejo morando em outro lugar mais”, se emociona Estelita.

Muito mais que um fim de semana de desfile, a escola construiu um elo forte com as comunidades, organizando eventos e apoiando projetos que existem nos dois bairros. “Lá tem baile, brincadeira para criança, para tirar menores da rua, lazer e cultura. Muita coisa disso conta com apoio da Piedade”, cita Maria da Glória.

NOVO IMPÉRIO: INCLUSÃO E CIDADANIA

“A Novo Império e a Grande Santo Antônio fazem parte de uma só família. Nossa quadra é bendita (risos). Tanto os jovens integrantes quanto os baluartes da fundação da escola se reúnem em perfeita sintonia, na formação de projetos sociais e promoção de eventos culturais que ajudam a criar uma identidade ‘imperiana’”, suspira a professora Bete Caseira, um dos símbolos da Velha Guarda da tradicional agremiação de Caratoíra, em Vitória.

“Temos um trabalho de ‘formiguinha’. Buscamos trazer as nossas crianças para a realidade do Império. Visitamos escolas do entorno para falar da nossa história e incutir nelas a cultura do carnaval”, complementa, destacando uma ação que envolve os pequenos portadores de síndrome de Down. “É uma questão de inclusão e cidadania trazê-los para o samba.”

“Os moradores do bairro usam a nossa camisa o ano todo. Os bares que funcionam próximo da escola têm uma grande sintonia com a gente. O samba sempre chega até eles e nossas festas normalmente acabam por lá”, responde, brincando a professora.

 Bete Caseira,  um dos símbolos da Velha Guarda da Novo Império. (Vitor Jubini)

SÃO TORQUATO, O BAIRRO QUE RESPIRA CARNAVAL

Em São Torquato, bairro de Vila Velha, a escola de samba que representa a comunidade nasceu em 1970, mas começou a dar seus primeiros passos mesmo na década de 1950, ainda como Bloco Caveira. Desde então, a Independentes de São Torquato marca a vida da comunidade. Por onde se anda, seja na parte de baixo do bairro ou no Morro da Boa Vista, os moradores afirmam que não imaginam como seria São Torquato sem a escola de samba.

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O samba é tudo que a gente tem em São Torquato. Já tivemos alguns times de futebol, mas hoje não é mais a mesma coisa. O que continua marcando a gente é o gigante que está acordando

Lucimar Santos de Oliveira
Diretora de passistas da agremiação
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Conhecida como “Dona Cimar”, Lucimar Santos de Oliveira transformou a casa da família em um mini -barracão. É na residência, que fica no alto do Morro da Boa Vista - e chegou a ficar interditada em decorrência do rolamento de pedras,- que são feitas as fantasias usadas pelas passistas que desfilam na São Torquato

Na casa, todo mundo respira carnaval: filhos, sobrinhos e até amigos se reuniram quase todos os dias nos últimos meses para montar com muito carinho as roupas que serão utilizadas. “A comunidade e os laços se fortalecem nessa época do ano através de uma manifestação cultural do bairro, que é o samba. Respiramos o samba”, comenta Lucimar.

Diosdeth Anastácio, moradora do bairro São Torquato, Vila Velha. (Ricardo Medeiros)

Dona Cimar tem 61 anos de vida e 61 anos de história com o carnaval. É que o gosto pelo samba vem de berço. A mãe dela, Deosdeth Anastácio Silva, 83, acompanhou o crescimento do Bloco Caveira. E ela reforça que o espírito de união pelo carnaval movimentou a comunidade antes mesmo do bloco se transformar em escola de samba.

“Com o tempo, a gente passou a botar fantasia no bloco e saía no morro pedindo dinheiro para as mães”, lembra, saudosista. “Depois íamos para a Vila Rubim comprar pano. Foi crescendo, viramos escola de samba e estamos aí juntos no bairro.”

Ana Maria Rodrigues: amor pela  MUG . (Vitor Jubini)

COMUNIDADE É PERTENCIMENTO

“Escola de samba é cultura de raiz. Fico impressionada com o desejo de entrega das pessoas e com o sentimento de pertencimento que paira sobre a comunidade da Glória nesta época do ano”, aponta a costureira Ana Maria Vidal, 61, vice-presidente do Guerreiros do Passado, como são chamados os integrantes da Velha Guarda da agremiação Mocidade Unida da Glória (MUG), de Vila Velha.

“Essa paixão dura o ano todo. Em agosto, realizamos uma feijoada que sempre lota a quadra, com gente vindo até de fora do Estado. Esse sucesso também se dá porque o Centro Comunitário da Glória trabalha em parceria com a MUG, divulgando todos os projetos e criando uma identidade cada vez mais sambista”, diz. Em 2020, a escola completa 40 anos e a tradicional feijoada - também feita para celebrar o Dia dos Pais - vai ganhar “temperos especiais”.

E nem só de samba vive a multicampeã do carnaval capixaba. A Mocidade Unida da Glória é conhecida por seus projetos sociais, que visa criar uma maior identificação da comunidade com a agremiação. Entre os destaques está o projeto Qualificar ES, um curso de solda para a ressocialização de detentos em regime semiaberto ou que já cumpriram suas penas. A ideia é dar uma qualificação profissional para quem precisa se recolocar no mercado. Muitos dos alunos trabalham no barracão, na confecção das alegorias.

Outras ações promovidas são as oficinas de percussão, que ensinam crianças com mais de 7 anos a tocar bateria; a oficina Samba no Pé, em que os pequenos aprendem a sambar (para formar novos passistas e integrantes); e o Faixa Dourada, que leva o judô para crianças com mais de 6 anos.

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Data: 12/02/2020 - ES - Vila Velha - Ana Maria Rodrigues, MUG. Entrevistada sobre a relação escola de samba e comunicade - Editoria: Cidades - Foto: Vitor Jubini - GZ(Vitor Jubini)

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