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ES promete punir bares e lojas que abrirem seguindo lei de Vitória

ES promete punir bares e lojas que abrirem seguindo lei de Vitória

Câmara da Capital promulgou legislação que flexibiliza regras de funcionamento do comércio. Governo e prefeitura dizem que a definição das normas é competência estadual. Mas vereadores afirmam que a lei que flexibiliza está valendo

Publicado em 26 de agosto de 2020 às 14:40

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Data: 18/03/2020 - ES - Vitória - Coronavírus - Movimentação de bares no Triângulo das Bermudas na Praia do Canto - Editoria: Cidades - Foto: Vitor Jubini - GZ
Bares foram proibidos de funcionar devido à pandemia. (Vitor Jubini)

Em meio à pandemia e os impactos econômicos, uma confusão jurídica: cabe ao Estado ou a Vitória estabelecer regras para a abertura do comércio no período de isolamento imposto pela crise sanitária, causada pelo novo coronavírus? Para o governo do Espírito Santo, as restrições e seus afrouxamentos são competências estaduais e quem descumprir as regras em vigor pode ser punido.

ES promete punir bares e lojas que abrirem seguindo lei de Vitória

Câmara da Capital promulgou uma lei  que flexibiliza as regras e libera a abertura de bares, estabelecimentos que estavam impedidos de funcionar por determinação estadual. A legislação também ampliou o horário de atendimento de lojas e restaurantes.

Em entrevista ao ES1, da TV Gazeta, o autor da proposta, vereador Mazinho dos Anjos (PSD), disse que a legislação promulgada pela Câmara está valendo, com isso, os comércios podem funcionar, de acordo com a lei, sem qualquer problema. 

O entendimento é bem diferente do da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). De acordo com o órgão, os estabelecimentos que contrariarem as normas e os horários de abertura determinados em decreto estadual poderão ser punidos pelos órgãos de fiscalização.

Embora não tenha se posicionado sobre o tema, nem sancionando nem vetando, no prazo de 15 dias após a aprovação do projeto na Câmara, a Prefeitura de Vitória disse, por meio de nota, que "as regras para abertura de comércio e demais atividades são definidas pelos governos dos Estados". Ou seja, para o Executivo municipal a determinação estadual é a que está em vigor.  O municipio, no entanto, não explicou por que não vetou ou sancionou a proposta

O procurador-geral do Estado, Rodrigo de Paula, explica que a lei municipal é inconstitucional. “Contraria totalmente as regras do governo estadual para municípios com risco moderado de contágio por coronavírus”. Ele diz que a competência das cidades é estabelecer regras suplementares e jamais contrárias às normas estaduais. Destacou ainda que outra fragilidade da legislação é ela ter sido proposta pelos vereadores, sendo que esse tipo de matéria é de responsabilidade do Executivo municipal.

Segundo de Paula, o Estado deu ordens para que os órgãos estaduais, como Procon, Vigilância Sanitária e Corpo de Bombeiros, não sejam orientados pela legislação municipal. Acrescentou ainda que o sucesso das medidas de combate ao coronavírus dependiam da gestão compartilhada, o que incluía também os agentes de fiscalização da cidade.

Para o vereador Mazinho, o STF já definiu que a competência de Estados e municípios são concorrentes e que a cidade tem o direito de tomar decisões locais.  "A Câmara, por unanimidade, aprovou essa legislação para flexibilizar esse horário do comércio. Nós não estamos indo contrários à legislação estadual, apenas respeitando todos os decretos estaduais que dizem quais são os protocolos de segurança", disse à TV Gazeta. 

Ele ainda explicou que a ideia da lei era garantir que o comércio abrisse em horário maior. "O governo do Estado já autorizou abrir o comércio em horário que não atende a todos os segmentos da cidade.  Alguns comércios estão com prejuízo, demitindo. Já temos cinco meses de pandemia. Então, a gente precisa flexibilizar até para evitar aglomeração", acrescentou. Na opinião dele, o Estado não pode punir os estabelecimentos

O presidente do Sindicato dos Bares, Restaurantes e Similares do Espírito Santo (Sindibares), Rodrigo Vervloet, afirma que os bares e restaurantes da capital vão seguir as orientações estabelecidas pela legislação municipal, pelo fato dela ser uma lei local. “Sentimos que estamos preparados para abrir com segurança e estamos vendo o número de casos de pessoas com coronavírus diminuir. Entendemos que a legislação local [a da Câmara de Vitória] tem que ser escutada até que a Justiça diga o contrário. Então voltaremos a seguir o que diz a portaria estadual”, aponta.

AÇÃO NA JUSTIÇA

O governo do Estado, por meio da PGE e em conjunto com o Ministério Público Estadual (MPES), ingressou nesta quarta-feira (26) com uma ação na Justiça solicitando a suspensão imediata da lei.

Na ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o Estado pede uma liminar para que a legislação de Vitória não possa a valer. O MPES e o governo sustentam que a norma coloca em grave fisco a ordem e a saúde pública, em um momento em que o Estado tem adotado diversas providências para combater a transmissão do novo coronavírus.

Além do pedido de liminar, o governo e o MPES pedem, que, ao final do processo, seja declarada a inconstitucionalidade formal e material do inteiro teor do texto. O processo foi assinado pelo governador Renato Casagrande, pela procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, e pelo PGE, Rodrigo de Paula.

A ADI sustenta ainda que a norma extrapola a competência legislativa do município, que não pode contrariar as regras estabelecidas na legislação estadual, editadas pelas autoridades sanitárias estaduais, para o enfrentamento da emergência de saúde pública.

“A orientação é para que os órgãos de fiscalização cumpram com o que foi estabelecido em decreto pelo governador. Isso significa que os comerciantes que abrirem fora do horário determinado poderão ser punidos, inclusive com multa", explicou o procurador-geral da Justiça, Rodrigo de Paula.

ENTENDA A LEI POLÊMICA

Lei Nº 9670/2020, promulgada pela Câmara de Vereadores e publicada no Diário Oficial de Vitória na última terça-feira (25), libera o funcionamento de serviços considerados não essenciais. Segundo a legislação, esses estabelecimentos, como lojas de rua, bares e restaurantes, podem atender das 10h às 22 horas, de segunda a sexta, contrariando as normas da Matriz de Risco, que define o funcionamento das 10h às 16 horas.

Já nos finais de semana, a lei libera o funcionamento presencial dos estabelecimentos das 10h às 23 horas. O texto permite ainda o uso de parquinhos, brinquedotecas e similares, apresentações artísticas de voz e violão, música mecânica e organização de eventos, respeitando o limite de 0,04 pessoas por metro quadrado de área.

CONFLITO DE COMPETÊNCIAS

Conforme destacou o advogado especialista em Direito Constitucional Caleb Salomão Pereira, a regra é incompatível com as diretrizes do governo estadual.

“É um conflito de competências entre poderes estadual e municipal. Há quem diga que abertura de comércio é de interesse local e, por isso, competência do governo municipal. Mas essa regra não vale quando atrapalha políticas de saúde do Estado, que tem competências macro. A orientação técnica é para responder às orientações do governo estadual.”

O advogado explica que, alguns sindicatos, inclusive, já chegaram a enfrentar o governo do Estado na Justiça para poderem abrir as portas fora dos horários estabelecidos previamente, mas o Judiciário tem dado razão ao Estado. “Inclusive, porque é sobre o Estado que recai o impacto da saúde pública.”

O advogado Leonardo de Azevedo Sales ressaltou que os embates têm acontecido não apenas no Espírito Santo, mas em diversos outros Estados. "É uma questão polêmica que ainda vai dar muito pano para manga. Mas, via de regra, o município pode apenas complementar as normas do governo estadual, e não contrariá-las."

Lamentando os danos impostos aos comerciantes pelas restrições de funcionamento, o advogado especialista em Direito Constitucional, Antônio Augusto Genelhu Júnior, do Escritório Genelhu Advogados, também considera a legislação municipal inconstitucional.

“Segundo decisão recente do STF, o município somente poderia fazer ajustes à determinação da norma estadual, a fim de atender necessidade local, se fosse capaz de justificar determinada opção como a mais adequada para a saúde pública, em razão do pacto federativo na repartição de competências legislativas comum administrativa e concorrente.”

Na avaliação do advogado empresarial Eduardo Sarlo, cabe ao Estado arguir a inconstitucionalidade de lei municipal, fazendo a mesma “cair” para que assim possa exercer o seu poder regulamentar e poder de polícia. "Até lá, penso que os comerciantes não podem ser punidos, pois estão cumprindo as normas emanados de um poder público competente para regulamentar abertura e fechamento de negócios urbanos."

CONFIRA AS REGRAS DO GOVERNO ESTADUAL

  • 01

    RESTAURANTES E BARES - RISCO BAIXO

    Os estabelecimentos dos municípios classificados como risco baixo podem funcionar sem restrição de horário e dia da semana, desde que respeitados o distanciamento em filas e a presença de um cliente a cada 10 metros quadrados.

  • 02

    COMÉRCIO - RISCO MODERADO

    As lojas de rua e de centros comerciais podem ser abertas aos sábados, das 9h às 15h e, durante a semana, das 10h às 16h. O distanciamento social em fila e o limite do número de clientes conforme o espaço físico seguem as mesmas regras do risco baixo.

  • 03

    SHOPPINGS - RISCO MODERADO

    Os estabelecimentos também estão liberados para funcionar aos sábados, mantendo o horário que é adotado durante a semana, do meio-dia às 20h. Os restaurantes da praça de alimentação têm funcionamento autorizado até as 18h durante todos os dias, incluindo o domingo. O acesso de crianças até 12 anos continua proibido.

  • 04

    RESTAURANTES E BARES - RISCO MODERADO

    Os restaurantes estão liberados para funcionar todos os dias da semana, até as 18 horas. Já os bares continuam proibidos, a não ser aqueles que têm registro de bar e restaurante e consigam cumprir, entre outras orientações, distanciamento mínimo de dois metros entre as mesas para receber a clientela.

  • 05

    ACADEMIAS - RISCO MODERADO

    Atividades aeróbicas individuais são liberadas, mas deve ser respeitado o distanciamento de quatro metros entre os usuários.

  • 06

    COMÉRCIO - RISCO ALTO

    As atividades comerciais funcionam de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h. Nos municípios com até 70 mil habitantes, há a possibilidade de abertura também aos sábados, das 9h às 15h. Contudo, o funcionamento só pode ocorrer ao longo de cinco dias e o comerciante deverá escolher se abre na segunda ou no final de semana.

  • 07

    SHOPPINGS - RISCO ALTO

    O funcionamento dos shoppings permanece restrito aos dias da semana, do meio-dia às 20h. A flexibilização foi concedida para os restaurantes das praças de alimentação, que podem abrir também aos sábados, até as 18h.

  • 08

    BARES E RESTAURANTES - RISCO ALTO

    O funcionamento de restaurantes foi ampliado para os sábados, até as 18h. Bares continuam proibidos.

  • 09

    ORIENTAÇÕES GERAIS

    Independentemente da classificação de risco do município, algumas orientações valem para todos os segmentos, tais como a obrigatoriedade do uso de máscaras e a disponibilização de álcool em gel para os funcionários e os clientes, bem como respeito a todas as medidas sanitárias estabelecidas pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).

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