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Juiz absolve acusado de matar companheira a facadas em Nova Venécia

Juiz absolve acusado de matar companheira a facadas em Nova Venécia

Magistrado que assinou sentença determinou internação por tempo indeterminado de Adriano da Silva, preso desde a morte de Leidinéia Dalvi, de 41 anos

Publicado em 20 de maio de 2025 às 09:56

 - Atualizado há 7 meses

Leidinéia dos Santos Dalvi da Silva foi esfaqueada pelo próprio companheiro na manhã desta quinta, em Nova Venécia
Leidinéia dos Santos Dalvi da Silva foi esfaqueada pelo próprio companheiro  Crédito: Acervo pessoal 

Com base em um laudo médico psiquiátrico, a Justiça absolveu e declarou inimputável Adriano da Silva, que havia sido preso na manhã de 17 de agosto de 2023 após invadir um comércio de compra e venda de pimenta e matar a facadas sua companheira, Leidinéia dos Santos Dalvi da Silva, de 41 anos, na comunidade de São Luiz Gonzaga, zona rural de Nova Venécia, no Noroeste do Espírito Santo. 

Na decisão consta que, conforme o laudo médico, apesar da materialidade e autoria comprovadas, o réu apresentava quadro de doença mental, sendo “incapaz de entender e autodeterminar-se quanto ao fato”, conforme a sentença, proferida em setembro de 2024 pelo juiz Ivo Nascimento Barbosa. A reportagem teve acesso ao resultado do julgamento nesta terça-feira (20). O magistrado determinou a internação do réu, por tempo indeterminado. 

Situações em que o Código Penal prevê 'inimputabilidade'

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto, ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Na decisão em que absolve o réu, o magistrado invoca o inciso IV do artigo 415 do Código de Processo Penal, segundo o qual “o juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime”.

“O acusado Adriano da Silva evidenciou, ao exame pericial, quadro compatível com doença mental, nos termos da lei. Era, à época dos fatos, inteiramente incapaz de entender e inteiramente incapaz de autodeterminar-se, em relação ao fato, ou seja, era inimputável e sofria de psicose não orgânica não especificada, indicando expressamente o tratamento em regime de internação,  argumenta o juiz Ivo Nascimento Barbosa na decisão. 

O juiz determinou a internação de Adriano por tempo indeterminado, e fixou o prazo inicial de um ano para avaliação, 'em razão de indicação expressa no laudo psiquiátrico forense a ser cumprida em leite de saúde mental em Hospital Geral ou outro equipamento de saúde referenciado pelos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da Raps (Rede de Atenção Psicossocial)'.

Relembre o crime 

  • Leidinéia dos Santos Dalvi da Silva, de 41 anos, foi surpreendida pelo companheiro assim que chegou para trabalhar em um comércio de compra e venda de pimenta, na comunidade de São Luiz Gonzaga, zona rural de Nova Venécia. Segundo a Polícia Militar, ele a atacou com golpes de faca.
  • A vítima chegou a ser socorrida pelo gerente do estabelecimento. No entanto, ao parar em frente ao Batalhão do Corpo de Bombeiros para pedir ajuda, os militares constataram que Leidinéia já estava sem vida.
  • Conforme o boletim de ocorrência, três funcionários estavam no local e relataram que, por volta das 7h, ao iniciarem o expediente, ouviram gritos vindos do escritório, onde a vítima se encontrava. Eles correram e a viram sair correndo, até cair ao lado de um carro, ferida.
  • O gerente da empresa, que também testemunhou o ataque, socorreu a mulher e tentou buscar ajuda nos bombeiros. À Polícia Militar, ele contou que havia ido conversar com a vítima sobre um serviço e, ao retornar, viu o autor do crime atrás dela, empunhando uma faca. A mulher ainda tentou conter o agressor, mas foi ferida.
  • Quando a polícia chegou, o autor já havia sido imobilizado por um policial militar da reserva, que passava pelo local e foi alertado por uma testemunha. O militar acionou o 190 e conteve o suspeito até a chegada da guarnição.
  • O homem foi conduzido à Delegacia Regional de Nova Venécia, onde foi autuado em flagrante por homicídio qualificado por motivo torpe, com recurso que dificultou a defesa da vítima e pelo fato de o crime ter sido praticado contra uma mulher por razões de gênero — caracterizando feminicídio.

O que diz o MPES

O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) afirmou que se manifestou favoravelmente à aplicação da medida de segurança cabível, com internação hospitalar, conforme previsto para casos de homicídio. Confira a nota abaixo.

MPES | Nota na íntegra

"O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça de Nova Venécia, informa que a sentença proferida pelo Poder Judiciário trata-se de uma absolvição imprópria, prevista na legislação penal brasileira para casos em que se reconhece que o réu cometeu o crime, mas é considerado inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, em razão de doença mental comprovada por exame pericial. 
No caso em questão, após análise do laudo de insanidade mental, o MPES se manifestou favoravelmente à aplicação da medida de segurança cabível, com internação hospitalar, conforme previsto para casos de homicídio. Essa medida tem prazo mínimo de três anos, sendo submetida a reavaliações periódicas por equipe técnica, conforme determinado em lei. 
O MPES reitera seu compromisso com a Justiça, com a defesa da vida e com a atuação firme dentro dos parâmetros legais e constitucionais."

Defesa

A advogada Jaqueline Cazoti, que representa a defesa do réu absolvido, emitiu nota em que esclarece que a perícia que atestou a insanidade de Adriano foi feita pelo Estado, defendeu o resultado do exame, e declarou que "o caso em apreço não se trata de situação penal, mas sim de tratamento psiquiátrico do réu". A advogada informou que "Adriano, que, ao voltar à lucidez ou ao controle de sua doença, terá de conviver com a dor de ter cometido esse fato que o deixara viúvo e seus filhos órfãos de mãe". Leia a nota na íntegra: 

Advogada do réu absolvido | Nota na íntegra

"Meu cliente fora submetido à perícia médica realizada através de Incidente de Insanidade Mental instaurado, tendo a perícia sido realizada em data de 04 de Janeiro de 2024, junto à Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do Estado do Espírito Santo. Urge esclarecer que não se trata de perícia particular, mas sim de perícia realizada pelo próprio Estado (pública), sendo que, por ocasião da avaliação, fora constatado expressamente no laudo médico psiquiátrico que Adriano é portador de psicose que faz com que o paciente tenha alterações da realidade, havendo redução ou perda do juízo crítico e da capacidade de diferenciar realidade de fantasia. Estão comumente presentes alterações do conteúdo do pensamento, provocando delírios psicóticos. Desta feita, fora concluído que Adriano era absolutamente incapaz de entender e autodeterminar-se em relação ao danoso fato praticado.Em decorrência do resultado da perícia, tanto o Ministério Público Estadual (Promotoria de Justiça) quanto a defesa, representada por esta causídica, requereram a aplicação da medida de segurança adequada. Por ocasião da sentença, fora determinada a medida de segurança de internação por tempo indeterminado de Adriano em leito de saúde mental em hospital geral ou outro equipamento de saúde referenciado pelos Caps da Raps, conforme orientação prevista no artigo 13, § 1°, da Resolução n° 487, de 15 de fevereiro de 2023, do Conselho Nacional de Justiça.Face à determinação, fora expedida guia de internação provisória, sendo que já em data de 25 de março de 2025, fora realizada nova perícia pelo Estado, atestando a cessação da periculosidade de Adriano em decorrência do surto psicótico, mas que deve continuar o tratamento ambulatorial psiquiátrico, sendo a desinternação condicionada ao acolhimento familiar.Ressalto que, na data do fatídico evento e antes de sua ocorrência, a pessoa de Adriano iria ser submetida a uma consulta psiquiátrica na cidade de São Mateus/ES, que já se encontrava previamente marcada, conforme provado por testemunhas, sendo que, antes mesmo da realização da consulta, atacou a vítima movido por sua debilidade psíquica. O caso em apreço não se trata de situação penal, mas sim de tratamento psiquiátrico do réu. A fatalidade ocorrida vitima a todos os envolvidos. Perdeu a vítima, eis que pagou com sua vida. Perdeu o Adriano, que, ao voltar à lucidez ou ao controle de sua doença, terá de conviver com a dor de ter cometido esse fato que o deixara viúvo e seus filhos órfãos de mãe. Perderam os filhos de réu e vítima, que sofrerão todos os dias a perda da genitora e buscarão justamente na melhora do pai a esperança de minimizar a dor. Perderam os familiares de ambos, que, de um lado, sepultaram uma mulher que sempre foi marca de força e trabalho e, de outro lado, convivem com o sentimento de culpa de não terem se dado conta do avanço da doença de Adriano. Não se trata de esconder-se atrás de um laudo, eis que a verdade é algo linear, sendo esta como o fluxo de um rio que corre para o mar, mas sim de encarar de frente a doença que gerou consequências catastróficas para todos, sendo que, antes de se emitirem juízos de valor sobre a conduta que a doença o levou a cometer, deve a sociedade entender e analisar a fundo a situação em concreto, podendo se fazer de forma livre pela análise de todo o material probatório, já que o presente feito é público. Sem mais.
Jaqueline Cazoti, advogada"

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