Publicado em 9 de março de 2020 às 19:48
Em meio à tensão generalizada na economia mundial por causa da epidemia do coronavírus, os mercados globais viveram um novo dia de caos nesta segunda-feira (9). Desta vez, outros fatores entraram na conta e agravaram a situação, sobretudo a "guerra do petróleo" entre Rússia e Arábia Saudita, que levou os preços da commodity a sofrerem o maior tombo desde a Guerra do Golfo.>
Numa comparação com a aviação, é como dizer que o mercado já vinha passando por turbulências sérias, e, agora, o avião da economia global também apresenta problemas, como avarias no motor, e começa a perder o controle. Naturalmente, o temor maior neste caso é a queda deste avião, representando uma nova recessão global.>
Pelo mundo, as bolsas de valores fecharam os pregões desta segunda com fortes quedas e as moedas emergentes sofreram intensa desvalorização. No Brasil, o índice Bovespa, o principal da bolsa brasileira, a B3, desabou 12,71%, maior queda percentual do século. A pior tinha sido em 10 de setembro de 1998, causada pela moratória da Rússia. O Ibovespa fechou em 86.067 pontos. >
Logo na abertura da sessão, a B3 teve que acionar o "circuit breaker", um mecanismo que suspendeu os negócios por pouco mais de meia hora, depois de o Ibovespa ter caído mais de 10%. Após uma melhora pontual, o índice voltou a acelerar o ritmo de queda, acompanhando o mercado internacional.>
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Já o dólar fechou o dia em R$ 4,7243, com alta de 1,95%. Mais cedo, a taxa de câmbio bateu mais um recorde nominal - descontando a inflação desde o Plano Real, atingindo a casa de R$ 4,79. A moeda americana já é vendida a R$ 5,12 em casas de câmbio no Espírito Santo.>
O cenário já era de temor nas últimas semanas por causa da epidemia de coronavírus. Com o risco de ser classificado como pandemia, o vírus tem se espalhado pelo mundo com bastante velocidade. O medo é que a atividade econômica seja reduzida por conta disso, assim como já acontece na China.>
Pedro Lang, head de renda variável da Valor Investimentos, reconhece que o mercado sempre exagera, ora para cima ora para baixo, mas todos foram pegos de surpresa com a movimentação desta segunda. >
Pedro Lang
Head de renda variável da Valor InvestimentosÉ importante destacar que a reação do mercado desta segunda não foi só ao coronavírus. Um outro medo de investidores ultrapassou esse, o de uma nova crise do petróleo causada pela guerra nos preços que foi deflagrada pela Arábia Saudita em retaliação à recusa da Rússia em concordar com cortes na produção.>
Nesta segunda, os contratos futuros de petróleo fecharam em forte queda. A cotação do barril de petróleo Brent (que é a referência no mercado internacional) tombou 24,10%, ou US$ 10,91, fechando US$ 34,36 o barril, menor valor em quatro anos. Mais cedo, o valor beirou os US$ 30. Com isso, só a Petrobras teve perdas aqui no Brasil de R$ 91,1 bilhões em valor de mercado.>
O temor neste caso é maior. Em relatório, a agência de classificação de risco Fitch Ratings afirma que "os efeitos do choque do petróleo podem durar muito mais do que aqueles provenientes do coronavírus".>
Por causa do avanço do vírus, a cotação do petróleo já vinha em queda devido à desaceleração da economia global, o que afeta a demanda por energia. Para tentar conter essas reduções no preço a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) sugeriu, na sexta-feira (6), diminuir a produção para tentar estabilizar os preços da commodity. >
A Rússia, porém, se posicionou contra o corte, e a Arábia Saudita reagiu no domingo (8), ao anunciar uma redução no preço de venda e um aumento na produção a partir de abril. Com o anúncio, os preços desabaram. >
A disputa é clara: mais espaço de poder na geopolítica mundial, avalia a economista e professora da Fucape Arilda Teixeira, que é especialista em comércio internacional. Aliados desde 2016 a fim de manter preços mais altos para o petróleo, Rússia e Arábia Saudita romperam numa tentativa de aumentar a produção e de cobiça pelo posto de maior exportador do produto.>
Arilda Teixeira
Economista e professora da FucapeA avaliação de analistas é que esse movimento foi bem calculado pelos russos. Tanto é que o país assumiu os riscos e disse que tem até US$ 150 bilhões para cobrir perdas, suportando até uma década com o barril a US$ 25. >
O temor nessa situação é de uma quebradeira generalizada de empresas de petróleo, visto que, com o preço do barril tão baixo,muitas não conseguiriam nem arcar com os custos da operação. Na avaliação de Pedro Lang, o cenário seria caótico.>
"O petróleo baixo é ruim é algo ruim apenas para as empresas de petróleo. Para o resto da pessoas é bom, porque reduz o preço dos combustíveis e o custo para empresas produzirem. Mas com isso as petroleiras não vão conseguir se viabilizar mais e poderíamos ter uma quebradeira delas em todo mundo".>
Tudo isso se dá em meio ao medo de uma nova retração na economia americana, a maior do mundo, o que levaria a uma catástrofe global. Na Europa o cenário é ainda pior, com projeções ainda mais negativas e o avanço mais rápido do coronavírus pelo continente.>
Entra aí um outro problema, o de lideranças políticas. Segundo Arilda Texeira, num momento como este de tensão global fica claro que falta governança nas relações internacionais, o que normalmente era feito pelos Estados Unidos. Sob Donald Trump, o país parece ter abandonado este posto para apostar no radicalismo.>
"O presidente de lá está mais querendo colocar fogo do que apagar fogo", comenta a economista. Decisões populistas com a da Rússia ou da Arábia também não ajudam nesse momento.>
No Brasil a situação é similar. Para Arilda, presidente Jair Bolsonaro está ajudando a piorar a situação. "Ele não está sabendo se comportar como um legítimo estadista. A forma como ele se relaciona com o poder e com a população coloca os agentes econômicos na defensiva".>
Há também fatores internos nessa crise. O risco-país do Brasil subiu 40% nesta segunda. Medido pelo Credit Default Swap (CDS), um tipo de contrato que funciona como termômetro da confiança dos investidores em relação a economias. A alta foi a maior da história.>
Se o índice sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país, vendo maior risco; se ele cai, o recado é o inverso: sinaliza aumento da confiança em relação à capacidade de o país saldar suas dívidas. >
De acordo com a professora Arilda Teixeira, o aumento se deve ao fato de que a economia brasileira ainda está muito fragilizada e ainda não tem tracionado para se recuperar da última crise nacional. Com isso, não há nenhum ponto de apoio para se segurar mediante o caos do cenário internacional.>
"A nossa economia não tem nenhum instrumento interno que a permita se proteger. Ela não tem alternativa doméstica para segurar sua atividade com algum elemento que a distingue dos outros para passar por esse processo com menos redução. Temos um parque produtivo que depende da demanda internacional e ainda com baixa diversificação", comenta>
Afinal, os rumos dos mercados brasileiro e global podem afetar apenas investidores? A resposta é não. Então isso pode afetar o meu bolso? Sim. >
Se o cenário persistir, analista preveem uma nova e grande crise econômica mundial, que por mais que já vinha sendo projetada, tende a se instalar agora de forma rápida e avassaladora.>
O resultado seria drástico: extinção de milhares de postos de trabalho, queda na renda, falência de empresas e descontrole nos preços. Como projeta Arilda:>
"Se continuar nesse ritmo, a atividade econômica vai ficar ainda mais baixa. Com isso, o cidadão comum que está desempregado vai ter ainda mais dificuldade em encontrar emprego e quem já está empregado terá mais dificuldade em conseguir um aumento. As empresas vão ter que se apertar novamente e fazer ajustes para tentar sobreviver. É um horizonte muito ruim".>
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