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Mais de 20 regras de pais para proteger filhos em bairros violentos no ES

Em bairros onde a violência predomina, pais ensinam aos filhos regras de como sobreviver a tiroteios, fugir do mundo das drogas e escapar do aliciamento de traficantes. Orientações vão de táticas de autodefesa ao uso adequado de roupas

As orientações repassadas às crianças que vivem em áreas de risco nos bairros da Grande Vitória vão desde locais e tipos de brincadeiras que são permitidas, passando pelo comportamento a ser adotado nos momentos de conflito, até a roupas que devem usar. E algumas orientações também valem para os adultos.

Para proteger os filhos das trocas de tiros, do mundo das drogas e até do aliciamento dos traficantes, os pais passaram a ensinar as crianças, até mesmo para as bem novinhas, verdadeiras táticas de sobrevivência. No dia a dia vão sendo repassados os conhecimentos adquiridos pelos que vivenciam os frequentes conflitos que afetam estas comunidades.

São famílias humildes, trabalhadores que precisam deixar seus filhos em casa sozinhos ou com parentes e que residem na Grande Vitória. E é para proteção destas famílias que A Gazeta não está identificando os nomes das pessoas entrevistadas nesta reportagem e nem dos bairros onde residem.

A preocupação mais frequente destas famílias é com as trocas de tiros. “Tem fases em que elas acontecem e é preciso se precaver”, conta uma mãe. A orientação dos pais é sempre ficar abaixado, e se possível, procurar um local para se esconder. “Se puder entre na casa, no comércio, em uma igreja ou na escola. Caso contrário procure um poste para se esconder”, relata outra mãe.

Orientação que salvou a vida de uma garota de 12 anos. No horário de saída da escola ocorreu um tiroteio na rua em frente a unidade. Desesperada, uma mãe furou a barreira policial para chegar até a escola, com medo da filha ser atingida por uma bala perdida, mas não a encontrava.

X.

Mãe de uma garota de 12 anos

"Foi quando, no meio do tumulto, ouvi a voz dela: ‘Mãe, estou aqui.’ Ela estava toda encolhidinha no chão, atrás de uma árvore. Fiquei muito emocionada quando a vi. Ela tinha feito exatamente como eu ensinei. Corri até lá, me deitei no chão e a abracei. Lá ficamos até tudo se acalmar"

Outra dica comum é para evitar correr na hora do tiroteio. “Cidadão de bem não corre. O pessoal do movimento (como é denominado o tráfico) sabe. Quem corre tem alguma coisa a dever e pode ser atingido por bala perdida”, pondera uma mãe.

Outra lembra uma preocupação das famílias com os jovens negros. “Meu filho só sai para o trabalho e do trabalho para casa. É um jovem negro e pobre, e tenho medo de ele ser confundido com bandido pela PM ou por gente de grupo rival. Nos dois casos o resultado é um inocente morto”, desabafa.

E se os pequenos ou jovens estiverem em casa na hora dos tiros, a orientação é procurar o ambiente mais seguro, longe de janelas, portas e varandas. “Digo para minha filha que se estiver no sofá é para ir para o chão”, relata uma mãe.

Há ainda orientações no sentido de evitar passar perto de pessoas do tráfico e, se for necessário, não olhar para eles. As crianças são ensinadas a desconfiar de todo mundo e a não parar para dar informações nem para idosos.

É proibido ainda andar de bicicleta, brincar ou ficar conversando com amiguinhos na rua. Quando for para a escola, estar sempre uniformizado. “É importante que saibam que aquele garoto é um estudante”, diz uma mãe.

Mas há também restrições para as meninas, para usarem roupas mais largas, por medo de serem assediadas. “Minha filha tem 11 anos e dei uma bermuda maior para ela usar. Na hora ela ficou com a cara feia, mas depois reconheceu que também pode ficar bonita com aquela roupa”, explica outra mãe.

Também aproveitam as experiências do que vivenciam para estimular as crianças e os adolescentes em busca de uma vida melhor. “Falo para a minha filha ter cuidados com as amizades e que elas podem nos ajudar a crescer ou a nos afundar”, relata uma moradora de periferia. “Lembro ao meu filho do coleguinha dele que morreu por estar envolvido com coisas erradas. Explico que na vida é preciso lutar e que ele não deve sonhar os sonhos dos outros”, ensina outra mãe.

AS REGRAS DE QUEM VIVE EM UM COTIDIANO DE VIOLÊNCIA

  1. Evitar passar perto de pessoas do tráfico
  2. Caso passe por traficantes, não olhe para eles
  3. Procure um abrigo ou se jogue no chão em caso de trocas de tiros
  4. Durante os tiroteios, evite correr
  5. Ao perceber que tem alguém armado na rua, mude de trajeto
  6. Não parar para conversar na rua
  7. Se for agredido ou assediado, peça ajuda, grite
  8. Desconfiar de todo mundo
  9. Evitar locais onde haja tumulto
  10. É proibido brincar, andar de bicicleta ou ficar conversando com os amigos na rua
  11. Ficar longe das companhias consideradas inadequadas pelos pais
  12. Não dar informações a ninguém, nem a idoso
  13. Não se aproximar de carros
  14. Não abrir porta para desconhecido
  15. Não usar celular na rua
  16. Não sair sozinha para fazer compras
  17. Evitar usar roupas apertadas para não "mostrar o corpo"
  18. Brincar só dentro de casa
  19. Ir uniformizado para a escola para os traficantes saberem que é um estudante
  20. Carregar o bebê sempre na parte da frente do corpo, para protegê-lo de tiros
  21. Não levar bebês em carrinho pois é difícil tirá-los em uma troca de tiros (cinto impede)
  22. Andar na avenida principal pois há mais movimento
  23. Andar mais próximo ao muro ou parede das casas para ter onde se proteger de bala perdida
  24. Evitar a varanda da casa pois ficam expostos a balas perdidas
  25. Não entrar no carro de ninguém
  26. Se ouvir tiros, ficar longe das paredes. Se estiver no sofá, ir para o chão. Procure o lugar mais seguro da casa
  27. Não aceitar nada de ninguém, nem transportar nada de outra pessoa, ou mesmo segurar por um momento

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