Marcus Faustini é cineasta, escritor e criador da metodologia da Agência de Redes para Juventude
Marcus Faustini é cineasta, escritor e criador da metodologia da Agência de Redes para Juventude
Marcus Faustini

Jovens da periferia ajudam a construir sociedade mais justa

Não haverá um futuro bom para todos se os jovens de origem popular não tiverem seus direitos garantidos e o reconhecimento de suas habilidades

Marcus Faustini é cineasta, escritor e criador da metodologia da Agência de Redes para Juventude
Publicado em 28/10/2019 às 18h18

De origem popular na cidade do Rio de Janeiro, o cineasta e escritor Marcus Faustini, 47 anos, viu-se logo cedo diante das dificuldades que a vida impõe aos que estão na periferia. Encontrou na arte um meio para se sobressair, mas não se distanciou de suas raízes porque, assim como ele teve chance de se destacar, tinha certeza que outros tantos jovens periféricos só precisavam de uma oportunidade para ir além do que a sociedade supõe que sejam capazes. 

Assim, instituiu a Agência de Redes para Juventude e, nela, criou uma metodologia que visa identificar o potencial dos jovens que vivem fora dos grandes centros e os estimula a criar e colocar suas ideias em prática. A iniciativa, que até já atravessou a fronteira do Brasil, chegou há pouco tempo no Estado e contempla jovens de três bairros da Serra. Nesta entrevista, Faustini, que também é colunista de A Gazeta, conta um pouco sobre o projeto e a visão que tem sobre essa turma que está nas periferias. 

Foram as dificuldades com as quais se deparou na sua vida ou as potencialidades que reconheceu nas comunidades que o levaram a criar a Agência de Redes para a Juventude?

Nossa estrutura social é desigual, a juventude popular sofre com essa desigualdade todo dia. Jovens que vivem em favelas e periferias têm menos oportunidades de desenvolvimento e direitos que outros. Ao mesmo tempo, estes jovens, por viverem essa realidade social, têm capacidade de inventar saídas para eles e suas comunidades. Fui um jovem pobre e urbano no Brasil dos anos 90. Crescido na periferia, vivi essas desigualdades, mas, por ser branco, era menos vulnerável que outros. A partir dessa experiência e de minha formação em arte e ação social, por mais de 20 anos, criei uma metodologia que busca contribuir na potência que esses jovens possuem. O modo como o artista pensa para criar pode contribuir com esses jovens para inventarem ações em suas vidas, comunidades e cidades. Isso tudo é realizado pela Agência de Redes para Juventude.

E como a Agência opera? Quantos jovens já foram impactados, aqui e no exterior?

Na Agência, usamos uma metodologia que criamos chamada "a prática da potência". Escutamos ideias de jovens de favelas e periferias, num processo criativo que busca incentivar suas potencialidades para que imaginem seus projetos de vida e contribuam com o desenvolvimento local e global. Já passaram por nossa metodologia mais de 3 mil jovens nos países onde atuamos. Muitas ideias viraram projetos sociais, pequenos negócios, grupos artísticos, projetos de comunicação liderados por eles. Outros, entraram para organizações que já existiam ou retornaram sua trajetória escolar. Estamos atuando com essa metodologia em favelas do Rio de Janeiro, e nas periferias de Londres, Manchester, Belfast e Cardiff (Reino Unido). E começamos a contribuir com essa metodologia recentemente no Espírito Santo.

Que ações são desenvolvidas aqui no Estado?

Estamos contribuindo com nossa metodologia na Estação Conhecimento, na Serra, apoiando o Impulso Jovem – projeto que acontece na Estação que desenvolve ideias de jovens de comunidades da região. Os jovens de Diamantina, Carapina Grande e Central Carapina, todos do município. Estão preparando ações que serão colocadas em prática este ano. São ideias de cultura, empreendedorismo, direito juvenil, entre outras. Parte de nossa ação é buscar parceiros para essa juventude, que já deu muitas provas de sua potência, criatividade e compromisso com suas comunidades.

Você diz que, nas periferias, os jovens não devem ser tratados como ‘carentes’ e que devemos reconhecer seu potencial. Qual o caminho para dar visibilidade a essa juventude?

Apesar da falta de direitos, esses jovens possuem potência, pensam suas vidas e comunidades. Quando são escutados e colocados em redes que os apoiam, eles mostram vínculo com o território e, além de se desenvolverem, desejam o mesmo para o lugar onde vivem. Como não achar isso depois de tantos exemplos de ações criadas por eles durante todos esses anos? De projetos de apoio a mães jovens, na Providência e na Pavuna, por exemplo, até projetos que renovam a cena musical londrina. Tudo isso desenvolvido por eles com o estímulo dessa metodologia. Chamá-los de carentes não é verdade, nem ajuda a sociedade.

Qual o papel do jornalismo nesse processo?

O jornalismo pode dar visibilidade para as iniciativas desses jovens e trabalhar juntos com eles, co-criando, para inibir violações de direitos.

A arte e a cultura têm sido atacadas por segmentos conservadores da sociedade. Como contrapor essa manifestação e, sobretudo, garantir aos jovens a vivência cultural e artística?

Arte e cultura são parceiras da sociedade. Se você perguntar para pessoas que conhece que trabalham para melhorar a sociedade, grande parte delas responderá que passou por alguma aula de teatro ou outra expressão artística em sua vida. Tenho certeza que esse momento de ataque será superado. Se você perguntar para pessoas que vivem em favelas, a maioria acredita em projetos sociais com aulas de arte. Artistas de periferia possuem compromisso com o desenvolvimento humano e social dessas regiões. Precisamos ter mais diversidade na arte, isso só vem com liberdade de expressão.

Há alguma análise que indique maior disposição dos jovens da periferia para criar do que os de classe média/alta? Você faz alguma distinção nesse sentido?

Devemos insistir numa sociedade em que todos tenham acesso aos mesmos direitos. Todas as juventudes são importantes nesse processo. Porém, devemos dar mais espaço de protagonismo e autonomia para os jovens de periferias. Eles são importantes para a sociedade, inclusive para o presente.

Pra você, do que o jovem periférico é capaz?

De inventar ideias que podem circular o mundo, contribuindo para o desenvolvimento de sociedades mais justas e diversas. Essa é minha vida! Não haverá um futuro bom para todos, se os jovens de origem popular não tiverem seus direitos garantidos e o reconhecimento de suas habilidades. Esses jovens vivem o cotidiano das cidades, por isso são aliados fundamentais no desenvolvimento delas.

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