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Publicado em 24 de outubro de 2020 às 17:33
- Atualizado há 5 anos
A pandemia da Covid-19 evidenciou que a falta de controle sobre o uso de telas por crianças e adolescentes é um problema recorrente no ambiente familiar. Mesmo antes de a crise sanitária impor o isolamento, especialistas já relacionavam pelo menos 15 doenças que afetam esses meninos e meninas por ficarem tempo demais ligados aos eletrônicos. >
Do aumento da incidência de problemas oftalmológicos, como a miopia, até casos de suicídio são relacionados à utilização desmedida dos dispositivos. >
A situação chegou a um ponto em que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) avaliou a necessidade de produzir um manual com orientações a pais, educadores e também para o público infantojuvenil sobre a “saúde de crianças e adolescentes na era digital” .>
O documento é de 2016, mas foi atualizado, e a nova versão apresentada no início deste ano. Há situações em que as telas devem ser realmente proibidas, como para menores de dois anos, no momento das refeições e de uma a 2 horas antes de dormir. >
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Também existem contextos em que o necessário é apenas ter mediação de um adulto para que, além do tempo, sejam avaliados os conteúdos a que a garotada está sendo exposta. >
O neuropediatra Ricardo Cassa defende que, mesmo nas faixas etárias em que o uso de telas é permitido, o tempo de acesso não seja contínuo, quer dizer, é importante que haja intervalos.>
“A exposição à tela estimula o centro de recompensa desse indivíduo, e aumenta a liberação de dopamina, uma substância química do cérebro que tem um papel crucial no desejo. Então, fica fácil de entender o malefício: quando o sistema de recompensa é estimulado em excesso, aumenta também o desejo, e a pessoa desenvolve características que vão lembrar as de um dependente químico”, explica. >
O uso abusivo de eletrônicos ganhou tamanha proporção que, lembra o neuropediatra, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu, no ano passado, uma nova classificação de doença relacionada a jogos: é o distúrbio de games, apresentado como um dos problemas de saúde mental. >
“Os jogos são frequentemente utilizados por crianças e adolescentes, e por muitas horas consecutivas. Eles apresentam características de um comportamento compulsivo, se irritam só de pensar que vão parar de jogar. O vício em outras telas também provoca esse comportamento. Às vezes, não querem parar para almoçar, ou não suportam trajetos até em casa sem usar algum equipamento”, analisa Ricardo Cassa. >
Compulsão, impulsividade, irritabilidade, ansiedade, transtornos do sono são algumas das condutas observadas em crianças e adolescentes que fazem uso excessivo de telas, segundo relaciona o neuropediatra. Se a utilização dos dispositivos eletrônicos for ainda mais precoce, antes dos dois anos, os efeitos negativos também são significativos. >
“A dopamina é um neurotransmissor importante na área da concentração. Então, os mais novinhos vão ter dificuldade no desenvolvimento da linguagem. Depois, começam a ter atrasos na alfabetização e, à medida que vai aumentando a idade, passam a apresentar outras dificuldades de aprendizado”, constata Ricardo Cassa. >
Outro problema, já registrado em consultórios médicos, é o aumento na incidência de casos de miopia. A oftalmologista pediátrica Claudia Maestri diz que o excesso de eletrônicos tem provocado a acomodação ocular, uma vez que há um esforço grande para enxergar bem próximo das telas. >
“O cérebro, então, vai entender que para focar é preciso ficar perto, e vai haver a acomodação, ao passo que o desenvolvimento da visão (infantil) ocorre a partir de longe”, frisa.>
O pediatra Rodrigo Aboudib, coordenador da região Sudeste na SBP, acrescenta que há estudos que demonstram uma relação direta entre uso abusivo de telas e casos de suicídio.>
“Tem um gráfico muito claro que relaciona o número de horas de tela com o suicídio. Essa curva é ascendente e, quando ultrapassa as quatro horas de tela por dia, o aumento é exponencial”, sustenta Aboudib. >
Todo indivíduo apresenta comportamentos derivados tanto da parte genética quanto do ambiente. Os dois combinados resultam em sinais e sintomas mais acentuados, que podem ser passageiros, permanentes ou desencadear transtornos mais sérios do campo psicológico. >
Rodrigo Aboudib
Coordenador da região Sudeste na Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)Não bastassem os riscos à saúde, a utilização de eletrônicos de maneira excessiva, e sem a supervisão de um adulto, torna crianças e adolescentes mais suscetíveis à ação violência. >
O médico Marco Antônio Chaves Gama, membro do Grupo de Trabalho de Saúde na Era Digital da SBP, chama a atenção para a prática do grooming, uma expressão em inglês que significa aliciamento. O bandido se passa por uma pessoa da faixa etária de quem está tentando seduzir e, aos poucos, obtém informações que vão facilitar o crime. >
“Se não há uma boa comunicação em casa, essas crianças e adolescentes se tornam presas no mundo digital. Ali, se encontra de tudo, e tem muita gente ruim. A pessoa é sedutora, faz parecer a idade do adolescente, que começa a desabafar, contar situações da família. Em determinado momento, o criminoso fala: ‘eu sei onde seu pai trabalha, onde está a sua mãe. Se não tirar a roupa para mim, eu mato um dos dois’. E aí, ele tira”, exemplifica. >
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