Publicado em 20 de maio de 2022 às 20:35
Prestes a voltar às atividades, o Restaurante Universitário (RU) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em Goiabeiras, Vitória, enfrenta problemas com a rede de esgoto. Documentos mostram que efluentes do local não estão sendo tratados corretamente e que tal prática, caso não seja resolvida, pode configurar crime ambiental. >
Atualmente, a Ufes não está ligada à rede pública de esgoto da Capital, gerida pela Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan). Os resíduos sanitários são depositados em fossas biológicas, que são drenadas. Nesse sistema, o esgoto gerado é filtrado em caixas de brita, deteriorando-se depois. Já no caso do RU, o sistema é de fossa-filtro, que lança os resíduos na lagoa após esse tratamento.>
Técnicos da própria universidade, no entanto, emitiram um relatório em 2021 apontando que o sistema do restaurante pode causar lesões na área de manguezal. Um dos ofícios cita ainda que o lençol freático da região se encontra bastante próximo à superfície, o que pode favorecer a uma contaminação desse recurso.>
Desde a pandemia da Covid-19, a comida da Ufes vinha sendo servida no esquema de marmitas. Há duas semanas, estudantes denunciaram a presença de larvas em refeições terceirizadas e o contrato entre as duas partes foi rompido no dia 9 deste mês. A retomada do modelo self-service no RU está prevista para acontecer na próxima segunda-feira (23).>
>
A ausência de ligação da cidade universitária à rede de esgoto do município já foi alvo da prefeitura da Capital, que solicitou a Ufes para que realizasse adequações.>
Para mitigar a situação, a universidade já está colocando em prática algumas ações, como a instalação de tanques de armazenamento de efluentes do esgotamento da cozinha e a revisão de toda a tubulação que interliga as caixas de filtragem existentes. >
Algumas dessas ações foram realizadas nesta semana, após contato da reportagem questionando o sistema de esgotamento e os riscos ambientais. O primeiro contato com a Ufes ocorreu no dia 9 de maio. >
Documento traz análise técnica sobre sistema de esgotamento da Universidade Federal do Espírito Santo.
Tamanho de arquivo: 37mb
O problema começou a ser discutido em junho de 2019, quando um documento foi protocolado pelo Departamento de Gestão dos Restaurantes da Ufes solicitando a aquisição de uma caixa de gordura no campus. >
Conforme mostra o ofício, já havia irregularidades no sistema desde 2018, ano em que houve um primeiro reparo na bomba responsável pelo escoamento da água utilizada na produção da comida (pias e ralos). >
"Ressaltamos que toda a água da produção é escoada para a caixa de gordura, então é de extrema importância que a bomba esteja funcionando para que o escoamento ocorra da maneira adequada. Sem o devido funcionamento da bomba, a água fica represada, ocasionando mau cheiro e proliferação de insetos, além de poluir a lagoa localizada ao lado do RU, que é para onde a água está sendo drenada sem passar por qualquer tipo de filtragem", acrescenta o documento.>
Diretora afirmou que efluentes estavam sendo jogados na lagoa sem tratamento prévio
Tamanho de arquivo: 667kb
Para estudar a aquisição dessa caixa de gordura, foi necessária uma análise de todo o sistema de tratamento de resíduos do campus. Segundo os resultados, a vala de infiltração (destino final) do RU estava completamente danificada. >
O ofício reforçou ainda o fato de que a demanda do restaurante aumentou nos últimos anos, passando de 600 refeições diárias entre 2004 e 2007, para 4 mil refeições por dia em 2019.>
"Caso seja realizado a manutenção do sistema de recalque, todo o resíduo será destinado para a caixa de infiltração, o que causará o transbordamento do mesmo, gerando mau cheiro, proliferação de insetos e destinação inadequada do resíduo".>
Técnicos fizeram avaliação superficial e encontraram problema, comunicando a universidade
Tamanho de arquivo: 440kb
Em outubro de 2020, houve a criação de um Grupo de Trabalho (GT) cujo objetivo foi realizar estudos técnicos para promover a destinação correta dos resíduos gerados. De acordo com os engenheiros responsáveis, a simples substituição da bomba de recalque do restaurante não seria medida suficiente para promover a destinação correta dos efluentes do RU.>
O relatório final do GT foi divulgado em fevereiro do ano seguinte, com alegações de que "o sistema fossa-filtro é utilizado de maneira extensiva no campus de Goiabeiras como única solução para o tratamento de efluentes, sem desinfecção e sem qualquer tipo de licença, controle ou monitoramento". >
Destacou-se também que "a reabertura do RU sem que a questão da destinação correta dos efluentes seja resolvida resultará no risco de cometimento de crime ambiental, conforme disposto nas Lei Federal nº 9605, de 12 de fevereiro de 1998". O foco dessa lei é na poluição hídrica e atmosférica, ou em condições que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.>
Há uma referência direta ainda à área de manguezal da instituição, já que ela tornaria inviável a execução de qualquer tipo de tratamento próprio, incluindo os sistemas fossa-filtro existentes.>
"Podem ser exigidas compensações ambientais da universidade pela utilização desses sistemas, em função da localização do campus (em área de proteção permanente)", aponta o relatório.>
Segundo o biólogo Elber Tesch, existe uma série de riscos que podem colocar em risco o mangue da região, assim como a lagoa da Ufes, caso os dejetos sejam despejados sem tratamento. O principal deles é o desequilíbrio do ecossistema, em que vivem diversos seres vivos, como caranguejos, garças e peixes.>
"Nessas condições, ocorre um aumento da demanda bioquímica de oxigênio (DBO). Ou seja, quando há a presença de efluentes, existe uma proliferação de microrganismos, e os bichos nativos daquele ambiente ficam sem oxigênio. Isso provoca um desequilíbrio, chamado de eutrofização (induz, por exemplo, o crescimento excessivo de algas e plantas aquáticas)", explica.>
Além da morte dos animais nativos, também aumenta o risco do aparecimento de "pragas urbanas", como ratos, urubus e baratas. "É um perigo até para a comunidade acadêmica, pois podem se tornar transmissores de doenças", frisa.>
Há quase dez anos, a Cesan doou um projeto à Ufes, no valor de R$ 43.560, para a implantação da coleta de esgoto. Porém, o projeto não foi para frente, "em função dessa opção servir de base de pesquisa para os cursos de graduação e de pós-graduação", conforme pontuou um requerimento contra uma notificação da Secretaria de Meio Ambiente (Semmam) de Vitória, de 2019.>
Motivo seria a altura do lençol freático no campus de goiabeiras da UFES
Tamanho de arquivo: 175kb
Procurada pela reportagem para comentar o assunto, a companhia explicou que a Ufes solicitou apoio da empresa para implementar o sistema de esgotamento sanitário no campus da Capital em 2013 e que, no ano passado, novas tratativas começaram a ser discutidas.>
"Em 2021, a Ufes solicitou um novo apoio da Cesan para revisar/atualizar o projeto, o que foi prontamente autorizado pela direção da companhia em prol da comunidade acadêmica. A Avenida Fernando Ferrari tem rede de esgotamento sanitário e tão logo a obra for concluída pela Ufes a coleta e o tratamento de esgoto passarão ser de responsabilidade da Cesan", apontou, por nota. >
Questionada sobre o problema, a Ufes alegou que o projeto de ligação à rede da Cesan foi retomado e que está buscando a liberação de recursos, da ordem de R$ 8 milhões, para a execução da obra. A expectativa é que uma empresa seja contratada até o final deste ano e que a obra fique pronta em 12 meses. >
Eles reconheceram ainda que, devido ao aumento do número de refeições (comparando o número de usuários do início dos anos 2000 com a demanda dos anos recentes), o sistema precisa ser reformulado. >
A Prefeitura de Vitória solicitou à universidade adequações na rede de esgoto
Tamanho de arquivo: 409kb
"Como medida de manutenção, a Superintendência de Infraestrutura realizou um serviço de inspeção na rede de esgoto do RU de Goiabeiras, com limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem de dejetos, além da instalação de tampas de alumínio em todas as caixas. Essas intervenções foram finalizadas em abril", destacou, por nota. >
No entanto, mesmo com a detecção desses problemas, o restaurante deverá ser reaberto para alunos e professores no dia 23 maio, conforme afirmou a assessoria da instituição.>
"O sistema de esgoto continuará sendo inspecionado e monitorado, com a realização de ações de limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem, além de reparos, sempre que necessário, e outras providências técnicas".>
Sobre a possibilidade de um crime ambiental, a universidade afirmou apenas que está fazendo "todos os esforços para a realização de um projeto estruturante de todo o sistema de esgoto do campus de Goiabeiras, que possibilitará a ligação do sistema de esgoto do campus à rede da Cesan".>
Já a Semmam informou, também por nota, que já notificou a universidade para que efetue a ligação à rede de esgoto. "A Semmam acrescenta que a equipe técnica do órgão está analisando todos os aspectos do caso, conforme a legislação em vigor, para intimar a Ufes a fazer as devidas adequações para sua regularização", reforçou. >
Confira as respostas da Ufes sobre o tratamento de esgoto
PRIMEIRA DEMANDA ENVIADA À UFES
1 - Quando que a Ufes pretende reabrir o RU para a preparação in loco das comidas?
Conforme comunicado publicado no portal da Ufes no dia 3 de maio de 2022, os fornecedores de matéria-prima e de serviços terceirizados já foram contratados e, as equipes, recrutadas. Em seguida, serão realizados os treinamentos e a higienização dos espaços, equipamentos e utensílios. O início da produção própria nos RUs está previsto para o dia 23 de maio. Os RUs do campus de Alegre e da unidade de Jerônimo Monteiro da Ufes retomaram suas atividades com o fornecimento de refeições na segunda-feira, 9.
2 - Por que a obra para ligar à rede de esgoto pública ainda não foi feita?
Segundo informações da Superintendência de Infraestrutura da Ufes, foi necessário reavaliar detalhes do projeto para realizar uma melhor adequação à demanda da Universidade, além da necessidade de buscar recursos para sua execução. Agora o projeto foi retomado e, em paralelo, a Universidade está buscando a liberação de recursos, da ordem de R$ 8 milhões de reais, para a execução da obra. Existe um grupo de trabalho dedicado a essa questão. Como medida de manutenção, a Superintendência de Infraestrutura realizou um serviço de inspeção na rede de esgoto do RU de Goiabeiras, com limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem de dejetos, além da instalação de tampas de alumínio em todas as caixas. Essas intervenções foram finalizadas em abril.
3 - Há quanto tempo a universidade enfrenta o problema?
Desde a criação da Ufes é adotado o sistema de fossa com filtro biológico, que é uma solução técnica possível quando não se dispõe de outro sistema de esgotamento sanitário.
4 - Enquanto não há essa ligação, pra onde os dejetos estão indo (ou estavam quando refeições ainda eram servidas lá)?
O sistema atual filtra os dejetos e os resíduos, já tratados, são lançados na lagoa da Ufes. Todo o trabalho de manutenção é feito para minimizar ao máximo o impacto ambiental.
5 - Quais dejetos são esses (sanitários e de cozinha, como de pias e ralos, por exemplo)?
São dejetos oriundos da cozinha do RU. O esgoto dos sanitários é direcionado para outro sistema, que é o de fossa com filtro biológico.
6 - Existe alguma previsão de regularização?
Conforme informado anteriormente, a Universidade está buscando a liberação de recursos, da ordem de R$ 8 milhões, para a execução da obra. A previsão é que a contratação da empresa para a execução da obra seja realizada até o final deste ano.
SEGUNDA DEMANDA ENVIADA À UFES
7 - Como funciona o sistema de esgoto da Ufes atualmente?
No campus de Goiabeiras é adotado o sistema de fossa com filtro biológico. Neste sistema, o esgoto gerado é filtrado em caixas de brita, deteriorando-se depois. Somente a água pluvial é descartada no ambiente.
8 - Durante uma visita feita por engenheiros à bomba de gordura do RU, em 2019, ficou verificado que as tubulações que interligam as caixas de passagem existentes, e consequentemente a vala de infiltração, estavam todas danificadas. Durante o período de funcionamento do restaurante, antes da pandemia, elas foram consertadas, então?
A Superintendência de Infraestrutura informa que foi realizada a manutenção do sistema de esgoto do RU, com limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem de dejetos, além da instalação de tampas de alumínio em todas as caixas. Essas intervenções tiveram início em 2021 e foram finalizadas em abril deste ano.
9 - Além disso, nos últimos anos, a Ufes passou a servir de 600 refeições diárias a 4.000 refeições por dia, no RU. O sistema atual de esgoto, por fossas, comporta essa quantidade da mesma forma?
Com o aumento do número de refeições (comparando o número de usuários do início dos anos 2000 com a demanda dos anos recentes), a Superintendência de Infraestrutura tem ciência de que o sistema precisa ser reformulado. Por este motivo, a Ufes está investindo em um projeto estruturante de todo o sistema de esgoto do campus de Goiabeiras, com a execução de um projeto que vai ligar o sistema de esgoto do campus à rede da Cesan.
10 - A conclusão do grupo de trabalho responsável pelo caso também destacou que "o sistema fossa-filtro é utilizado de maneira extensiva no campus de Goiabeiras como única solução para o tratamento de efluentes, sem desinfecção e sem qualquer tipo de licença, controle ou monitoramento" e que "os mesmos problemas possivelmente ocorrem nas demais edificações do campus". Eles também frisaram que todo o sistema de fossa está condenado.
Desde a criação da Ufes é adotado na Universidade o sistema de fossa com filtro biológico, que é uma solução técnica possível quando não se dispõe de outro sistema de esgotamento sanitário. Esse sistema é monitorado continuamente, sendo realizadas ações periódicas de limpeza e reparo.
11 - A Cesan disse que entrou em tratativas com vocês para a ligação à rede pública. É aquele mesmo projeto de 2013? Há alguma previsão de início e finalização?
Sim, é o mesmo projeto, mas que precisa de ajustes para ser atualizado às condições atuais. Conforme informado anteriormente, a previsão da Superintendência de Infraestrutura é que a etapa de ajustes do projeto seja concluída este ano, juntamente com a contratação da empresa para a execução da obra. A obra está prevista para ser executada em 12 meses.
12 - Até a finalização das obras, com o retorno do RU no dia 23 deste mês, o que será feito?
O sistema de esgoto do RU continuará sendo inspecionado e monitorado, com a realização de ações de limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem, além de reparos, sempre que necessário, e outras providências técnicas.
13 - E quanto ao questionamento do relatório do GT, que fala que se as atividades do RU voltarem, a Ufes estaria praticando um crime ambiental? O problema seria a contaminação do lençol freático da área de manguezal? Qual o posicionamento da Ufes?
A Ufes está envidando todos os esforços para a realização de um projeto estruturante de todo o sistema de esgoto do campus de Goiabeiras, que possibilitará a ligação do sistema de esgoto do campus à rede da Cesan.
TERCEIRA NOTA ENVIADA PELA UFES
Técnicos da Superintendência de Infraestrutura (SI) realizaram a revisão de toda a tubulação que interliga as caixas de filtragem existentes. Esta revisão se soma às outras ações que havíamos informado anteriormente: manutenção do sistema de esgoto do RU, com limpeza na caixa de gordura e no sistema de caixas de filtragem de dejetos, além da instalação de tampas de alumínio em todas as caixas (iniciadas em 2021 e finalizadas em abril desde ano).
A SI também realizou a instalação de dois tanques de armazenamento (foto) de efluentes do esgotamento da cozinha do restaurante, com capacidade de 10 mil litros cada um, que complementa o sistema de tratamento por meio dos filtros que existem atualmente. O esgoto oriundo da cozinha será direcionado para esses tanques e recolhido periodicamente por caminhões. Essa medida tem o objetivo de evitar que os resíduos sejam lançados na lagoa.
QUARTA NOTA ENVIADA PELA UFES
A Superintendência de Infraestrutura explica que não há interferência porque as caixas de filtragem são suspensas e não há contato do esgoto com o lençol freático.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta