Há quase dois anos, Rildo Francisco Alves sentiu uma forte tontura e precisou ser socorrido às pressas. Era um Acidente Vascular Cerebral (AVC). O morador de Vila Velha teve sequelas, como a perda da fala e a paralisia de um lado do corpo. Tinha início ali um longo tratamento em que cada sinal de reabilitação é motivo de comemoração.
Nessa jornada, Rildo alcançou um importante resultado. Graças a uma inovação desenvolvida pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ele está conseguindo recuperar o movimento dos braços. Reabilitação garantida com o auxílio de um exoesqueleto, uma estrutura robótica elaborada para ser usada externamente ao corpo, ajudando na retomada de funções comprometidas.

Elaborado pelo Laboratório de Robótica e Biomecânica do curso de Engenharia Mecânica da Ufes, em parceria com o curso de Terapia Ocupacional e a Symbios Tecnologias, o exoesqueleto tem como objetivo recuperar movimentos, especialmente de membros superiores, de pacientes que sofreram AVC. O aparelho utiliza sensores para captar os sinais musculares, auxiliando o usuário nos movimentos.
“Os pacientes aqui da Clínica Escola que se encaixam nos critérios desta fase do projeto – ou seja, que tenham passado pelo AVC há menos de um ano e que estejam com ele em sua fase aguda – têm acesso a essa órtese robótica. Quando comparamos com a órtese tradicional, podemos observar uma diferença significativa, tanto no mecanismo quanto nas possibilidades que proporciona ao paciente”, explica Raphaele Gomes, pesquisadora do projeto e terapeuta ocupacional.

Uma ferramenta de inteligência artificial estabelece a programação do exoesqueleto, determinando o movimento a ser cumprido pelo paciente. Como a pessoa tem a parte neurológica prejudicada em razão do AVC e não consegue gerar adequadamente sinais musculares, o processo é realizado com o paciente sentado, aumentando gradualmente a intensidade da terapia. O exoesqueleto age de forma passiva, complementando os estímulos do convalescente.
"É possível configurar uma série de atividades que podem ser executadas pela pessoa em tratamento, como o de flexionar braços, abrir e fechar, ou executar uma tarefa específica. Em parte da estratégia foram incorporados jogos, como um arco e flecha, no qual o paciente precisa flexionar o cotovelo para mirar e acertar um alvo. Isso tudo tem o objetivo de fazer com que ele tenha uma participação mais ativa durante a sessão, controlando os movimentos ativamente", explica Raphaele.

Para Sérgio Campos Monteiro Gomes, graduando em Terapia Ocupacional, o que há de revolucionário no uso do “braço-robô”, de fato, é a possibilidade de potencializar a intensidade do treino. “Com a órtese robótica, conseguimos aumentar as repetições em um menor espaço de tempo, reduzindo a necessidade de intervenção do terapeuta.”
Em 2024, foram atendidos pacientes com AVC na fase aguda e realizadas 20 sessões de terapia, permitindo a eles locomoverem-se com muletas. Em outro momento do projeto, ocorrido em 2023, foram atendidos pacientes na fase crônica. Em 2025, os atendimentos foram retomados, ampliando, porém, o atendimento para pacientes neurológicos agudos e crônicos
Segundo Raphaele, o uso do exoesqueleto amplia as possibilidades de tratamento, permitindo que o paciente supere limitações com mais precisão e continuidade.
"Por ser uma abordagem inovadora e tecnológica, isso motiva o paciente a aderir ao tratamento de forma mais esperançosa. Essa órtese, por ser equipada com dispositivos robóticos, permite realizar movimentos que o assistido normalmente não conseguiria fazer. Através da repetição desses movimentos, conseguimos alcançar ganhos importantes para melhorar o desempenho ocupacional do paciente.”

Graças ao equipamento, já há casos de pacientes que recuperaram a autonomia para realizar atividades que fazem parte da rotina, mas que antes não conseguiam executar.
“Já observamos melhora no desempenho funcional deles em atividades que antes eram muito difíceis ou impossíveis de realizar. Atividades simples do dia a dia, como escovar os dentes, tomar banho, pentear o cabelo, se maquiar ou fazer a barba começam a ser retomadas com mais facilidade”, relata a terapeuta.
Raphaele lembra que, geralmente, o tratamento do AVC é desafiador e suas sequelas são transformadoras tanto para os próprios pacientes quanto para as famílias.
“Quando uma pessoa passa sofre um AVC, toda a perspectiva de vida dele muda. Muitos sonhos e projetos para o futuro parecem perdidos. Há quem acredite que sua vida acabou. É como se houvesse uma mudança de estado: antes, ele era independente; agora, pode depender de familiares para tarefas simples.”
Tal situação torna-se um fator de motivação para que os pesquisadores busquem mais avanços que possam ajudar a devolver a qualidade de vida dos pacientes.
“Para nós, profissionais, é extremamente gratificante testemunhar essas mudanças. Isso nos motiva a continuar pesquisando, desenvolvendo novas intervenções, sabendo que estamos no caminho certo. Contribuir para a melhoria da qualidade de vida de alguém é transformador, tanto para o paciente quanto para nós”, afirma a terapeuta.
À medida que os resultados aparecem, a pesquisadora diz ser perceptível a recuperação da autoconfiança e da autoestima por parte dos pacientes.
"Com o tratamento, vemos mudanças importantes. O paciente, que antes se sentia incapaz, começa a perceber sua melhora, retomando atividades que havia abandonado, como ouvir as músicas de que gostava ou participar de momentos de lazer. Um exemplo marcante é de uma paciente que voltou a sair, reencontrar amigos e o namorado, retomando sua autonomia.”
É o que vem acontecendo com Rildo. Indicado pelo Centro de Reabilitação Física do Espírito Santo (Crefes), onde realizava atividades de reabilitação, ele passou durante todo o ano passado pelo tratamento com auxílio da robótica na Ufes.
Segundo o irmão, Rogério Francisco Alves, Rildo, que antes precisava de cadeira de rodas, agora já usa muletas e consegue fazer o deslocamento entre Vitória e Vila Velha no carro da família, sem necessidade de adaptar o veículo.
“Ele se sente mais estimulado em tentar falar, em fazer exercícios, em se esforçar ao máximo”, diz a terapeuta.

Segundo Raphaele, os resultados relativos ao uso do exoesqueleto ainda estão sendo escritos pelos pesquisadores e extensionistas. Estudos preliminares presentes na tese “Sistema robótico híbrido para a reabilitação de membro superior de indivíduos pós-acidente vascular encefálico: design centrado no usuário”, de Fernanda Márcia Rodrigues Ferreira Lopes, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apontam que o protótipo do exoesqueleto usado nos pacientes aumentou a resistência e melhorou os movimentos de flexão e extensão do cotovelo e dedos, auxiliando na realização de tarefas como segurar, sustentar e movimentar objetos sobre uma mesa e aproximá-los do rosto.
A análise de Dévelyn Izaura da Silva Bastos e Sérgio Campos Monteiro Gomes, publicada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em 2025, acompanhou três participantes, avaliando o grau de independência funcional. Os resultados apontaram avanços significativos nas capacidades dos indivíduos, com destaque para melhorias em alimentação, mobilidade, controle de esfíncteres e compreensão.
Ainda que algumas dificuldades tenham persistido em áreas como expressão verbal, resolução de problemas e interação social — indicando possíveis déficits cognitivos e de linguagem —, todos os participantes evoluíram para o nível de independência modificada ao final do processo.
A pontuação individual, conforme mostra o levantamento aferido pelos acadêmicos, revelou progressos. Um dos pacientes teve uma melhora de 44,7% em sua escala de autonomia (de 76 para 110), refletindo um avanço expressivo. Uma das pacientes apresentou uma elevação de 5% (de 119 para 125). Já um terceiro indivíduo, apesar de uma melhora mais modesta — 1,9% (de 106 para 108) —, também alcançou a independência modificada, indicando que mesmo pequenos ganhos podem representar mudanças significativas na funcionalidade e qualidade de vida do paciente.
O tratamento com o exoesqueleto, porém, ainda é considerado caro. Por isso, ainda são poucos os pacientes pós-AVC que conseguem atendimento de reabilitação.
“Muitos entram numa fila de espera e só serão atendidos depois de um ano, quando já deixaram o quadro agudo e entraram numa outra estratégia de tratamento, mais tradicional”, diz Eduardo Fragoso, mestre em Engenharia Mecânica, CEO da Symbios e um dos elaboradores do projeto do Exoesqueleto de Braço para Reabilitação Motora
Fragoso afirma que busca formas de baratear a construção do equipamento, por meio do uso de itens mais baratos e tecnologia capixaba.
“Para se ter referência, na Ufes temos o Lokomat, que custa cerca de 200 mil dólares. Na Symbios, estamos discutindo formas de baratear o custo e facilitar, também, o uso. Quanto mais motores e redutores, mais caro fica, e mais pesado para o paciente”.
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